abril 24, 2021

Novelas de Ferrante, Roth e Mann

Trago 3 pequenos livros — "Tonio Kroger" (118p), "Um Estranho Amor" (176p), "Indignação" (176p) —, 3 novelas aparentemente desconexas, mas que fui lendo e colocando na pilha de lidos sem me dar ao trabalho de parar para refletir e escrever. Tendo resolvido colmatar essa falta, percebi que faria sentido juntar a conversa sobre os 3 num texto único, desafiando-me a mim próprio em busca de relações. Desde logo, podem estabelecer-se entre "Tonio Kroger" e "Um Estranho Amor", já que ambas são novelas debutantes dos autores. No caso de "Indignação", sendo o oposto, porque é a 29ª obra de Roth, o seu conteúdo trata um "coming of age", aproximando-o de "Tonio Kroger".

Começando pela enigmática Ferrante, "Um Estranho Amor" (1992) demonstra, para uma primeira obra, uma escrita virtuosa. Já o enredo complexifica-se excessivamente, ainda que sirva na simulação do mundo de vivências enredadas, próprias da cultura latina que se vive em Nápoles. Senti-o menos intenso do que "Dias do Abandono" (2002), talvez porque a personagem principal é aqui partilhada entre mãe e filha, mas também porque Ferrante opta muito mais por sugerir do que mostrar, ao contrário do que faz em "Dias do Abandono". Apesar destas diferenças, não deixa de ser uma novela forte, focada na psicologia das relações familiares, dando conta de um fenómeno paradoxal neste nosso modo latino, que é o facto de vivermos de modo muito próximo e muito dados uns aos outros, não faz com que efetivamente nos conheçamos interiormente. Ou seja, gesticulamos muito, tocamo-nos, falamos imenso, olhos nos olhos, corpos nos corpos, mas na verdade o nosso interior permanece só nosso, a nossa individualidade, apesar das pressões externas, continua a ser conhecida apenas por cada um.

"Indignação" (2008) de Roth dá-nos uma história próxima do universo de Roth, nomeadamente pela questão religiosa e judia, mas no resto distancia-se de imediato ao focar-se num adolescente e sua saída para a universidade a muitos quilómetros de casa. Roth tece a sua teia em redor da personagem, dando conta das múltiplas pressões sociais e afetivas que vão desde o pai e a mãe, à namorada, colegas de quarto e turma, e ainda à direção da universidade. Roth cria todo um enquadramento para a nossa empatia, fazendo-nos crer na existência daquele jovem, alguém com muitas qualidades, mas também possuidor de defeitos. No final, a questão que o livro nos deixa é sobre o modo como aprendemos a lidar com a realidade e suas regras, mas também sobre o modo como essas regras, construções culturais da experiência, afetam o modo como vemos o mundos, e por fim como os ideais que criamos para nós podem ser simultaneamente vitais e letais.

Por fim, "Tonio Kroger" (1903), com Mann ainda muito jovem, ainda longe do virtuosismo majestático que viria a atingir, e uma história excessivamente autobiográfica. Digo que há excesso, porque Mann não se inibe de tecer alguns comentários menos dignos, nomeadamente sobre classes e etnias, que não abonam muito em favor do texto. O "coming of age" de Kroger, pela sua posição elevada e  falta de constrangimentos ao seu desejo, acaba por se apresentar como um fluxo de eventos de pouca relevância, quase até ao final, momento em que se vê perante a total incapacidade de que tudo se cumpra à sua vontade. Teria sido interessante um maior aprofundamento das relações com sua mãe e pai, nomeadamente por aquilo que os distanciava e ofereceu claramente substrato à identidade de Mann. Na verdade, não posso dizer que me tenha surpreendido com a pouca ligação com esta novela, já que ela faz par com "A Morte em Veneza" (1912), o outro livro de Mann que não me tinha tocado particularmente.

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