agosto 05, 2021

"Framers" (2021): decisão e quadros mentais

Cheguei a este livro — "Framers: Human Advantage in an Age of Technology and Turmoil" (2021) de Kenneth Cukier, Viktor Mayer-Schönberger e Francis de Véricourt — pelo meu interesse nos processos de tomada de decisão, as escolhas que temos de fazer todos os dias, sempre que damos espaço à nossa agência no mundo, ou num qualquer artefacto interativo. A decisão é um processo altamente complexo, desde logo porque contribui para nos definir enquanto seres possuidores de livre-arbítrio. Assim sendo, e partindo do quadro humano que nos oferece tantas decisões quanto o número de seres humanos, percebe-se a dificuldade ou mesmo impossibilidade da tentativa de parametrizar processos de decisão humana. Para esse efeito bastaria ler Kahneman e Tversky:

“Making decisions is like speaking prose – people do it all the time, knowingly or unknowingly. It is hardly surprising, then, that the topic of decision making is shared by many disciplines, from mathematics and statistics, through economics and political science, to sociology and psychology. The study of decisions addresses both normative and descriptive questions. The normative analysis is concerned with the nature of rationality and the logic of decision making. The descriptive analysis, in contrast, is concerned with people’s beliefs and preferences as they are, not as they should be. The tension between normative and descriptive considerations characterizes much of the study of judgment and choice.” Kahneman and Tversky (2000)

Esta introdução serve, em parte, de explicação ao surgimento deste livro, já que os autores referem que este surgiu de uma vontade inicial de escrever um livro conjunto sobre a comparação entre os processos de tomada de decisão dos humanos e máquinas, tendo acabado por perceber que a diferença reside na bagagem pessoal e experiencial de cada ser humano. A operacionalização pelas máquinas, tende a uma racionalização lógica, logo homogénea, logo muito distinta da humano. A experiência anterior do humano, que é aqui tratada como “frame” ou “quadro” da realidade, tem recebido múltiplas designações:

  • Quadros Mentais
  • Modelos Mentais
  • Mapas Mentais
  • Imagens Mentais
  • Mindset
  • Estereótipos / Protótipos
  • Cenário de Caso
  • Contexto Experiencial
  • Etc. etc.

Com ligeiras variações, todos estes conceitos servem para referenciar o modo ou abordagem a um problema por parte de uma consciência humana. Usando do seu conhecimento anterior sobre a realidade, o sujeito constrói primeiro uma noção do problema ou questão que se lhe coloca, para depois poder decidir ou responder. Ora é essa construção mental que aqui importa, pois ela é fortemente contaminada pela experiência pessoal de cada sujeito. Imaginemos o simples caso: Abrir uma lata de bebida

Olhamos para a lata, comparamo-la com outros objetos que tenhamos encontrado no passado. Procuramos no registo de memórias “imagens” que se encaixem na imagem que estamos a observar. Tendo identificado uma "imagem" que parece uma patilha no topo, recorremos aos "quadros" que nos dão indicações de ações que vimos serem realizadas por outras pessoas, ou nós mesmos (cenários de casos parecidos que possamos usar aqui): colocar a unha por debaixo da ponta da patilha, levantar, fazendo pressão para a frente. No nosso registo existem também marcas sonoras que identificam a progressão do processo e permitem perceber quando atingimos o ponto final da abertura da lata. Se nunca tivéssemos visto uma lata, mas principalmente se nunca tivéssemos visto ou experienciado o processo de abertura da mesma, levaria algum tempo ou talvez nem sequer conseguíssemos chegar a tomar a decisão de colocar a unha debaixo da patilha, ou se sim, de fazer toda a pressão até ao levantar completamente da mesma.

Assim, o livro de Cukier, Mayer-Schönberger e Véricourt constitui-se na apresentação de múltiplos casos, nomeadamente mais complexos que este que apresentei. Mas que servem para apresentar a importância dos quadros mentais, nomeadamente no processo de tomadas de decisão complexas e coletivas, demonstrando que cada situação poderiam existir desenlaces distintos em função dos quadros utilizados. Situações como: o modo como a Spotify ultrapassou a Apple no mercado da música; a missão de salvamento do comando israelita em Entebbe em 1976; a transformação das perceções da sociedade com o #meToo; as diferentes respostas ao COVID, etc.

Não vemos as coisas como elas são. Vemos as coisas como somos." Talmud

A parte final do livro procura sair da mera exemplificação tentando dar conta dos modos como podemos trabalhar os processos de decisão operando sobre os quadros que já detemos, mas não vai além daquilo que tem sido o discurso da “adaptação à mudança” que já pudemos ver em obras como “Switch (2010)”, "Nudge (2008)" ou “Mindset” (2006) de Carol Dweck. E novamente acaba fazendo um trabalho de mera exemplificação, ficando bastante atrás por exemplo da conceptualização apresentada por Dweck e os seus "dois mindsets": o fixo e o de crescimento (baseados nas grandes questões da psicologia: natureza ou cultura) (ver imagem abaixo). Assim, no fixo: tentamos para o mesmo conjunto de problemas aplicar sempre o mesmo quadro ou mindset, pela familiaridade, facilidade e conforto, ou se quisermos uma visão conservadora da realidade. Por outro lado, poderemos conseguir maiores recompensas, ou seja, crescer, se tentarmos “mudar de quadro” no ataque a um mesmo problema, mesmo que estes tendam a não resultar no imediato, e exija adaptação, falhanço e aprendizagem de novo, ou seja, uma abordagem progressista da sociedade.

Os dois mindsets propostos por Carol Dweck no seu livro de 2006


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