maio 02, 2013

Tomb Raider, problemas da usabilidade nos videojogos

É bom, mas é só isso mesmo. Em termos de jogabilidade e estrutura narrativa consegue manter-nos conectados ao longo da extensa missão (~20h), já a história deixa imenso a desejar. Toda a experiência é bastante fluída e quase sempre em alta rotação, nunca se sente a monotonia, assim como poucas vezes se sente a frustração, na verdade existe pouco espaço para a contemplação, mas esse também não é o propósito de uma aventura.


Em relação ao tema, percebo agora porque o jogo foi catalogado para maiores de 18, só não percebo a necessidade deste tema. A história centra-se nas origens de Lara Croft, procura explicar como é que ela se transformou numa guerreira salteadora de túmulos arqueológicos. Saltar daqui para a necessidade de termos gigantescas extensões carregadas de esqueletos e corpos ensanguentados espalhados pelo chão, não vejo a ligação. Claro que se pode dizer que isso a ajudou a tornar-se mais imune à violência, mas é um exagero visual, um dos maiores festins de gore a que já assisti. Chegando ao final, fico na dúvida se estive a jogar Tomb Raider ou Silent Hill. Era desnecessário, e o jogo teria tido muito mais a ganhar se se tivesse mantido na faixa dos 12 anos. Trabalhar um icon como Lara Croft e vedá-lo a uma imensidade de jogadores não me parece que faça o menor sentido. Os criadores podem ter pensado que o seu target tem agora mais de 30 anos, o que é verdade, mas Tomb Raider não devia ser apenas mais um jogo que segue as tendências, devia antes marcar as tendências.



No campo da estrutura o jogo assemelha-se bastante a Uncharted 3 (2011), e pouco a Uncharted 2 (2009). A narrativa é clara, tal como na série Uncharted, são utilizadas cutscenes para fazer passar os nós centrais da narrativa, e as lutas são mais dirigidas ao foco narrativo do que muitos outros jogos. No entanto ao contrário de Uncharted 2, existem poucos momentos inesquecíveis, seja de jogabilidade, dificuldade, beleza visual ou evolução da história. Por outro lado tal como em Uncharted 3, existe um excesso de repetição de lutas. Estas sim vão progredindo em dificuldade, mas uma dificuldade caótica, pouco estruturada e pouco dada à melhoria das competências do jogador. Sentimos que se melhora apenas a IA dos guerreiros e que somos jogados no meio da arena, numa tentativa de bloquear o avanço e assim fazer render mais tempo a jogabilidade. Apesar de contar com uma componente de RPG em que podemos ir melhorando as competências de Lara Croft em três frentes distintas, na verdade depois não sentimos o verdadeiro reflexo destas melhorias na nossa interacção com o jogo. Percebemos que a Lara vai ficando mais forte, mais ágil, mais competente, mas não nós enquanto jogadores.



Em relação à navegabilidade espacial a equipa de Darrell Gallagher conseguiu criar um jogo extremamente fluído, são raras as vezes em que nos sentimos bloqueados. Se por um lado gostei, por outro lado senti algum desconforto. Não por não ficar bloqueado, mas porque percebi porque não aconteciam esses bloqueios. O jogo está completamente inundado de marcas visuais que nos guiam durante toda a navegação*. Ao ponto do sistema implementado de ajuda, denominado de "Survival Skills", se tornar quase dispensável durante a maior parte do jogo. O que podemos ver aqui é um apuradíssimo trabalho de estudos de usabilidade, e foi exatamente por isso que me senti incomodado. Senti que estava a jogar um produto, e não um artefacto. Senti que estava a jogar uma experiência que já não era fruto da visão autêntica de um criador, mas que era o que tinha restado depois de centenas de testers terem passado a pente-fino toda a interatividade de navegação. Em termos metafóricos, é como comer um gelado industrial tão límpido e perfeito, que sabe igual, em qualquer lugar, e para qualquer pessoa, ao contrário do gelado artesanal que contém ainda vestígios da polpa de morango, diferente de copo para copo. As experiências constroem-se no tempo, e precisam de individualização para se tornarem memoráveis, de outro modo, estamos apenas a repetir doses do que já conhecemos, até que elas simplesmente deixem de nos emocionar.

*Marcas brancas que indicam que se deve subir ali

Este é o problema da aplicação da usabilidade nos videojogos. Os videojogos, podem até enquadrar-se no mundo do software, mas não podem ser vistos como mais uma aplicação, um produto. Os videojogos são obras artísticas, que comunicam uma ideia pessoal, uma forma de ver o mundo. O testing é importante para garantir a ausência de bugs, mas passar daí para a limpeza das mecânicas da jogabilidade, procurar aperfeiçoar a interacção de um jogo por via do testing, é destruir o que faz deste um videojogo, o que os torna autênticos e únicos.

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