“A Swim in a Pond in the Rain: in which four Russians give a master class on writing, reading, and life” (2021) de George Saunders é um livro sobre a arte de contar histórias, em particular sobre arte do conto, em particular do conto russo. Não é um livro sobre "como escrever histórias", é um livro que discute a arte e ofício de quem escreve e os resultados do que se escreve. Saunders não apresenta um guião, nem uma estrutura para a desconstrução dos contos, antes apresenta os mesmos completos sobre os quais realiza, depois connosco, uma leitura próxima (close reading) de certas partes que podem focar-se: na forma, no estilo, no conteúdo, na relação com a vida dos autores, ou ainda em aspetos da tradução do russo. Ler e ouvir Saunders (o audiobook é narrado pelo próprio) falar sobre escrita e contos russos é um pouco como olhar para os olhos de uma criança quando se lhe coloca um prato cheio de doces na frente. A paixão transborda, oferecendo particular deleite a todos os comentários que vai fazendo a cada um dos contos ao longo da viagem proposta que nos oferece 7 contos (3 de Chekhov (In the Cart; The Darling; Gooseberries), 2 de Tolstói (Master and Man; Alyosha the Pot), um de Gogol (The Nose), e um de Turgenev (The Singers)).
Ao longo do livro, não só exploramos de forma prazerosa a literatura, mas aprendemos a amá-la com Saunders. No meu caso particular, que tenho tendido a colocar de lado os contos em detrimento do romance, Saunders ensinou-me porquê e ajudou-me a olhar de uma forma diferente para a arte do conto. Fiquei particularmente encantado com a forma como iluminou, para mim, o trabalho de Chekhov que tenho evitado ao longo dos anos, sem nunca perceber que a forma curta do conto não pode dar-se às mesmas desenvolturas do romance, por falta de espaço, e que por isso tem de aproveitar cada linha, cada palavra, para fazer passar a impressão pretendida. No primeiro conto de Chekhov, "In The Cart", Saunders leva-nos pela mão, e após cada parágrafo vai questionando: Agora, o que já sabemos sobre a personagem? E o que sabemos sobre o ambiente? E sobre o que é que temos agora curiosidade? Para onde pensamos que a história se vai agora dirigir? Porque é que Chekhov foi por esse caminho, e não por outro? Porque disse isto, aqui? É impressionante, e dá conta de um Chekhov verdadeiro artesão da palavra e mestre na construção de histórias.
Sobre o processo utilizado por Saunders para ensinar a escrita criativa e a abordagem seguida neste livro, deixo este excerto final:
“artistic mentoring works something like this: the mentor strongly expresses his view as if it is the only and entirely correct view. The student pretends to accept that position: takes the teacher on faith (tries on his aesthetic principles for size, surrenders to his approach), to see if there might be something in it. At the end of the mentoring period (now), the student snaps out of it, disavows the teacher’s view, which is starting to feel like a set of bad-fitting clothes anyway, and goes back to her own way of thinking. But maybe along the way she’s picked up a few things.”
Não existe espaço para jargão académico, nada de narratologia, Saunders apresenta-se como artesão, criador que investe mais tempo a fazer do que a pensar em como verbalizar o que faz. Por isso as grandes questões colocadas são as do criador: "O que faz uma história funcionar? O que é que faz um leitor querer continuar a ler?" Naturalmente, enquanto académico, senti por vezes alguma falta de aprofundamento, nomeadamente falta de conhecimento teórico sobre Comunicação e Psicologia, mas o que falta aí, Saunders apresenta em excesso pelo lado da experiência criativa, a partir da qual nos oferece impressões que iluminam tremendamente a nossa compreensão. Veja-se por exemplo a comparação entre o que se poderia dizer, e o modo como Tolstói diz, escreve, no conto "Master and the Man" uma simples frase, e como isso serve para nos ambientar e fazer entrar pelo mundo da história adentro:
“Consider the difference between:
“The maid carried the samovar to the table”
and Tolstoy’s version:
“After flicking with her apron the top of the samovar which was now boiling over, she carried it with an effort to the table, raised it, and set it down with a thud.”
Entre a apresentação e discussão de cada conto, Saunders propõe alguns exercícios bastante interessantes, tanto de análise como de criação, oferecendo mais alguns exemplos de leitura para quem desejar continuar a trabalhar. Deixo um detalhe, com que se abre o livro e que tem que ver com a essência do que move alguém a ler uma história, de um ponto de vista académico bastante básico e primário, mas simultaneamente elucidativo:
“"But what do you like about the story?" I whined. There was a long pause at the other end. And Bill Buford said this: “Well, I read a line. And I like it…enough to read the next.”
(...)
A story is a linear-temporal phenomenon. It proceeds, and charms us (or doesn’t), a line at a time. We have to keep being pulled into a story in order for it to do anything to us.I’ve taken a lot of comfort in this idea over the years. I don’t need a big theory about fiction to write it. I don’t have to worry about anything but: Would a reasonable person, reading line four, get enough of a jolt to go on to line five?”
Até que enfim que vejo algo escrito em português sobre este livro. Foi o meu livro preferido em 2021 e aguardo pela tradução. O lançamento em Portugal estará previsto para junho, talvez na feira do livro (especulação)
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