outubro 16, 2021

A vida de Thomas Mann (2021)

"The Magician", publicado no passado dia 7 de setembro, não foi o livro que esperava ler sobre Thomas Mann. A meio senti mesmo uma enorme desilusão, senti falta do que tinha imaginado que este livro seria. Tinha criado expectativas muito concretas. Mas Colm Tóibín surpreendeu-me. A partir desse meio, por via de toda a construção até ali, comecei a sentir cada vez mais Mann e o seu mundo. Continuo a sentir falta daquilo que eram as minhas expectativas, mas tenho de conceder que Tóibín criou uma obra admirável. Mann foi uma pessoa que viveu intensamente, mas interiormente, a ponto de nem a si mesmo (nos seus diários) se revelar. Alguém que passou pela vida, procurando sempre não perturbar nada nem ninguém, porque muito determinado em seguir o seu próprio caminho. Esta forma de estar levanta muitas objeções morais, mais ainda quando passou pela vida, mesmo nos momentos mais terríveis da guerra, com grande conforto. Mas o retrato oferecido por Tóibín é feito sem julgamentos nem endeusamentos, e talvez por isso mesmo, capaz de nos aproximar do que terá sido conviver com Mann.

Sobre as expectativas. Tinha aquela idea romântica de querer saber como é que escrevia, como é que tinha construído as ideas para as suas obras maiores. Tóibín passa por elas, mas não lhes atribui grande valor. Fica-se com um sentimento amargo quando percebemos que a obra maior Buddenbrook é escrita, editada e publicada quase sem se dar por isso, e o mesmo acontece com todos os seus restantes grandes livros. Isto porque o cerne de todo este livro é a família, primeiro os seus pais e irmãos, e depois os seus filhos. Deste modo, Tóibín consegue construir um mundo plausível e real, sobre o modo como Mann viveu. Acredito que esta abordagem se deveu ao facto de não ser, ainda hoje, fácil qualificar quem foi Mann. A sua forma de estar e viver foi bastante peculiar. Existem demasiadas contradições em muito do que fez, apesar de mesmo assim tudo nos soar de um modo altamente íntegro. 

A forma como se relacionou com o seu irmão, a sua esposa, os seus filhos, o mundo, faz-nos questionar tremendamente sobre quem era Thomas Mann. Pois existe ali muito que não se compreende, e Mann sempre se recusou a oferecer chaves que permitissem descodificar o seu interior. Em parte, chego ao final com o sentimento de que ele foi assim porque assim a vida e família lho permitiram. Por outro lado, e indo além daquilo que Tóibín quer dar, sinto que esta sua forma de estar, altamente introspectiva, afastando-se de forma consciente de tudo e todos, terá algo que ver com traços familiares percorridos pela homossexualidade e suicídio. Não só Thomas Mann era homosexual, como o eram também 3 dos seus 6 filhos. Tanto as duas irmãs de Thomas Mann, como dois dos seus filhos cometeram suicídio...


Análises no VI de alguns livros de Mann:

Os Buddenbrook (1901)

Tonio Kroger (1903)

A Morte em Veneza (1912)

A Montanha Mágica (1924)

Doutor Fausto (1947)

2 comentários:

  1. Olá Nelson, aproveito este seu post para lhe falar de três tópicos:

    1) Segundo a Wikipédia, Thomas Mann, vencedor do Nobel em 1929, iniciou a escrita de "A montanha mágica" em 1912, o mesmo ano em que sua mulher Katia foi internada num sanatório de Davos na Suíça, para se curar de uma tuberculose, donde se conclui que o livro teria sido inspirado nesse episódio. A vida das pessoas, a sua experiência pessoal, talvez seja a maior fonte de inspiração na criação de obras literárias, muito à frente da imaginação pura.

