julho 31, 2013

como prospera a nossa mente?

Trago mais uma comunicação de Ken Robinson, que não vem dizer nada de muito novo, mas como ele acaba dizendo, é preciso continuarmos a manifestar o nosso ponto de vista, para lutar contra os paradigmas instalados. Compete-nos a nós fazer com que mais pessoas compreendam o que está mal, e porque está mal, para que aos poucos esses paradigmas possam ser alterados.

How to escape education's death valley (2013) Ken Robinson

Ken Robinson aponta três princípios cruciais para que a mente humana possa prosperar, e que vêm sendo contrariados por vários modelos educacionais, tal como o seguido no sistema português, nomeadamente no consulado de Nuno Crato. Vejamos cada um, e analisemos o que estes modelos têm feito no sentido de os promover ou despromover.

Princípio 1. Os seres humanos são intrinsecamente Diferentes.
O que fizemos? Criámos exames e testes que garantem que todos os alunos saberão o mesmo em cada ano, e afunilámos o saber, restringido-o à Matemática e Português. Poderia ser mais irónico? Os exames deveriam, apenas e só, servir fins de diagnóstico do sistema, não podem servir para punir ou gratificar, não podem ser o centro da escola, não podem ser o fim da vida na escola. Quanto à Matemática e Português, questiono-me, como será possível criar atletas de relevo que nos motivem todos os dias da nossa vida, e artistas de qualidade que nos nos façam imaginar o que poderemos ainda vir a ser, se não dedicarmos espaço à Educação Física e às Artes na escola?

Princípio 2. Os seres humanos são intrinsecamente Curiosos.
O que fizemos? Retirámos a autonomia aos professores para desenhar os currículos das suas aulas, e obrigamo-los a seguir tudo o que é emanado do ministério centralizador. Como é possível despertar a curiosidade de cada um, se falo de igual modo para todos, e exijo o mesmo a cada um? De uma vez por todas, compreendam que a profissão de professor, é uma profissão profundamente criativa. Sim, é verdade. Aquela ideia de que quem não sabe fazer, ensina, é uma grande mentira. Porque saber ensinar, é saber fazer algo de bastante concreto. É desenhar a melhor forma de fazer chegar o conhecimento ao outro. É facilitar a aprendizagem do outro.

"What Teachers Make" banda desenhada de Zen Pencils, baseada na performance de Taylor Mali.

A única forma sustentável de facilitar a aprendizagem, é despertando a curiosidade. Já pararam para pensar porque é que gostam de ir ao cinema, porque é que gostam de ler um livro, ou de seguir uma série na televisão? Simples, porque estes artefactos utilizam a arma mais elementar de atrair a nossa atenção, que é atiçar a nossa curiosidade. Passamos todo o tempo que estamos envolvidos com estes artefactos, a questionar-nos, "o que é vai acontecer a seguir?".

E é por isso que a profissão de professor é altamente criativa, porque este tem de ser capaz de desenhar as suas aulas e os seus materiais, de forma a atiçar a curiosidade, de forma a manter o aluno interessado, para que este não se levante a meio da sessão, desista, e vá embora.

Princípio 3. Os seres humanos são intrinsecamente criativos.
Como é que eu posso despertar a criatividade das nossas crianças, se exigir a todas o mesmo, e se as punir por não serem iguais ao vizinho? Ken Robinson diz,
 "Nós criamos as nossas vidas, e podemos recriá-las enquanto as vivemos. É a prática comum de ser um ser humano. É por isso que a cultura humana é tão interessante, diversa e dinâmica (..) Todos criamos as nossas vidas ao longo deste processo incessante de imaginar alternativas e possibilidades, e esse é um dos papéis da educação, acordar e desenvolver esses poderes da criatividade."

julho 30, 2013

um hino à arte de criar

Foi em tempos tipógrafo, hoje com 97 anos e sérios problemas de visão, cria arte gráfica, com apenas o Microsoft Paint. Muito sinceramente, não sei com que me surpreenda mais, se a idade tão avançada, se a criação de arte visual por alguém com forte debilidade no campo da visão, ou o simples facto de se poder criar algo com qualidade a partir de uma ferramenta como o Paint. Falo de Hal Lasko, do Ohio, EUA.


O computador é aqui uma verdadeira ferramenta de acessibilidade, porque é o simples efeito de permitir o zoom da imagem que possibilita  Hal Lasko continuar a produzir trabalho visual. Ou seja, Lasko trabalha as imagens ao nível do pixel, tal como se produzisse uma ilustração através da técnica de pontilhismo. Claro que para o fazer, e tendo em conta todas as suas limitações de visão e próprias da idade, precisa de imenso tempo, chegando a levar 2 anos para criar uma imagem apenas.




Uma das coisas que mais me impressionou, foi o filho dizer que ele não pára de falar sobre o seu trabalho, que não gosta de ir ao estúdio dele porque depois não consegue sair de lá, o seu pai não pára de lhe mostrar coisas. Isto é deveras impressionante, porque mostra a tenacidade da sua motivação intrínseca. Mas mostra ainda o quão importante é a comunicação na arte. A necessidade do pai mostrar ao seu filho o que faz, e receber feedback, para que faça sentido continuar. Ou seja, a motivação é intrínseca, mas ainda assim precisa de se alimentar. Tal como o filho, o aluno, o aprendiz precisam continuamente de feedback para poder continuar a trilhar o seu caminho.
"he painted on the computer all. the. time. No one knew how important this program would become to Grandpa until he lost some of his vision in 2005 because of wet macular degeneration. Since then Hal has also lost the majority of his hearing. Despite these "setbacks" Grandpa wakes up everyday and is still inspired to create." [fonte]
Só uma motivação tão desmedida como aquela que podemos ver expressa no documentário permitiu que Hal Lasko tivesse claramente evoluído dos primeiros desenhos para os últimos. Podemos notar um claro aumento de complexidade visual, e como o incremento no domínio da técnica acabou por libertar Hal do figurativo realista, permitindo-lhe atingir uma vertente mais impressionista. É um verdadeiro hino à arte de criar.

The Pixel painter (2013) de Josh Bogdan e Ryan Lasko

[via Gizmodo]

julho 29, 2013

a Fé dos Comics

Acabou mais uma Comic-Con, e para quem não pôde estar presente, nada como ver o documentário que Morgan Spurlock fez há dois anos, Comic-Con Episode IV: A Fan's Hope, (2011). É um documentário feito para quem já conhece o evento, não procura dar explicações, antes nos leva adentro do evento através da perspectiva de oito pessoas, que ali vão por motivos diferentes. Desde do vendedor de BD de coleção, aos desenhistas que procuram um lugar na indústria mostrando os seus portefólios, até aos fãs de cosplay que investem todo um ano a construir a melhor máscara.


