fevereiro 19, 2023

A Psicologia do Dinheiro

O tema central do livro "The Psychology of Money" (2020) é bastante importante, diria mesmo central para todos aqueles que trabalham, já que se trabalha essencialmente para ganhar dinheiro. Nesse sentido, é importante tentar perceber como nos relacionamos com o dinheiro. Apesar disso, e do livro entregar algumas ideias interessantes, na generalidade é algo simplista e pouco aprofundado. Mas talvez a ideia tenha sido essa, simplificar para chegar ao máximo número de pessoas, com o objetivo de fornecer uma literacia do dinheiro para todos. Por isso, se critico no geral, considero que realiza um bom trabalho de divulgação e discussão de ideias que muitas vezes são evitadas na praça pública.

fevereiro 12, 2023

“Nós” (1921) de Evguén Zamiátin

Durante muito tempo olhei para “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” como um livro de ficção-científica, e talvez por isso centrado numa visão distópica espoletada pela tecnologia. Foi apenas ao ler mais sobre Orwell e as influências para a criação da obra que percebi que o livro era algo distinto, que era muito mais a interpretação política do seu tempo, do nacionalismo alemão e do comunismo soviético. Sabemos também hoje que esta obra só ganhou forma quando Orwell leu “Nós” (1921) de Evguén Zamiátin. “Nós” demonstrava uma enorme presciência sobre aquilo que viriam a ser os futuros 70 anos da URSS, mas ia além. Se Orwell escolheu os média, a televisão e as câmaras, Zamiátin desvelou desde logo o cerne do problema, a ciência matemática, antecipando aquilo que pode vir a ser o nosso mundo: tecnologicamente evoluído e matematicamente determinado.

"Apenas voltei a concentrar a atenção, a grande custo, quando o fono-conferencista passou ao tema principal: à nossa música, à composição matemática (a matemática é a causa, a música é o efeito) (...) Com que prazer ouvi a seguir a nossa música actual! As cristalinas gamas cromáticas que se juntavam e se separavam em séries infinitas — e os acordes sumários das fórmulas de Taylor, de Maclaurin; os lances diatónicos, com a carga quadrada do teorema de Pitágoras; as tristes melodias de movi­mento oscilatório a amortecer; os compassos vivos alternando com as pausas das linhas de Fraunhofer — a análise espectral dos planetas... Que grandeza! Que inabalável conformidade com a lógica! E que miserável é a música dos antigos — toda ela voluntariosa e sem ou­tros limites que não os das fantasias selvagens..."

fevereiro 05, 2023

"Kaleidoscope" (2023)

"Kaleidoscope" (2023) usa uma abordagem distinta, definida como "Non-Linear Streaming Experience", em que cada espectador vê os primeiros 7 episódios numa ordem diferente, sendo o último episódio igual para todos, o do assalto ao banco. 


Enquanto série, é mediana. Interessante, mas com personagens poucos estruturados e ações pouco credíveis.

Como experiência, a aleatoriedade não oferece nada aos espectadores. Ver na ordem sugerida pela Netflix, acaba sendo a ordem para nós normal. Talvez vendo uma segunda vez, pudesse produzir um impacto distinto. Mas isso a acontecer só daqui a alguns anos. Na partilha com outras pessoas, também não vejo ganhos, já que além do final ser o mesmo para todos, os episódios são todos vistos, apenas muda a ordem.
 
Fica a admiração pelo virtuosismo no design da narrativa dos 8 episódios, e pouco mais.

Days Gone = (Uncharted + Far Cry) / The Walking Dead

É um grande jogo, desde logo evidenciado pela elevada qualidade da arte visual, da animação dos personagens e câmara, assim como do próprio design de interação suportado pelas affordances audiovisuais. A animação do protagonista, Deacon, e da sua motorizada, não são apenas bem conseguidas, são de tal modo fluídas que geram enorme flow em toda a nossa interação com o jogo, algo que vai melhorando ainda mais com o progredir do jogo por via da otimização das skills, das armas, e da própria motorizada. Por outro lado, o pior é mesmo a história, bastante mediana, ainda que aqui se deva mais a erros derivados da megalomania da direção ao optar por uma narrativa interativa em mundo aberto, de que viria a recuar a meio da produção.