    2) Tenho grandes expectativas no livro de Isabel Rio Novo, publicado em 2018, que comprei e ainda não li, cuja autora foi por duas vezes finalista do Prémio Leya, mas nunca ganhou. “A Febre das Almas Sensíveis” é um livro que retrata a época da tuberculose em Portugal. A respeito dele, disse a autora: «São muitos os leitores que referem um avô, um tio ou um familiar distante que esteve internado no Caramulo ou em outro sanatório. E essa memória acaba por ser recuperada, de uma época em que éramos um país retrógrado, sujeito a todo o tipo de isolamentos e que acabava por sentir ainda mais do que outros a doença da tuberculose.»
    E assim também aconteceu comigo, onde, com oito anos me recordo de ir visitar minha mãe ao sanatório do Caramulo, durante o ano que ela lá esteve a tratar-se de uma tuberculose.

    3) A propósito de laureados com o prémio Nobel da literatura, a casa de apostas Ladbrokes, desde 2007 que coloca o japonês Murakami entre os mais fortes candidatos a vencer esse prémio e ano após ano falha.
    Confesso que só tinha lido deste autor o Norwegian Wood, livro já lido por todos os japoneses e considerado um dos seus melhores, se bem que ainda de início de carreira.
    Achei-o quase como um manual de adolescência, se bem que não me tenha desgostado; mas daí até ao Nobel...
    Impus, portanto, a mim próprio, conhecer um pouco mais deste escritor, especialmente da fase mais recente, também mais difícil segundo me diziam, em virtude do seu simbolismo.
    E avancei para o Kafka à Beira-mar.
    É difícil para nós, que baseamos toda a nossa vida na razão, aceitar o improvável, o impossível, o absurdo, mas é isso que se tem de fazer se quisermos ler e entender "Kafka à beira-mar", é para isso que Haruki Murakami nos convoca.
    No entanto, devo dizer que há algo de muito acessível no seu estilo de escrita, que torna a transição da realidade para a realidade alternativa e da fantasia de volta à realidade, numa experiência indolor.

    «Todos nós temos coisas místicas acontecendo conosco. Raramente o reconhecemos, na maioria das vezes preenchemos o que não entendemos com algo que podemos entender e, no processo, rompemos os fios do extraordinário. Sinto a atração do desconhecido com bastante regularidade. Sinto vontade de deixar tudo e ir para algum lugar onde ninguém saiba meu nome. Um lugar onde talvez eu possa encontrar o resto de mim, os eus perdidos, cada um segurando um fragmento da parte perdida de minha sombra.»

    A escrita é fina e escorreita, mas pela parte que me toca, essa fantasia, esse absurdo, esbarra na fronteira da minha própria imaginação, para lá desse limite entra-se em território desconhecido e declaro-me incompetente para extrair beleza e prazer de uma obra, mesmo que muitos digam tratar-se de uma metáfora ao mito de Édipo, do sempre eterno nomeado ao prémio Nobel da literatura. Duas estrelas.

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  2. Olá Joaquim
    Muito obrigado pelos comentários, e contributos, deixo respostas a cada um dos pontos:

    1) Sim, essa parte é mencionada, mas queria mais :) Ou seja, queria ter tido maior acesso ao mundo interior de Mann, e acabo ficar apenas com um acesso ao seu mundo exterior.

    2) Já li algumas resenhas de pessoas no Goodreads, e na altura fiquei muito interessado. Apesar de não ter qualquer relação com o lugar, senti uma proximidade com a Montanha de Mann, e encantou-me a ideia. Quero ver se o leio, mas numa conversa disseram para baixar as expectavas porque pode defraudar, se formos como elas muito altas :)


    3) Eu acho uma piada o Murakami surgir nas apostas. Há uma década que se ouve essa conversa, mas eu mesmo gostando em parte da sua obra, não consigo ver ali qualquer possibilidade de Nobel. Eu gostei do seu mundo, pela estranheza que desperta, mas é só isso, não há ali mais nada. Pior, o universo repete-se entre livros, assim como a fórmula de escrita. Por exemplo, o "Kafka" é igual a "1Q84", e o modo de contar, criando suspense pela estranheza e fantástico é igual em todos os livros que li dele, nunca nada muda. Obviamente que cria um mundo particular, para o qual podemos escapar, e por alguns momentos sentirmo-nos alheadas dos problemas da nossa vida. Mas isso perde o encanto quando começamos a perceber os padrões replicados do autor.

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