Na verdade o que me interessava mais neste documentário era compreender porque é que uma convenção de banda desenhada criada nos anos 1970, passou nos anos 2000 para a ribalta, e se tornou num evento que merece a atenção de toda a imprensa mundial. Nisso o documentário é prolífero, desde os fãs de primeira hora que se queixam de que a Comic-Con já não é a Comic-Con, até às enumeras estrela de Hollywood que aproveitem o evento, para autopromoção, e promoção de filmes em cartaz. Tenho poucas dúvidas que para tudo isto terá contribuído imenso todo o sucesso que a Marvel conseguiu nos últimos 10 anos, passando de marca consagrada do mundo da BD, para grande marca de Hollywood.

Mais interessante é perceber porque aconteceu isto com a Marvel, e as razões são várias, embora duas delas me pareçam determinantes: a computação gráfica, e o universo criativo de storytelling. Ou seja, nunca até hoje tinha sido possível passar para o ecrã, de modo "realista" aquilo que tínhamos nas páginas da BD. Só a recente transformação plástica do cinema, que deixou de tratar a realidade através da fotografia, e passou a tratá-la antes como pintura (ver crítica a Hobbit), tornou isto possível. Por outro lado nos últimos anos o cinema vinha acusando falta de histórias, falta de novos universos narrativos, imaginativos e criativos, e o mundo da BD surgiu como um verdadeiro novo fôlego.

Mas a Comic-con não é apenas BD e Cinema, a Comic-con é hoje um evento de congregação e festejo de todas as Artes do Entretenimento, aquilo que alguns denominam de arte popular, ou artes de consumo. De entre as quais os videojogos se destacam por terem assumido um papel determinante em termos de importância financeira na última década. Mas não aceito a ideia de que possam ser artes distintas, que se possam rotular de mero consumo, comercial ou popular, porque são-o tanto como todas as outras. Acredito que o que mais caracteriza este domínio artístico específico, e o distancia das outras formas de arte, é o facto de se assumir como de entretenimento puro e livre de pretensões. É um movimento genuíno, sentido, e acarinhado por toda uma comunidade muito diversificada. Não existem tabus quanto aos temas a ser tratados, mas provavelmente o tema mais comum que podemos encontrar na congregação de todos estes meios artísticos, seja o Escapismo.


No final do documentário, é difícil não nos questionarmos o que leva tantos milhares de pessoas a fazerem o que fazem, a seguir o que seguem, tão cegamente. Do meu lado, não consigo ver qualquer diferença entre esta meca, e as anteriores criadas pelas várias religiões no planeta. O ser humano precisa desesperadamente de motivos para acreditar em algo superior a si, seja de que ordem for.

julho 26, 2013

sobre o criador de Minecraft

Markus Persson mais conhecido por "Notch", foi alvo de um texto biográfico por Simon Parking para a revista New Yorker, intitulado The Creator. Nesta análise podemos ficar a conhecer melhor quem é o criador por detrás de um dos maiores sucessos do mundo dos videojogos, Minecraft (2009-2011). Posso dizer que o que mais me surpreendeu foi a coerência cultural que emana das vivências dos países frios do hemisfério norte, da Escandinávia ao Alaska.

Markus Persson, criador do videojogo Minecraft (2009-2011)

A infância de Persson, na Suécia, não difere muito da de muitos que hoje em Portugal têm entre 35 e 40 anos, e que começaram as suas primeiras experiências informáticas a programar num ZX Spectrum. A testar sistemas e a sonhar com uma carreira num mundo das tecnologias e cultura ligada ao desenho e desenvolvimento de videojogos. Tal como cá, Persson também foi desaconselhado a seguir tal rumo. Era algo sem futuro, impossível de cumprir enquanto atividade profissional num país pequeno como a Suécia. Por isso seguiu Design Gráfico. Este seu percurso permitiu-lhe começar a criar os seus primeiros jogos, a desenhar e programar mais de 30 jogos em Flash, enquanto trabalhava como web designer. Foi com este background que surgiu a ideia e as competências para levar a cabo Minecraft. Inicialmente ficou em part-time na empresa de web-design, e depois saiu completamente apenas para terminar Minecraft.

Um percurso perfeitamente legítimo, auto-explicável, sustentado, sem passos de mágica ou genialidades incompreensíveis. Muitos anos, muito investimento pessoal em fazer aquilo que se sonhava desde cedo. E por isso me interessou ainda mais a sua história familiar, que achei deveras interessante, e impossível não comparar com outras histórias dos países frios do Norte.

Persson teve uma adolescência agitada, com um pai alcoólico e muito pouco presente. Ainda assim, nas suas declarações podemos compreender como este o amava. Podemos compreender que apesar de distante, o seu pai foi fundamental na suas escolhas e na perseverança em lutar por aquilo em que mais acreditava. Não vou aqui relatar o que está no artigo, porque seria de algum modo revelar o clímax da narrativa do texto de Parking, que julgo que vale a pena ler por completo.

David Vann, Legend of Suicide (2008) (analisado aqui)

Quero apenas aqui estabelecer a ligação entre aquilo que poderão ler na segunda parte do texto, a propósito da vida pessoal de Persson e do seu pai, com aquilo que experienciei na leitura do livro de David Vann, Legend of Suicide (2008) (analisado aqui). Persson na Suécia, Vann no Alasca, com tanta proximidade nos sentires. Se sentiram a história de Persson, aconselho vivamente a leitura do livro de Vann.

julho 25, 2013

as portas da percepção

Enter the Void (2010) é uma inspiração cinematográfica, na forma e no conteúdo, é uma obra-prima. Um acesso visual ao nosso mundo que só o cinema nos poderia dar, é a linguagem cinematográfica a evoluir, a atingir patamares sonhados, mas nunca antes trabalhados, à espera de Gaspar Noé. A qualidade visual só foi possível graças ao envolvimento da empresa de VFX francesa, a BUF, e graças à enorme persistência de Noé para conseguir realizar o seu sonho. Noé diz-nos que a inspiração para o filme veio de,

"Lady in the Lake, smoking joints, eating mushrooms, reading books about life after death ['The Tibetan Book of the Dead']" [fonte]
Só faltou referir o aspecto visual de 2001: A Space Odyssey (1968) de Kubrick e Trumbull, para termos o conjunto completo. Lady in the Lake (1947) foi o primeiro, e continua a ser o único, filme inteiramente filmado em primeira-pessoa. Aqui Noé começa na primeira-pessoa, ao fim de algum tempo passa para terceira-pessoa, e passado algum tempo passa para aquilo que nos videojogos definimos como god mode, vista de cima do todo. Muitas das cenas do filme parecem totalmente impossíveis de conseguir, algumas bastante mundanas, como a da casa de banho, mas impressionam quem sabe que naquele espaço delimitado seria impossível colocar uma câmara. Daí que o filme seja todo um universo visual fabricado, mas ao ponto de ser perfeitamente credível. São 2h41m de movimento de câmara, sem pausas nem interrupções, é de tirar o fôlego. Impressiona como Noé nos leva ao longo de tanto tempo, sem nos darmos conta dos minutos que passam, porque nos sentimos tão envolvidos, tão próximos, como se aquela câmara, fossemos nós ali mesmo, a olhar para a realidade.



