agosto 16, 2021

A dúvida científica como certeza individual

Depois do responsável de um partido ter vindo dizer que não se tinha vacinado porque não tinha informação, de que com a vacina ou sem ela os sintomas de COVID seriam os mesmos. Depois, de uma manifestação anti-vacinas, em Odivelas, com dezenas de pessoas gritando contra o diretor da campanha de vacinação palavras como "assassino". Descubro hoje que o principal site internacional de suporte de dados contra as vacinas, com milhões de visitas, é obra de uma pessoa apenas, uma californiana que diz ter uma filha que sofreu efeitos secundários após a toma de uma qualquer vacina em 2019.

As vacinas não são criadas por um indivíduo qualquer que simplesmente se lembrou de fabricar um método para se proteger. Um colete para-balas ou preservativo artesanais podem ser bastante interessantes, mas não podem ser vendidos a ninguém afirmando-se como tais sem terem dado à sociedade garantias  mínimas de qualidade. Essas garantias só se tornam efectivas após a examinação por várias instituições independentes que averiguam das percentagens mínimas dessa eficácia.

As vacinas passam por um conjunto de regulamentos de qualidade, que além de fortemente restritivos, são suportados pelos Estados, criados por e para as Sociedades e suportados pela Lei.

Não podemos obrigar ninguém a usar colete para-balas no dia-a-dia, mas podemos obrigar a usar quem exerce determinadas profissões (ex. polícias). Não podemos obrigar ninguém a usar preservativo, mas qualquer um pode ser considerado culpado, se se sabendo portador de doença sexualmente transmissível não fizer uso de preservativo. 

A vacina protege o indivíduo da morte potencial, tal como o colete. Mas ao contrário do preservativo, não protege as pessoas de transmitirem a doença, por isso continuamos a ter de usar máscaras. 

Assim, a Convenção Europeia de Direitos do Homem diz claramente que a liberdade de expressão pode ser limitada pela Lei em casos de proteção da saúde (ver art. 10). E a lei portuguesa, no seu código penal, criminaliza o incitamento à morte ou suicídio (art .135). Ou seja, quem incita à adoção de comportamentos de risco de morte é passível de criminalização, seja alguém que incite à toma de lixivia, seja quem incite à não toma de vacina.

O site OpenVAERS diz que a sua informação principal provém de sites oficiais como o americano VAERS (Vaccine Adverse Event Reporting System), contudo isso não corresponde à verdade. Nem os dados que apresenta condizem com os que lá são apresentados, nem as leituras e interpretações que são feitas dos mesmos têm qualquer relação com a realidade.

Todo o ser humano deve ser livre de controlar o seu corpo e assim poder dizer Não a qualquer ato que afete essa liberdade. Nesta liberdade inclui-se naturalmente a não toma de vacinas, qualquer medicamento, ou qualquer manobra física sobre o corpo, mesmo servindo para impedir a sua morte. Mas este direito, sendo enorme, não confere ao indivíduo o direito de influenciar outros a pensar da mesma forma. 

Precisamos de ter consciência que a Ciência, a mesma que suporta o desenvolvimento de vacinas, é  realmente construída com base em Possibilidades e Dúvida. Enquanto comunidade científica, nunca temos certezas absolutas, é a dúvida que nos faz caminhar em direção à melhoria e aperfeiçoamento do que conhecemos e sabemos fazer. É a dúvida que permite que trabalhemos humildemente em conjunto e analisemos todos os pontos de vista apresentados e suportados em evidência, para chegar conjuntamente às melhores possibilidades. Mas a dúvida científica não pode ser virada do avesso para servir de Prova e Certeza a quem pretende impor a sua ideia, baseada no seu sentir individual do mundo, à restante sociedade.

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