O filme de Pedro Costa, “Vitalina Varela” (2019), fez-me viajar no tempo até ao dia que vi o seu “Casa de Lava” no cinema, em 1994, e que me deixou uma impressão fortíssima de Cabo Verde. Daí viajei até ao Bairro das Fontaínhas, onde passei 3 horas “No Quarto de Vanda”, em 2000, e de onde saí com um nó interior. “Vitalina Varela” junta partes desses dois mundos, filtra-os pelo olhar pessoalíssimo de Costa, e esmaga-nos completamente pela dureza das realidades apresentadas, a exterior e a interior.
Pedro Costa passou mais de um ano em rodagem, realizando um labor próximo do que em ciências sociais denominamos de “observação participante”, conseguindo deste modo fazer chegar a sua câmara ao interior de um mundo que para muitos de nós, apesar de poder ficar do outro lado da cidade, parece posicionado no fim-do-mundo. Não há intermediários, estamos no centro da ação, com uma câmara estática que nunca clama por atenção, parecendo inexistente, por vezes voyeurista. Tudo isto é apresentado sem um único traço de musicalidade, com Costa a exercer total controlo da experiência, impedindo qualquer adoçamento.
Se o olhar é especial, a sua colocação e recorte, a impressão visual da imagem excedeu-se totalmente. Embora aqui, mesmo se os enquadramentos e a luz são trabalhados com Costa, não podemos deixar de louvar o trabalho de excelência do cinematógrafo Leonardo Simões, assim como a pós-produção de Vitor Carvalho e a correção de cor de Gonçalo Ferreira. O resultado final é sumptuoso, fazendo jus ao título que alguma crítica categorizou como “Rembrandt do gueto”.
A história é facilmente reconhecida por portugueses assim como cabo-verdianos, centrando-se no luto de uma mulher que viu partir o marido e nunca teve oportunidade de se juntar a ele. Uma história que surgiu do acaso durante a rodagem do anterior filme de Costa. Passamos duas horas em pleno bairro, no meio dos seus habitantes, vivendo o luto, mas sentindo a saudade de um país distante por entre a melancolia de estar vivo.
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