Noé faz neste filme aquilo que foi sonhado já muitas vezes por críticos de vanguarda como André Bazin ou Chris Marker, a propósito do poder do cinema, da sua capacidade para dar a ver, da sua força expressiva para ilustrar ideias, para comunicar por imagens. É toda uma nova linguagem que temos aqui, profundamente visual, expressiva e ao mesmo tempo tão narrativa. Noé, elevou o cinema a um novo patamar. Nunca antes a primeira-pessoa tinha sido utilizada desta forma tão capaz de comunicar connosco. Lady in the Lake falha, porque apesar de utilizar a primeira-pessoa, narrativamente fá-lo de um modo convencional. Noé, criou toda uma nova gramática para fazer uso desta perspectiva. Para suportar a subjectividade visual, usa a câmara colada ao pescoço do personagem, como nos videojogos, e usa incansavelmente o god mode. Para além disso, usa um artifício narrativo essencial, o protagonista é suportado por um co-protagonista, companheiro emocional, a irmã. Sem isto, seria difícil chegar ao âmago da emocionalidade do protagonista, e claro do filme. Porque tal como em Lady in the Lake, raramente vemos a cara do protagonista, e por isso dificilmente nos conseguimos projectar sobre ele, a empatia seria difícil, se não impossível sem a irmã. Basta pensar no acidente que aparece ao longo do filme várias vezes, para perceber a importância do papel da irmã.


Relativamente à história, Noé parece ser muito directo no que quer dizer, e nem sequer o esconde por detrás de simbolismos, como por exemplo podemos ver Leos Carax fazer. O filme introduz-nos de imediato ao que vem, apresentando-nos ao Livro Tibetano dos Mortos, e chega mesmo a fazer uma breve um introdução ao seu essencial por meio de um personagem. O filme abre-se, é narrativo apesar de todo o ultra-experimentalismo a que podemos assistir. Dificilmente poderíamos ter tido um objecto tão perfeito como este, capaz de segurar de um lado a essência do storytelling, com causa-efeito coerentes, e ao mesmo tempo tanto deslumbre técnico-visual, que poderia quase por si só sustentar todo o filme, como tantos ousaram no passado fazer.


Noé leva-nos através de uma viagem filosófica sobre a vida. Sustenta as suas teses na visão budista do corpo e mente, e dá-lhes corpo por meio de drogas alucinogénicas, as únicas capazes de abrir as nossas "portas da percepção" segundo Aldous Huxley (1954). Jim Morrison tinha-se encarregado de verter as portas da percepção para poemas e música. Agora Noé conseguiu materializar essa ideia em imagem, e mostrar finalmente de que são feitas essas portas, por meio do cinema.

julho 24, 2013

o colapso é possível...

Depois de nos ter apresentado a história das sociedades que prosperaram na Terra em Guns, Germs, and Steel (1997) (aqui analisado), Jared Diamond escreveu Collapse (2005) para apresentar as sociedades que definharam e se extinguiram. Diamond continua a trabalhar os mesmos factores ambientais para sustentar a sua narrativa, mas desta vez não o faz para explicar como fomos bem sucedidos, mas antes para lançar um alerta, sobre o que pode pôr um fim a muito daquilo que conseguimos desenvolver até aqui. Não é um livro fácil, porque nos coloca de frente a muito daquilo que por vezes queremos evitar pensar, mas necessário porque por enquanto temos apenas um planeta onde habitar.


Alguns dos exemplos trabalhados, são famosos e amplamente citados na história, como os povos da Ilha da Páscoa, da Gronelândia, ou os Maias. Já num âmbito moderno trabalha exemplos como o Rwanda e o Haiti e abre a discussão sobre os problemas da Austrália e China. A explicação geral para o desaparecimento dos povos é amplamente suportada por tudo aquilo que já nos tinha apresentado no seu anterior livro, e por uma lógica profundamente darwinista da vida na terra. Diamond sintetiza cinco pontos essenciais para os colapsos de sociedades: alterações climáticas; vizinhos hostis; desaparecimento de parceiros comerciais; problemas do ambiente; e a incapacidade de adaptação às alterações do ambiente.

Foi com grande perplexidade que fiquei a saber que uma das principais razões para o desaparecimento dos povos da ilha da Páscoa poderá ter estado no abate indiscriminado das poucas árvores que existiam na ilha. Utilizadas para construir casas, mas principalmente para ajudar na construção e transporte das célebres estátuas. O seu desaparecimento terá contribuído para alterações profundas do ecossistema da ilha, que tornariam a vida aí insustentável. O abate das árvores não é dado como causa única, mas uma das mais relevantes, e torna-se inevitável não pensar em tudo aquilo que temos vindo a fazer ao nosso planeta. Se podemos exterminar as nossas possibilidades de sobrevivência numa ilha, o que nos impede de fazer o mesmo num planeta?


Porque dos vários factores ambientais que contribuíram para o colapso dos diferentes povos, muitos parecem encontrar paralelo com aquilo que hoje enfrentamos, não apenas localizados, mas totalmente globalizados.
  • Desflorestação
  • Erosão dos solos
  • Problemas com água
  • Excesso de abate de carne
  • Excesso de abate de peixe
  • Sobrepopulação
Em termos de sobrevivência a sobrepopulação, é sempre o ponto último. É chocante ler como alguns povos no passado, antes da invenção dos sistemas anti-concepcionais, resistiram ao problema recorrendo não ao mero aborto, mas ao infanticídio como prática aceite pela comunidade. A demonstrar como o homem é uma espécie animal imbuída do mais profundo instinto de sobrevivência. Apesar de ainda assim ser incapaz de dominar a natureza, começando pela sua própria, em toda a sua extensão.


Ao ler tudo isto, fico a pensar que foram atingidos patamares de sobre-abundância alimentar na Europa, e que soubemos controlar o potencial caos que essa abundância poderia trazer com o esperado aumento da população, através do recurso à tecnologia química, controlando os ciclos menstruais das mulheres, ou impedindo a evolução dos fetos. Mas fica a faltar saber até que ponto este controlo racional, em nome do conforto, felicidade e facilidade das condições de vida, não poderá vir a determinar o colapso da nossa própria sociedade! Porque não basta conhecimento e avanço tecnológico, para isso basta ler sobre o colapso da civilização Maia, uma das mais avançadas que já passou por este planeta. Seria bom que pudéssemos aprender alguma coisa com os erros do passado, e este trabalho de Diamond é um excelente começo para ganhar consciência desses nossos erros.

julho 23, 2013

o racional sobre o emocional

Alguns filmes são demasiado bons para não falarmos deles, para não nos perdermos um pouco mais na interpretação do que se pôde ver, ouvir, e compreender. Tuesday After Christmas (2010) de Radu Muntean é um desses casos, sendo inevitável começar pelas palavras do próprio realizador,

“What happens with these kinds of movies is that everyone interprets them in relation to his own life, his own sensitivity… I was trying to maintain a certain equilibrium between the characters and avoid clichés that would simplify the situation.” Radu Muntean 
Duas afirmações que se espelham na perfeição nesta obra. A obra toca sentimentos tão íntimos que se torna impossível a cada espectador, não criar um juízo próprio sobre o que presencia na tela. Mais porque Muntean cumpre o segundo ponto, o de evitar por completo os clichés das relações amorosas e do fim das mesmas.

