março 27, 2022

Expectativas e placebo

Começo a análise do novo livro de David Robson, "The Expectation Effect" (2022), citando a frase com que terminei a análise do seu anterior livro, "Intelligence Trap" (2019): "é um livro de divulgação científica, de leitura rápida e fluída, que apesar de alguns problemas abre caminhos para muitas abordagens distintas e permite rapidamente ficar a conhecer o que está em jogo na área, a partir do que qualquer um pode então iniciar o aprofundamento das questões."

Robson começa de forma bastante convincente, levantando o véu sobre os efeitos do placebo, atacando os estudos farmacológicos que tendem a usar o placebo em testes de controlo e depois ignoram os mesmos quando atingem os 20%, esquecendo que esses 20% deveriam dizer-nos algo. Para o efeito convoca uma imensidade de estudos que têm vindo a demonstrar o poder do placebo, não tanto na cura mas como ajuda ao tratamento. Casos em que o placebo funciona na estimulação de uma ação mental positiva, criada por via do que ele aqui chama "efeito de expectativa", sendo capaz de suplantar a fisiologia, colocando a mente a dirigir o corpo.

Isto não é propriamente novo, sabemos que isto é aquilo que acontece na religião, assim como nas medicinas alternativas — da acupuntura à homeopatia. A crença no efeito da ação realizada — rezas, agulhas ou água destilada — conduz a pessoa a um processo interior que por vezes produz efeitos verdadeiramente transformadores. Talvez o mais impactante desses efeitos seja o caso dos placebos conseguirem exponenciar os efeitos de medicação anterior, já que a mente reconhecendo a ação como terapêutica liga o placebo ao efeito fisiológico provocado pelo medicamento real anterior conseguindo assim despoletar exatamente a mesma reação sem usar qualquer substância química. Robson defende que isto poderia servir para agirmos no sentido de diminuir a quantidade de medicamentos que tomamos, evitando assim muitos dos problemas produzidos pelos chamados efeitos secundários. 

Contudo, Robson esquece um problema grave nesta sua análise, é que taxas de 20%, e muitas outras que apresenta pouco além dos 10%, não são suficientes para definir caminhos terapêuticos pela simples razão de que os seres humanos não são máquinas. Nos estudos que fazemos temos de excluir uma enorme panaceia de efeitos internos do corpo das pessoas, assim como efeitos externos das ações e ambiente em que as pessoas vivem. As pessoas que participam nos estudos não estão apenas a tomar aquele medicamento, desligando tudo o resto. As pessoas continuam a viver, a comer, a beber, a dormir a interagir com outras pessoas e com muitas outras substâncias presentes no ambiente em que vivem. Por isso, precisamos de taxas muito mais altas para ter garantias de que realmente existe uma causa direta do medicamento tomado. Focar toda uma terapêutica num "expectation effect" que não é mais do que um "estado de crença" não chega. 

Percebo a atratividade do "expectation effect", mais ainda porque trabalho com narrativas e técnicas de engajamento humano. Mas Robson esquece-se de dizer a quantidade enorme de trabalho prévio que existe e de outras designações que têm sido utilizadas pela psicologia para dar conta desta problemática. Robson faz aquilo que um cientista não pode fazer, realiza "cherry picking" dos estudos e teorias que lhe interessa, evitando abordar muitos dos seus problemas. Por exemplo, uma das teorias fundamentais de suporte às ideias de Robson, o chamado "Priming Effect" desenvolvido por Kahneman, é uma das teorias que tem estado na linha de fogo por parte do movimento das ciências da psicologia na "crise de replicabilidade"

Neste caso do "priming", se em vários estudos conseguimos demonstrar que quando apresentamos uma ideia prévia (imagens de frio ou números altos) a algumas pessoas essa ideia vai contaminar as suas decisões a seguir (escolher roupas mais quentes ou escolher números maiores), noutros estudos esse efeito é extremamente ligeiro ou não chega sequer a acontecer. Ou seja, para podermos falar de um efeito cientificamente comprovado não basta que ele aconteça em 10% dos casos precisamos de mais. Basta pensar nos casos de tratamento de cancro que têm seguido vias alternativas de tratamento, como aconteceu com Steve Jobs, baseados na existência de alguns casos de sucesso, e que depois de gorados se viram para a medicina de facto, mas já vão tarde para realizar qualquer tratamento verdadeiramente efetivo. 

Apesar desta minha crítica, quero dizer que algumas abordagens de Robson acabam sendo relevantes, nomeadamente quando trabalha a relação da expectativa com terapêuticas comportamentais. Ou seja, quando nós, conseguimos ganhar consciência de que estamos a ser manietados pelas expectativas que criamos, e nos conseguimos desenvencilhar das mesmas. Uma dessas ideias de que fiquei fã imediatamente, tem que ver com o modo como lidamos com o stress e a ansiedade: 

“People think that feeling anxious while taking a standardized test will make them do poorly on the test. However, recent research suggests that arousal doesn’t hurt performance on these tests and can even help performance – people who feel anxious during a test might actually do better. This means that you shouldn’t feel concerned if you do feel anxious while taking today’s GRE test. If you find yourself feeling anxious, simply remind yourself that your arousal could be helping you do well.”

Ou seja, a ideia é deixarmos de olhar para a ansiedade como alguma que nos afeta e determinar que ela é nossa aliada, que ela está ao nosso serviço para que consigamos fazer um melhor trabalho. Deste modo a ansiedade não se vai embora, mas o nosso cérebro consegue, em parte, aprender a lidar melhor com ela. 

Por várias vezes, Robson fez-me recordar uma das minhas primeiras leituras, nos anos 1980, "O Poder do Subconsciente" Joseph Murphy, no qual este apresenta a ideia de que as nossas vidas dependem acima de tudo da atitude que tomamos em cada momento, de que ao olhar para o copo meio, o modo como decidimos atribuir-lhe significado tem impacto sobre o modo como lidamos com os problemas que enfrentamos ao longo das nossas vidas.

Sem comentários:

Enviar um comentário