fevereiro 04, 2023

AI 2041

“AI 2041” (2021) apresenta uma estrutura deliciosa. Sendo um livro de não-ficção sobre IA, usa pequenos contos de ficção para ajudar o leitor a compreender, por via de situações reais e concretas, o alcance de conceitos e tecnologias de carácter abstrato. Kai-Fu Lee é uma referência na Ásia, por ter sido presidente da Google China, mas antes disso trabalhou nos EUA para a Apple, a SGI, e a Microsoft. Na academia formou-se na Columbia, e doutorou-se na Carnegie Mellon, em 1988, com uma tese em IA. Para este livro, convidou Chen Qiufan, autor chinês, premiado e reconhecido por um estilo de ficção científica realista. Juntos criaram um livro que junta o melhor da ficção com a não-ficção. Cada um dos 10 capítulos aborda um impacto futuro da IA, sendo cada tópico primeiro ilustrado por um conto, situado em 2041, de Chen Qiufan, depois seguido por uma análise académica de Kai-Fu Lee, que dá conta da tecnologia atual e da expetativa de desenvolvimento até 2041. Deste modo, Lee e Qiufan criaram uma nova e poderosa abordagem que deveria ser vista como um modelo a seguir pela comunicação de ciência. 

fevereiro 02, 2023

ChatGPT e os modelos de competência linguística

Finalmente, um artigo que discute a essência da forma do texto produzido pelo ChatGPT. Desde que surgiu e realizei múltiplas experiências com o assistente, havia algo que me perturbava profundamente na sua escrita: o facto de ser corretamente límpida, mas simultaneamente “vazia”. Vazia num sentido de intencionalidade humana, de se poder sentir por debaixo das palavras desejo, vontade, viés e distorção das ideias que se presta a discutir. Chamava a isto “voz”, mas precisava de algo mais para definir o que podia ser isto, e agora uma equipa do MIT apresenta um modelo linguístico, baseado em neurociência, que desconstrói essas competências linguísticas do ChatGPT. 

janeiro 23, 2023

"Despachos" (1977) de Michael Herr, trad. Paulo Faria

"Despachos" (1977) de Michael Herr é uma das obras sobre a guerra americana no Vietname mais citadas, o que dá conta do valor deste livro enquanto documento. O jornalista Michael Herr foi cobrir a guerra em 1967, com 27 anos, tendo passado lá 3 anos. Em 1977 publicou esta obra como testemunho direto do que lá passou. O mesmo testemunho que depois foi a base dos dois filmes mais importantes sobre o conflito — "Apocalypse Now" (1979) e "Full Metal Jacket" (1987) — nos quais participou na escrita dos guiões.

janeiro 22, 2023

Game design em "Far Cry 5"

Não ia escrever sobre "Far Cry 5" (2018), pela simples razão de ser apenas mais um jogo de grande orçamento, de uma série que já vai longa, não me parecendo necessário dizer mais do que aquilo que já foi dito pelas várias revistas da área. Contudo, à medida que o tempo foi passando a memória da experiência que permaneceu fez-me voltar a ele vezes sem conta. Por isso aqui ficam alguns elementos que fazem deste trabalho uma obra excecional muito em particular no campo do game design, mas também na arte visual e storytelling. 

janeiro 14, 2023

Humanos e Máquinas: métricas da mediania

O título “The Tyranny of Metrics” do professor Jerry Z. Muller é indissociável do título “The Tyranny of Merit” do imensamente mais conhecido professor Michael J. Sandel. Mas em defesa de Muller, o seu livro é de 2018, e o de Sandel de 2020. Mas a aproximação não se fica pelos títulos, vai ao fundo dos dois tópicos eleitos: mérito e métricas. Não as colocando lado a lado, mas antes em lados opostos, diga-se lados políticos. Porque se o “mérito” é o santo graal da esquerda, o motor da crença messiânica de que todos podemos ser tudo e fazer tudo desde que nos esforcemos. As métricas são o Santo Graal da direita, em que tudo tem de ser medido para que tudo possa ser transparente, porque só quando ajustado pela medida objetiva se pode eliminar qualquer vestígio de viés humano.

As métricas que nos transformam em máquinas