Podemos dizer que isto é pura literatura cinematográfica. Ver este filme é atravessar um momento vicário do mais puro que se pode sentir frente a um filme. Principalmente para quem vive uma relação a dois, estruturada, estabilizada, com casa, carros, filhos... Ver Tuesday After Christmas inevitavelmente nos cola à nossa vida, e nos questiona de forma lancinante: "E se fosse eu... e se fosse comigo...?" "O que faria...?" "Como reagiria...?"

O filme abre uma hipótese de resposta. O brilhantismo dessa resposta está no quão pouco expectável ela é, e ao mesmo tempo tão civilizada, tão moderna, tão racionalizada. E é isso que coloca o filme num tão elevado patamar artístico. Porque é algo que ainda não tinha sido explorado desta forma. A solução e conclusão, é algo que mexe connosco porque a nossa racionalidade segue o filme, acompanha e compreende, mas é a nossa emocionalidade que se choca, e luta.


Radu Muntean homenageia assim mais uma vez a qualidade do cinema romeno, que vem sendo reconhecido ao longo dos últimos 10 anos de uma forma estrondosa, com prémios da crítica, mas também uma boa aceitação do público. É um despertar da cultura de um país que viveu aprisionado demasiados tempo. Deixo uma síntese de Zeitchik para o LA Times, com a qual concordo plenamente,
"a remarkable, pitch-perfect work, as convincing and affecting a portrayal of the subtleties of modern life and marriage as you'll find on the screen… if cinematic genius is taking a story we think we've seen before and telling it an entirely fresh way, Muntean is ready for Mensa…It's simply absorbing, authentic storytelling…

julho 22, 2013

Medo e a Modernidade

Perdemos o medo de sobrevivência física, de quando vivíamos com outras espécies na floresta, mas ganhámos novos medos, como o da sobrevivência da nossa identidade aos avanços da tecnologia. Somos seres feitos de medo, é ele que mantém a chama da vida acesa.


Num artigo do New York Times compara-se o Facebook ao surgimento dos primeiros cafés em Londres no século XVII, e coloca-se a nu o facto dos medos de há quatro séculos, terem mudado muito pouco. Por sua vez Randall Munroe do XKCD fez uma tira de BD na qual cita uma série de comentários do final do século XIX e início do século XX, a partir de várias revistas científicas da altura, nas quais se podem identificar muitos dos “males” da sociedade do corrente século XXI. Em ambos os casos, o discurso pouco se alterou, a nossa biologia ainda menos, as tecnologias evoluíram mas os nossos medos permaneceram inalterados.
Anthony Wood, um académico de Oxford, dizia em 1677: "Why doth solid and serious learning decline, and few or none follow it now in the University? Answer: Because of Coffea Houses, where they spend all their time."
As distração que corrompe as massas, os males das escolas, os efeitos perniciosos da falta de leitura, a perda da decência, a perda das vivências em família, o jornalismo do sensacionalismo, a destruição do pensamento pelo aumento velocidade da comunicação... São apenas alguns dos assuntos, através dos quais podemos viajar no tempo, e compreender como apesar de termos progredido bastante, os nossos medos continuaram intactos, e a dar-nos razões para continuar a viver!

do correio ao e-mail


 
das escolas incapazes de motivar as crianças


da velocidade furiosa da informação


do jornalismo sensacionalista


os laços familiares, das revistas ao iPad


da decência e bons-costumes

julho 18, 2013

"Reality Is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change the World" (2011)

O propalado livro de Jane McGonigal, deixou-me estupefacto quanto à sua falta de compreensão sobre o mundo, a vida, e no fundo a realidade que a rodeia. Diz-nos em suma, que "a realidade está partida"!?Para alguém com um PhD esperava mais. Embora perceba que é um discurso profundamente americano, daqueles cheios de números, de milhões que impressionam, e arrastam plateias, que depois de espremidos, sabem a muito pouco, porque na verdade, pouco ou nada se aprofunda sobre tudo aquilo que se diz.


Não digo que tudo esteja errado, até porque muito do que ela diz é interessante, nomeadamente no caso aplicado do design de jogos, nos chamados processos de gamification, ou dos Alternate Reality Games (ARG). Embora mesmo aqui, grande parte do discurso se aplique mais ao domínio dos jogos do que dos videojogos, o que não teria mal nenhum, não estivesse ela a tentar dar a ideia de que o discurso se aplica de igual modo aos videojogos. Mas o meu problema com o seu discurso, está na essência do objectivo do título do livro. E é aí que o livro perde todo o interesse, porque McGonical não faz a mínima ideia do que fala. Porquê?

Simples. McGonigal tenta vender a ideia de que se aplicarmos o design de jogos à vida, à realidade, poderemos transformar o mundo. Isto porque segundo ela, o mundo está quebrado!!! Para McGonigal a vida deveria resumir-se a uma lista pronta de objectivos a atingir, com pontos conseguidos a cada conquista, e com um objectivo final perfeitamente definido, à nossa espera. Pois, infelizmente ou felizmente, nada disso é a vida, porque a vida não é um sistema regulado, linear, rígido, focado, estabilizado, pré-determinado, fechado, etc.

A realidade é orgânica, tal como o simples acto de viver. Não nascemos com um destino marcado à nascença, nem queremos que nos marquem na adolescência. Viver, é enfrentar a inconstância, a incerteza, a descontinuidade. O ser humano mais criativo, mais capaz é exatamente aquele que consegue aprender a lidar com a organicidade do ecossistema que habita.

O que McGonigal nos traz, não é nada mais do que aquilo que a revolução industrial nos trouxe, com as suas tentativas de regulação, por via da harmonização das diferenças. McGonigal apresenta a solução para consertar o mundo e a realidade, que segundo ela está partida. Através do design de jogos, quer delinear os caminhos, categorizar as atividades, motivar por objectivos, ajudar a cumprir o destino. Porque segundo ela, jogar é divertido, por isso se jogarmos a vida, vamos nos divertir imenso!!! Na sua ingenuidade, McGonigal não entende que com isso, não salvará ninguém, contribuirá apenas para aprisionar mais as pessoas. O que é o dinheiro, se não o maior sistema de gamificação das relações humanas alguma vez inventado? Precisamos de mais sistemas deste género?

McGonigal terá de perceber que não basta citar meia-dúzia de estudos de psicologia sobre a emoção para suportar algumas das banalidades que debita ao longo do livro. Não basta suportar alguns pontos do discurso com estudos, é necessário saber situar aquilo que se pretende afirmar com esse suporte, e McGonigal claramente não sabe. A leitura de Thinking, Fast and Slow (2011) de Daniel Kahneman teria ajudado bastante. É uma pena, porque existem vários assuntos tratados por ela, de forma muito interessante.

