Que desilusão o último livro de Daniel Pink, To Sell Is Human: The Surprising Truth About Moving Others (2013). Depois de ter lido dois livros anteriores e dos quais posso dizer que gostei, este acabou por me levar a questionar tudo o que tinha lido antes. Essencialmente porque neste livro acabei por encontrar o padrão de escrita de Daniel Pink, e posso dizer que não gostei. Apresenta o velho problema de quem escreve para as massas, e precisa de lançar novos livros periodicamente sem ter propriamente nada de novo para dizer. Uma prática que obriga a que se recorra a terrenos que não se domina, na maior parte das vezes apenas para voltar a repetir o mesmo que já se disse antes, agora num abordagem refrescada.
A base deste tipo de escrita é sempre a mesma, a partir de uma qualquer ideia escrita para um texto numa qualquer revista, surgida de um relampejo da intuição, procura-se estender a ideia para preencher um livro. Arranjam-se umas fontes de suporte de vários factos, mesmo que tenham pouco ou nada que ver com a ideia central, desde que garantam uma certa credibilidade ao que se quer dizer. Sente-se literalmente que os livros se prolongam, nos massacram com exemplos, metáforas, estudos, tudo em função de garantir que aquela ideia de base passa como verdade inabalável.
E assim olhando agora em retrospectiva, vejo que a escrita de Pink assenta no extremar de ideias, em levá-las ao limite testando-as de todos os pontos de vista possíveis. Em A Whole New Mind: Why Right-Brainers Will Rule the Future (2005) pega na ideia das mudanças na sociedade, a importância da inovação, e eleva a arte e o design a patamares interessantes de um ponto de vista especulativo, mas pouco credíveis quando analisado realisticamente. O mesmo vai acontecer em Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us (2009), quando procura edificar toda a lógica societal sobre os princípios da motivação humana, o que é deveras interessante, embora saibamos que conhecer como funciona a nossa psicologia não produz automaticamente mudanças de comportamento, menos ainda em sociedades inteiras. Neste último livro Pink faz o mesmo, mas vai mais longe e claramente num domínio que domina mal, ou que eu domino melhor que os anteriores, e acaba por meter a pata na poça fundo demais.
Em To Sell Is Human Pink desenvolve uma argumentação sustentada por uma simples ideia, a de que tudo aquilo que fazemos na vida, seja em que profissão for, assenta nos princípios de vendas. Como diz o título, vender é humano, logo ser-se humano, é ser-se vendedor. O maior problema desta lógica, é que Pink usurpa uma enorme quantidade de conceitos que definem aquilo que somos e aquilo fazemos, e cola-lhes um novos rótulo, o das vendas. Assim para Pink um professor e um médico, não são mais do que simples vendedores. A sua ideia assenta no princípio, presente no título, de que vender é essencialmente fazer mover os outros. Ou seja, convencê-los a fazer algo, a mudar algo, a transformar-se. Ora isto é simplesmente rídiculo.
Se existe algo que possa de algum modo englobar todas estas características, esse conceito é o da Comunicação, e não o das Vendas. O acto de comunicar é um acto cíclico de diálogo, que pretende isso mesmo, fazer mover os outros. Não tem nada que ver com vender, com preencher necessidades, com fazer o outro sentir-se melhor. Comunicar tem objectivos altamente difusos, não passíveis de quantificação, nem sequer de se fechar sob um desígnio ou foco, que é aquilo que Pink procura aqui fazer. Delimitar toda a atividade humana à simples ideia de vender, ou seja, realizar uma acção em retorno de algo. Isto ofende-me enquanto professor e investigador, e não consigo deixar de pensar o quão ridículo é imaginar Sócrates, Platão ou Aristóteles como "vendedores".
Aliás, o que me preocupa é que será isto mesmo que muitas das pessoas que têm funções de relevo em instituições internacionais acreditam. Para muitas destas instituições - FMIs, OCDEs, etc - na verdade, um professor não passa de um vendedor, alguém que é pago para obter um determinado índice de notas numa turma, ou o médico que é pago para realizar o menor gasto possível num hospital. São empregados a soldo, não passam de mediadores responsáveis por manter as transacções ativas.
Posso apenas dizer que este será provavelmente o último livro que leio de Pink.
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