Durante mais de 25 anos ouvi o álbum “The Songs of Distant Earth” (1994), de Mike Oldfield, sempre pensando que parecia uma banda-sonora, contudo sem nunca saber que o mesmo era homónimo de um livro de Arthur C. Clarke de 1986. Foi Rob Dickins, da Warner, que sugeriu em 1993 a Mike Oldfield que fizesse um álbum conceptual baseado no livro de Clarke. Oldfield não se sentiu particularmente atraído pela história, mas gostou da atmosfera e do título. Pelo seu lado, Clarke adorava a sua banda-sonora de “The Killing Fields” (1984). Do meu lado, tenho de concordar com Oldfield, a história é muito incipiente, mas ler o livro ouvindo o álbum cria uma experiência que por vezes roça a transcendência, capaz de nos fazer viajar além do nosso sistema solar...
Clarke diz que escreveu este livro por sentir que a corrida ao espaço estava a perder fôlego, e por isso queria incitar o imaginário popular a dar força à conquista espacial. Lendo o livro com este subtexto compreende-se muito melhor o que está ali em questão, mas não deixa de lhe faltar imaginação, para não dizer os elementos mínimos do contar de histórias. Não existe conflito, não existe mudança, não existem personagens, existe apenas um mundo e o seu ambiente. Clarke limita-se a descrever uma sociedade pós-humana no ano 3800 a viver noutra galáxia, que querendo-se distinta da atual humana, em nada difere desta, a não ser num conjunto de comportamentos comunitários que não têm qualquer sustentação efetiva no ecossistema apresentado. Não é que o exemplo dado fosse o de uma má sociedade, só que os comportamentos são paradoxais, não sustentáveis. O ser humano não funciona de certa maneira só porque lhe dizemos para o fazer, ou porque criamos leis que o impõem. É a utopia perfeita dos sonhos de Clarke, mas sem aderência à realidade, demonstrando um total desconhecimento da psique humana..
Esta falha fez-me pensar exatamente no contrário do que Clarke pretendia. Não basta compreender astrofísica, não basta construir abstrações daquilo que é possível, é preciso fundamentalmente compreender aquilo de que é feito o humano. Fica assim o contraponto dos argumentos por Heidegger, quando questionado sobre a possibilidade do ser humano vir um dia a habitar outros planetas:
"De acordo com a nossa experiência humana e a nossa história, pelo menos na minha opinião, sei que tudo o que é essencial e tudo o que é grande teve origem no facto de o homem ter um lar e estar enraizado numa tradição". Heidegger, entrevista ao Der Spiegel, 1966
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