abril 15, 2022
Dinamarca na 2ª GG
Subtextos de um Príncipe
Os livros de Iris Murdoch não se podem ler apenas enquanto histórias, a sua faceta filosófica está sempre presente no subtexto requerendo que nos debrucemos sobre as motivações do tema, buscando chegar ao que terá conduzido o pensar no engendrar do mundo ficcional e das ações dos personagens. No caso de “O Príncipe Negro” (1973), temos à superfície uma tragédia, um escritor de 58 anos divorciado que se apaixona pela filha de 20 anos de um casal que é constituído pelos seus dois melhores amigos de sempre, e acaba a desencadear reações trágicas e irreversíveis. Se a intriga mantém o nosso envolvimento até ao final e com boa intensidade emocional, aí chegados parece tudo saber apenas a “mais uma tragédia de amores”. Mas se refletirmos no sentido ético da filosofia de Murdoch (Duringer, 2022), podemos ver mais, podemos ver como todo o texto é um labor de dissecação do comportamento humano, numa tentativa de oferecer à compreensão aquilo que o nosso preconceito tende a impedir-nos de abarcar, sem recorrer a embelezamento nem persuasão. O personagem é apresentado na sua plenitude, com toda a carga negativa, reforçando mesmo a nosso recusa, contudo essa apresentação obriga-nos a repensar, a procurar compreender.
abril 10, 2022
"Shuggie Bain" de Douglas Stuart
Sinopse: 1981, Glasgow. A outrora próspera cidade mineira sufoca sob o jugo férreo das políticas de Margaret Thatcher, lançando milhares de famílias para a miséria. A epidemia do álcool e das drogas aproveita para capturar os mais vulneráveis.
abril 09, 2022
Direitos da Revolução Francesa
A Revolução Francesa (RF) é um dos eventos mais marcantes da História da Europa, em grande parte responsável pelo desenho societal que ainda hoje vigora no continente. Por isso, e porque tenho vindo a ler cada vez mais ficção histórica, foi com alguma pena que percebi que os livros passados na RF não são tantos como se esperaria. Ainda assim, tendo encontrado uma obra escrita pela notável Hilary Mantel — "A Place of Greater Safety" (1992) — fez-me acreditar que o assunto estava resolvido. Mas não estava. Pouco depois de o começar, sentindo a falta de contexto, acabei por ir atrás de suporte, acabando a ler simultaneamente "A Revolução Francesa 1789-1799" (1992) de Michel Vovelle, "Citizens: A Chronicle of the French Revolution" (1989) de Simon Schama, e ainda o mais recente, "A New World Begins: The History of the French Revolution" (2019) de Jeremy D. Popkin.
abril 02, 2022
Da Mesopotâmia ao Helenismo
Apesar do título, “Babilónia”, o livro de 2010, foca-se verdadeiramente no subtítulo, a “Mesopotamia and the Birth of Civilization”. Paul Kriwaczek inicia o historiar com o império Sumério, passa ao Acádio, chegando ao Assírio e por fim Babilónia. A ideia do foco em Babilónia terá que ver com a representação do fim dos grandes impérios da Mesopotâmia que deram origem não apenas a uma das primeiras grandes civilizações, mas mais importante do que isso, porque deram origem à civilização em que ainda hoje vivemos. Kriwaczek, fala numa espécie de primeira metade da História, até ao final de Babilónia (1894-332 a.C.), e uma segunda metade, aquela que agora vivemos. E por estarmos a aproximar-nos, em número de anos, no sentido oposto, da extensão dessa primeira metade, vislumbra a tragédia, apontando o momento atual como de declínio já aceite e interiorizado por nós.
março 27, 2022
Expectativas e placebo
Começo a análise do novo livro de David Robson, "The Expectation Effect" (2022), citando a frase com que terminei a análise do seu anterior livro, "Intelligence Trap" (2019): "é um livro de divulgação científica, de leitura rápida e fluída, que apesar de alguns problemas abre caminhos para muitas abordagens distintas e permite rapidamente ficar a conhecer o que está em jogo na área, a partir do que qualquer um pode então iniciar o aprofundamento das questões."
março 26, 2022
Desenho de Personagens, segundo McKee
"Character: The Art of Role and Cast Design for Page, Stage, and Screen" (2021) é o mais recente livro de Robert McKee e o quarto livro que leio dele. Tinha demasiadas expectativas sobre o mesmo já que o tema da criação e desenho de personagens é bastante complexo. Ao contrário da discussão geral sobre o desenho de histórias ou criação de mundos, a criação de personagens assenta muito na particularização, na criação de personas completas que almejam à realidade do que somos. Nesse sentido, por mais fórmulas que se construam, a sua definição fica inteiramente dependente da capacidade de observação e expressão de quem cria. E essa é, talvez, a grande razão pela qual este livro fica bastante aquém daquilo que McKee nos habituou. McKee constrói um modelo de análise e trabalho com um conjunto alargado de categorias, que vão dos simples modelos — redondas/lisas — a grandes discussões filosóficas sobre o que significa estar vivo, numa ânsia por conseguir chegar ao âmago da definição da figura que denominamos personagem, mas fica a meio do caminho. Se por um lado nos oferece imenso sobre os fundamentos do que contribui para o desenho de uma personagem, por outro, sinto que chegados ao final não nos deu muito mais do que aquilo que já tínhamos no seu livro principal, "Story" de 1997.
fevereiro 26, 2022
Composição em anel na arte narrativa
"Three Rings: A Tale of Exile, Narrative, and Fate" (2020) é um trabalho académico experimental que mistura memórias, crítica, clássicos e teoria narrativa. Conhecia Daniel Mendelsohn de um anterior trabalho de memórias criado a partir da estrutura de Homero, "Uma Odisseia. Um pai, um filho e uma epopeia" (2017) do qual gostei particularmente. Neste seu mais recente trabalho criou uma espécie de sucessor, realizando um trabalho maior de auto-crítica e análise do que foram as suas obras anteriores de memórias, e essa ideia de sucessão fica desde logo patente pelo trabalho de análise que dedica a "Les Aventures de Télémaque" (1699) em que François Fénelon tentou escrever uma continuação da "Odisseia".
fevereiro 12, 2022
Isaac Newton
Isaac Newton é talvez a mais importante figura da história contemporânea pelo modo como conseguiu extrair da natureza um conjunto de regras abstratas que permitiram a Revolução Científica, base do Iluminismo, que por sua vez impactariam fortemente a Revolução Industrial e todo o posterior progresso tecnológico. Gleick dedica-lhe este livro, no qual faz uma boa introdução, mas podia ter ido mais fundo e mais longe.