Em jeito de resposta, deixo o vídeo com as palavras de Ken Robinson, que coloca o dedo na ferida, do modo como vemos a sociedade humana, e o modo como ela realmente funciona: “a educação... a vida humana, e as comunidades humanas... não são mecanismos, mas antes são mais como organismos... o nosso sucesso é sinergético com o nosso ambiente”. Ou seja, o que precisamos, é de construir modelos para a diversidade, não para a conformidade, porque só assim cada um se poderá encontrar a si mesmo, se definir enquanto ser humano, e realizar-se plenamente.

How to Find your Element (2013) palavras de Ken Robinson, ilustração de Molly Crabapple

julho 17, 2013

a força da repetição

The Turin Horse (2011) é sufocante, do princípio ao fim, ficamos colados ao ecrã. A repetição das ações, a repetição dos movimentos de câmara, a repetição do tema musical, tudo nos sufoca, e no entanto não conseguimos desligar. O Cavalo de Turim é uma espécie de cavalo de Tróia que se introduz em nós, nos corrompe, transformando o nosso mundo ao longo de duas horas e meia.

Em Turim, em 1889, Nietzsche protege um cavalo que é brutalmente espancado. Depois desse episódio, perderá a razão. No campo, um camponês, a filha e o velho cavalo. Lá fora, uma tempestade.
O filme abre com uma referência a um episódio do final da vida de Friedrich Nietzsche, não tanto pela importância do episódio, mas por tudo aquilo que o filósofo traz à conotação de tudo aquilo que vamos testemunhar a seguir. “Deus está morto”, e o homem que é agora um “super-homem”, é aqui trazido de novo à sua condição de mero mortal, subjugado, limitado às imposições das forças da natureza.

É difícil explicar porque se sente o filme tanto. Quando um filme, ou qualquer obra de arte, atinge esta capacidade de nos tocar, torna-se muito difícil colocar em palavras, explicar o que temos perante nós. É um filme que age sobre nós, de uma forma muito peculiar, e por isso mesmo, tocará alguns e afastará muitos outros. É uma obra muito pessoal de Bela Tarr, já que nos é apresentada por si, como sendo o seu último filme.

Tarr parece não ter mais nada para dizer no cinema, por isso leva-nos através desta viagem insólita, na companhia de um pai, uma filha, e um cavalo, rumo à escuridão, ao final de tudo. Muitos questionam-se porquê? Eu por outro lado, questiono-me porque autores de referência como Manoel de Oliveira, ou Woody Allen continuam a fazer filmes. Como podem ter algo de novo a dizer todos os anos. A verdade, é que não têm, e a sua atividade, há muito que deixou de ser em nome de expressar um sentir pessoal, para passar a ser em nome das máquinas de produção que os rodeiam.


The Turin Horse é um objecto admirável em termos técnicos no campo da cinematografia, tanto na imagem a preto e branco, com contrastes muito puros, como nos enquadramentos notáveis, e mais ainda pelos longuíssimos planos sequência que enquadram a ação, e enquadram o sentimento de cada cena, de cada momento, conduzindo o nosso olhar, restringindo-o e focando-o. Hipnotizante.

julho 16, 2013

Mapeamento das Ciências dos Videojogos

Entre Outubro de 2012 e Junho de 2013, numa colaboração entre os grupos da DiGRA, do ECREA Digital Games, e do ICA SIG foi realizado um inquérito aos investigadores de videojogos, no sentido de apurar a origem, a área e algumas percepções sobre o domínio. Desse estudo foram agora publicados alguns dados preliminares. O estudo foi distribuído a todos os membros das organizações (GamesNetwork: 1500 membros, ICA SIG: 200 membros, ECREA TWG: 180 membros). Das 792 respostas recebidas, foram validadas para análise, 544.


O dado mais relevante revelado foi o da área de background dos investigadores das Ciências dos Videojogos. Se dúvidas houvesse ainda quanto ao modo como a Academia encara o mundo dos Videojogos, aqui ficam totalmente esclarecidas. As Ciências da Comunicação (que englobam os media studies e communication studies) são responsáveis por 30% dos investigadores interessados em estudar os videojogos. Logo a seguir temos a Psicologia e a Educação e claro o Design. Até aqui tudo bem, o que me surpreendeu foi o interesse diminuto pelo campo, da parte das Artes e Informática. Talvez não seja diminuto, mas apenas menos representado que outras áreas. Por outro lado não posso deixar de dizer aqui que isto se aproxima de algumas percepções que tenho do campo.

Em Portugal a área é dominada pela Informática e pela Comunicação. Mas enquanto a informática apresenta um interesse estabilizado, a Comunicação não tem parado de crescer, assim como a Educação e Psicologia. Isto faz sentido, porque em termos de investigação informática, muitas das grandes questões por detrás dos videojogos, vão começando a ficar consolidadas, limitando as áreas de intervenção. Já no campo da comunicação, é todo um mundo que existe ainda por desbravar. Já o caso das artes, julgo que passa pelo eterno problema da dificuldade de aceitação da tecnologia, do novo, e por isso provavelmente veremos esse interesse aumentar nos próximos anos. Ainda assim, parece-me que nos próximos anos este mapa de áreas, irá manter-se, com uma tendência crescente para a Comunicação e Design.


Dos restantes dados divulgados, o mais consensual, e que reflete claramente o caráter da indústria, é a diferença de interesse pelo tema entre género. Sendo que 64,3% dos investigadores são homens, e apenas 35.7% são mulheres. Trabalhei algumas ideias sobre isto no livro Emoções Interactivas, (2009:287), e num texto na Eurogamer.

julho 15, 2013

assinatura biológica da emoção

Foram pela primeira vez identificados padrões neuronais que identificam emoções discretas. Até agora não tinha ainda sido possível identificar, com nenhum método, emoções discretas. A razão para isso é que temos conseguido medir a atividade, mas continuamos a não conseguir identificar a valência que a pessoa atribui à atividade visceral. Por isso muita da investigação que se faz na área continua dependente de auto-relatos dos sujeitos. A repetirem-se estas leituras, poderemos estar próximos de novos caminhos possíveis de investigação em muitas áreas.


O trabalho foi conduzido por Karim Kassan na Carnegie Melon e foi publicado no artigo, Identifying Emotions on the Basis of Neural Activation (2013) está disponível no PLOS One sob Creative Commons.

julho 12, 2013

Para onde vai a inteligência artificial?

O que é a inteligência artificial? Neste novo episódio da OffBook ficam algumas respostas a esta, e a muitas outras questões sobre a evolução da IA.


O mais importante sobre o que é a IA, e o que será futuro desta, aparece logo ao início quando Yann LeCann diz que depois de muitas décadas a investir na criação de árvores de regras ("If... Then... Else..."), compreendemos que a IA não poderia nunca ser um mero pacote, ainda que gigantesco, de dados inseridos dentro de um sistema. Em termos comparativos, o nosso cérebro não nasce carregado de informação, antes se constrói no tempo. Daí que se tenha chegado à conclusão de que,
"learning is probably the most essential caracteristic of intelligence"
Esta não é apenas uma conclusão central para a IA, mas sobre nós mesmos, sobre o que consideramos ser a Inteligência. No fundo o essencial da nossa inteligência, define-se pela capacidade, ou facilidade, com que apreendemos o exterior. Porque somos aquilo que construímos no tempo, aquilo que absorvemos aos poucos, aquilo que nos ajuda a compreender o lugar que habitamos.

Aliás, isto vem de encontro a tudo aquilo que se vem discutindo a propósito do conhecimento e da informação online. Porque na realidade, a informação até pode estar à nossa disposição, mas isso não nos torna, de todo mais inteligentes. A inteligência e o conhecimento, são processos que se constroem, e reconstroem continuamente, com esforço e tempo.

Por outro lado Gary Marcus, refere uma conclusão ainda mais interessante a propósito da IA, e que assenta na ideia de que esta evoluirá cada vez mais, sem ter em conta o aspecto humano. Na verdade já tínhamos assistido a isto mesmo no filme de Kubrick, com o Hal 9000. Mas a conclusão final de Marcus, é que não só o aspecto será menos humano, como a IA acabará por evoluir para um novo tipo de inteligência completamente diferente de nós. Aqui, não consegui deixar de pensar nos discursos a propósito da vida alienígena, as mais que prováveis diferentes formas e lógicas de pensamento.

julho 11, 2013

Shots Of Awe #07 - "Love, Loss and Symbolic Death"

O amor, e a sua perda. Do ser completo, da plenitude, do preenchimento à obsessão estética.

"Love is the 'italization' of experience".

"Quando perdemos o amor, quando acabamos com alguém com quem nos preocupámos… em que sentimos a promessa de ser para sempre, a promessa de eternidade… como pode ser assim… como pode inexistir… para onde foi… para onde foi…"

Shots Of Awe #07 - Love, Loss and Symbolic Death

Aceder a todos os episódios anteriores da série.

viagem espacial interstelar

Belíssima viagem, ao futuro próximo das viagens interestelares com Project Kronos (2013) de Hasraf HaZ Dulull. Existe um problema na realização de missões longas que está relacionado com a nossa biologia. Nesse sentido o Project Kronos é uma espécie de tentativa de dar a volta ao problema, mantendo o ser humano no centro.


O filme, funciona como um documentário, ainda que saibamos que é falso pois situa-se em 2035, mas está bem conseguido, porque nos leva a levantar as barreiras da descrença, e por momentos a acreditar no que estamos a ver. Ou pelo menos, a equacionar, a possibilidade daquilo que nos está a ser apresentado, vir um dia a ser possível.

Genevieve Okupniak do Short of the Week criticou a ausência dos três actos no storytelling, mas discordo completamente. É verdade que inicialmente nos sentimos um pouco perdidos, mas é aí que reside a magia do storytelling. A forma como foi desenhado o enredo, ficamos totalmente a mercê do que nos vai sendo revelado, e à medida que se aproxima do final, só queremos saber mais, e mais, e mais. Ou seja, objectivo narrativo, totalmente atingido.

Project Kronos (2013) de Hasraf HaZ Dulull

Se tiverem interesse, em indagar mais sobre o conteúdo do filme, deixo o link para um texto de Greg Fish do weird things, que discute os muitos "se's" do filme.

julho 10, 2013

videojogos e a Apple

Muito interessante a entrevista, How Steve Wozniak’s Breakout Defined Apple’s Future da Game Informer. Ficamos compreender como é que a Apple seguiu um caminho distinto dos restantes desenvolvedores de computadores em termos de ligação ao mundo do audiovisual. Wozniak revela nesta entrevista que quando desenhou o Apple II, o fez de modo a este poder correr jogos numa televisão, e com cores.


Questiono-me se não estará aqui razão pela qual a Apple se aproximou tanto das questões relacionadas com a imagem, com a cor, com o audio, no fundo com tudo aquilo que veio a definir a Apple como a marca de computadores para designers e artistas. Fica um excerto abaixo, depois leiam a entrevista, e vejam o vídeo da mesma na Game Informer.
There was a [color] TV set on the factory floor. They only used black and white TVs for their games, and this TV set wasn’t playing a game, but it had a dot going from left to right and right to left. As it moved, it was changing colors. I’m just sitting there thinking: color. It was hypnotizing, like a psychedelic light show at a concert. An idea popped in my head: a little way to put out a digital signal with ones and zeroes...my god, I have 16 different colors. There had never been a book that talked about color digitally. It wasn’t allowed. It wasn’t done. But I designed every single thing in the Apple II [to make] it possible. One little $1 chip could generate color instead of a $1,000 color-generation board – right out of the computer memory to the display. [That] was another trick I thought of that had never been done.This stuff had never, ever been thought of for a home computer that was affordable. But I just determined that my computer had to be a game machine. I called my BASIC [a programming language – Ed.] “Game BASIC.” You could go back on every note I ever wrote; I called it Game BASIC. My whole idea was, if you write a language that can play games, it can do all the things computers do, like financial stuff. I don’t know what companies use computers for; I only know what I like to use them for, and it’s games.
I knew that I had a machine with a microprocessor that could do a million things a second, move those bits around on the screen and make things move and play games and all. I thought, “I wonder, with my slow BASIC, can I write a game that’s playable?” Breakout. I’d done Breakout for Atari. I knew Breakout.
I built paddle hardware into the Apple II deliberately for the game of Breakout. I wanted everything in there. I put in a speaker with sound so I could have beeps like games need. So, a lot of the Apple II was designed to be a game machine as well as a computer. That is the way to get it to people, to get people to start buying these machines.
I called Steve Jobs over to my apartment, and we sat down on the floor next to the cables snaking into my TV that had the back off of it so I could get wires inside, and I showed him how I could change the colors of things, change the shape of the paddle, and change the speed of the ball with an easy BASIC command. He and I looked at each other – we were both kind of shaking, because we knew that the world of games was never going to be the same. Now [games] were software. Until then, there weren’t software games in the arcades. Now that animated games were going be software – oh my god. And [the fact] that a fifth grader could program in BASIC and make games like Breakout? This was going to be a new world; we saw it right then.

julho 09, 2013

o génio criativo

Depois de ter aqui falado de emergência, trago uma TED que vai no sentido oposto, que procura a razão do sentir, não na biologia, nem na ciência, mas no esotérico, num quasi-paranormal. Admito que a meio da conferência quase desisti e desliguei, mas mantive até ao final. Acabou por ser uma palestra muito interessante, com alguns dados bastante curiosos sobre a nossa cultura (ex. Olé, vem de Ala), mas essencialmente porque nos apresenta uma perspectiva da criatividade, nada académica, mas a partir do interior do sentir de uma artista. Elizabeth Gilbert escreveu o bestseller "Eat, Pray, Love".


Na verdade, o que me entusiasmou nesta TED foi a análise que fiz do que Gilbert descreveu, como o génio. Uma personagem imaginária, externa a nós, que nos serve quando estamos inspirados e conseguimos fazer algo brilhante. O lado funcional, é que nos torna humildes, quando criamos algo genial, não fomos nós, mas o nosso génio. Por outro lado é excelente em termos terapêuticos porque quando o trabalho é menos bom, podemos dizer que não é só culpa nossa, mas do génio que não fez o seu trabalho.
"Na Grécia e Roma antigas - as pessoas não acreditavam que a criatividade vinha dos seres humanos. As pessoas acreditavam que a criatividade era um espírito divino criador que vinha para os seres humanos de uma fonte distante e desconhecida, por razões distantes e desconhecidas. Os gregos chamavam a estes espíritos divinos e assistentes da criatividade, "demónios". Sócrates acreditava que tinha um "demónio" que lhe transmitia sabedoria, a partir de longe.
Os romanos tinham a mesma ideia, mas chamavam a este tipo de espírito criativo desencarnado, génio. O que é fantástico porque os romanos na realidade não pensavam que um génio era um indivíduo particularmente esperto. Eles acreditavam que um génio era uma espécie de entidade mágica divina, que vivia literalmente nas paredes do estúdio do artista, que saía, e invisivelmente assistia o artista no seu trabalho e moldava o resultado desse trabalho.
E depois veio o Renascimento e tudo mudou, tivemos esta grande ideia, de colocar o ser humano, como indivíduo, no centro do universo, acima de todos os deuses e mistérios, não havendo mais espaço para criaturas místicas que ditavam a vontade divina. Este foi o início do humanismo racional, as pessoas começaram a acreditar que a criatividade vinha completamente do próprio indivíduo. E pela primeira vez na história, começámos a ouvir as pessoas referirem-se a este, ou aquele artista, como sendo um génio, em vez de "ter" um génio."
Pensei que a uma determinada altura Gilbert procurasse teorizar o assunto, mas esqueci-me que ela é uma criativa, não uma académica. Nesse sentido,  enquanto ela explicava a ideia de um pensamento, uma inspiração que se aproxima de nós, e que tudo tentamos fazer para agarrar, e assim criar algo único, algo surpreendente, que nos transcende, eu só pensava que isto que ela descrevia, só podia ser o momento em que o nosso cérebro está a juntar os vários pedaços de ideias dispersas no nosso cérebro. O momento em que o processo de remix se inicia, e começamos a atribuir estrutura, e a nossa consciência tenta desesperadamente dar-lhe um significando, um padrão, uma representação.
"[Tom Waits] contou-me um dia ia a conduzir na auto-estrada em Los Angeles, e foi quando tudo mudou para ele. Ele ia acelerando e, de repente, ele ouve um pequeno fragmento de melodia, que entra na sua cabeça como inspiração, que vem elusivo e tentador, e ele quere-o, sabem, é lindo, e ele procura-o mas não tem maneira de o conseguir. Não tem um papel, não tem um lápis, não tem um gravador."

julho 08, 2013

o poder da música clássica

Provavelmente já viram esta TED, The transformative power of classical music, mas eu só agora tive esse prazer, e que prazer. Benjamim Zander é um comunicador brilhante, a forma como usa toda a sua linguagem corporal conjuntamente com um perfeito sentido rítmico de storytelling, torna a sua palestra um momento inesquecível. Preparem-se para umas boas gargalhadas!


Mas como acontece sempre nas TED, não é apenas a forma, mas é o que aprendemos com estas pessoas. Zander começa por explicar como funciona a evolução do processo de aprendizagem da música. Deste modo tendo cá em casa uma pequena que vai no seu segundo ano de música, foi muito interessante compreender o que acontece.
Na realidade, o que aconteceu foi que os impulsos foram reduzidos. Vejam, na primeira vez, a criança toca com um impulso em cada nota. Depois, com um impulso a cada duas notas. A criança de 9 anos coloca um impulso a cada 4 notas. E a de 10 anos, um impulso a cada 8 notas. A de 11 anos, um impulso na frase inteira.
Depois disto, Zander discute o modo como o storytelling se constrói através de frases musicais. Em palco e juntamente com o público, vai tocando e construindo ideias, e nós vamos construindo sentidos na nossa cabeça, para aquilo que vamos ouvindo. Zander leva-nos através da música, e nós ficamos ali completamente agarrados. O melhor fica guardado para o final, quando a música de Chopin sobe ao ponto mais elevado da musicalidade e interpretação narrativa, Zander coloca toda a sala num profundo silêncio. Fica ainda a definição de sucesso de Zander, algo que vale a pena reflectirmos, e pensar todos os dias que acordamos, qual é a nossa função, qual é o nosso objectivo,
Sabem, eu tenho uma definição de sucesso. Para mim, é muito simples. Não está relacionada com riqueza, fama ou poder. Está relacionado com a quantidade de olhos brilhantes que eu tenho à minha volta.

julho 05, 2013

Shots Of Awe #06 - Life Emergence

O processo através do qual a vida emerge é algo que continuamos a admirar, que continua a surpreender-nos, sem termos ainda a menor noção sobre como acontece. A centelha que acende, que nos torna conscientes, que nos torna ligados, que nos torna "nós".



Este é o sexto episódio da série web de Jason Silva, Shots of Awe, e é dedicado ao conceito de emergência.

Shots Of Awe #06 - Life Emergence

julho 04, 2013

a empatia e a moral estão inscritas na nossa biologia

Ainda não foi há muito que aqui falei dos estudos de Paul Bloom sobre o lado negro da moral. Hoje trago a TED de Paul Zak, Confiança, Moralidade e Oxitocina, sobre o seu trabalho em redor da chamada "molécula da moral". Em ambos os casos, verifica-se que a selecção natural, dentro da espécie humana, nos tem conduzido a uma optimização biológica que tem como objectivo máximo a criação de seres profundamente sociais. A espécie tem progredido em função da sua capacidade para gerar laços, comunidade, colaboração, interdependência, entreajuda, e tudo aquilo que congrega, e une cada ser humano ao outro. Então porque raio teimamos no isolamento?


A base do nosso sistema moral, aqui defendido por Zak, assenta em duas moléculas, a Oxitocina e a Testosterona. Sendo a a Oxitocina responsável por gerar Empatia, enquanto a a Testosterna é responsável por gerar o seu contrário.
"Mostrámos que a infusão de oxitocina aumenta a generosidade em transferências monetárias unilaterais em 80 por cento. Mostrámos que aumenta os donativos para a caridade em 50 por cento. Também investigámos formas não farmacológicas de aumentar a oxitocina. Que incluem massagens, dança e orações… sempre que aumentámos a oxitocina, as pessoas abriram as suas carteiras voluntariamente e partilharam dinheiro com estranhos.
Mas porque é que fazem isso? O que é que sentem quando o cérebro é inundado de oxitocina? Para investigar esta questão, fizemos uma experiência em que as pessoas viam um vídeo de um pai e do seu filho de quatro anos, e o seu filho tem cancro terminal no cérebro. Depois de verem o vídeo, eles avaliaram as suas emoções e deram amostras de sangue antes e depois para medir a oxitocina. A mudança na oxitocina previu as suas emoções de empatia. Por isso é a empatia que nos liga às outras pessoas. É a empatia que nos faz ajudar as outras pessoas. É a empatia que nos faz morais."
Já sabíamos que aquilo que gera um psicopata é a sua incapacidade para sentir Empatia. Agora ficamos a saber que aquilo que gera um psicopata, é a sua incapacidade biológica para gerar Oxitocina.
"Descobrimos, testando milhares de indivíduos, que cinco por cento da população não liberta oxitocina quando estimulada. Se houver dinheiro na mesa, eles ficam com ele todo… Têm muitos dos atributos que têm os psicopatas."
Outra grande questão é que a Oxitocina pode ser inibida. Ou seja, não se trata de nascer apenas com um problema genético. A falta de carinho, a violência e o abuso destroem a capacidade de gerar oxitocina. Aliás, não é por acaso que uma grande parte dos psicopatas são pessoas que sofreram abusos de alguma forma.
"Há outras formas de o sistema ser inibido. Uma é através de cuidados afectivos inadequados. Estudámos mulheres abusadas sexualmente, e cerca de metade não libertam oxitocina quando estimuladas. Precisamos de cuidados afectivos suficientes para este sistema se desenvolver devidamente. Além disso, o stress elevado inibe a oxitocina." 
Finalmente o mais interessante sobre a molécula oposta, a testosterona, é que o Homem possui 10 vezes mais que a mulher, assim como a mulher possui 10 vez mais oxitocina. Ora, será preciso alguma coisa mais para se perceber, de uma vez por todas, que a forma como um Homem e uma Mulher reagem emocionalmente, e logo racionalmente, são diferentes? Depois disto ainda haverá alguém que se sinta capaz de evocar a Cultura, e a formatação da sociedade, para dizer que estes são os responsáveis pelas diferenças que existem entre género? É claro que existem variações, existem mulheres com níveis maiores de testosterona, e homens com níveis maiores de Oxitocina. Mas a realidade é que estamos perante diferenças do foro biológico, que condicionam fortemente aquilo que somos.

"Há outra forma de a oxitocina ser inibida, que é interessante através da acção da testosterona. Em experiências, administrámos testosterona a homens. E em vez de partilharem dinheiro, eles tornaram-se egoístas… Agora pensem nisto. Significa que, dentro na nossa biologia, temos o yin e o yang da moralidade. Temos a oxitocina que nos liga aos outros, que nos faz sentir o que eles sentem. E temos a testosterona. E os homens têm 10 vezes mais testosterona que as mulheres, por isso os homens fazem isto mais que as mulheres, temos testosterona que nos faz querer punir as pessoas que se comportam imoralmente. Não precisamos de Deus ou do governo para nos dizer o que fazer. Está tudo dentro de nós."
Para fechar quero apenas deixar a receita que Zak deixa, a quem quiser ser mesmo feliz nesta vida, e que consiste num acto diário simples, mas poderoso, Zak recomenda "oito abraços por dia."


É inevitável não pensar em todas aquelas campanhas que vamos vendo um pouco pelas cidades mais cosmopolitas, em que as pessoas vivem cada vez mais isoladas, de oferta de abraços grátis. É uma realidade que estes nos comovem, nos fazem sentir, mesmo quando não conhecemos o outro, porque o abraço é um elemento físico de toque, fundamental no estabelecimento de empatia.

TED Talk de Paul Zak, "Trust, morality and oxytocin" (2011)

Se preferirem ver a palestra com legendas em português, vejam directamente no site TED.

julho 03, 2013

o que nos espera...

Mais um belíssimo trabalho que nos chega da Bezalel Academy of Art and Design, Israel. O filme Happily Ever After (2013) foi criado pelos graduados Yonni Aroussi e Ben Genislaw que investiram mais dois anos depois de acabar o curso, para chegar a este trabalho final que já foi selecionado para vários festivais internacionais de animação.



Desta vez, e ao contrário dos trabalhos anteriores desta reconhecida escola, não foi a forma que me impressionou, antes o conteúdo e o storytelling. Em seis minutos, temos um jovem adulto que se prepara para ir morar com a sua companheira, e vemos passar-lhe toda uma vida futura à frente dos seus olhos. São várias as metáforas utilizadas, é verdade que praticamente todas elas negativas, mas isso faz parte do storytelling. Dessas a mais interessante é sem dúvida a do tapete rolante, em que o casal faz pela vida face aos várias dificuldades que vão surgindo, uma clara homenagem aos videojogos. Para alguns de nós, algumas das etapas metaforizadas soam a um passado muito familiar, evocando uma fácil identificação e despertando um sorriso, outras fazem-nos reflectir sobre aquilo que ainda nos aguarda.

No campo da animação, temos um trabalho extremamente cuidado, com excelentes texturas e cor, assim como cómicas caracterizações dos personagens.

Happily Ever After (2013) de Yonni Aroussi e Ben Genislaw 

julho 01, 2013

Filmes de Junho 2013

Aproveitei para ver alguns filmes que já andava para ver há algum tempo, como Carlos que me surpreendeu, não pela história do personagem, mas pela análise da política internacional que é feita, muito interessante. Por outro lado Lake of Fire leva-nos a viajar por entre argumentos pró e contra a interrupção da gravidez, sem escolher um lado, impressiona, sem respostas. Entretanto o último Pixar é interessante, as crianças adoraram, mas apesar de lhe admirar a qualidade técnica, não me trouxe nada de novo. Já Side Effects, o último de Soderbergh incomodou-me, porque depois de uma primeira parte absolutamente brilhante em termos narrativos, esfuma-se num cliché primário. Robot & Frank foi interessante pelo futuro que nos mostra, e as questões que levanta, não indo ao fundo de nada, levanta apenas a ponta do véu. The Place Beyond the Pines é maravilhoso, no sentido em que ataca questões fundamentais da sociedade, nascer num berço de ouro e o seu contrário, demonstrado por uma história que atravessa três gerações, um épico de storytelling.

xxxx The Place Beyond the Pines 2013 Derek Cianfrance USA

xxxx Carlos 2010 Olivier Assayas France

xxxx The Edge of Heaven 2007 Fatih Akin Germany/Turkey

xxxx Lake of Fire 2006 Tony Kaye USA


xxx Monsters University 2013 Dan Scanlon USA

xxx Side Effects 2013 Steven Soderbergh USA

xxx The Host 2013 Andrew Niccol USA

xxx Intouchables 2011 Olivier Nakache, Eric Toledano France

xxx The Company You Keep 2012 Robert Redford USA

xxx Robot & Frank 2012 Jake Schreier USA

xxx Spring Summer Fall Winter and Spring 2003 Ki-duk Kim South Korea


xx Sushi Girl 2012 Kern Saxton USA

xx Extremely Loud and Incredibly Close 2011 Stephen Daldry USA