março 26, 2022

Desenho de Personagens, segundo McKee

"Character: The Art of Role and Cast Design for Page, Stage, and Screen" (2021) é o mais recente livro de Robert McKee e o quarto livro que leio dele. Tinha demasiadas expectativas sobre o mesmo já que o tema da criação e desenho de personagens é bastante complexo. Ao contrário da discussão geral sobre o desenho de histórias ou criação de mundos, a criação de personagens assenta muito na particularização, na criação de personas completas que almejam à realidade do que somos. Nesse sentido, por mais fórmulas que se construam, a sua definição fica inteiramente dependente da capacidade de observação e expressão de quem cria. E essa é, talvez, a grande razão pela qual este livro fica bastante aquém daquilo que McKee nos habituou. McKee constrói um modelo de análise e trabalho com um conjunto alargado de categorias, que vão dos simples modelos — redondas/lisas — a grandes discussões filosóficas sobre o que significa estar vivo, numa ânsia por conseguir chegar ao âmago da definição da figura que denominamos personagem, mas fica a meio do caminho. Se por um lado nos oferece imenso sobre os fundamentos do que contribui para o desenho de uma personagem, por outro, sinto que chegados ao final não nos deu muito mais do que aquilo que já tínhamos no seu livro principal, "Story" de 1997

O livro está dividido em quatro secções principais, sendo a segunda aquela que tem mais detalhe a oferecer ao processo criativo. Na primeira, apresenta-nos uma discussão sobre a relação personagens versus humanos, tendo daqui extraído uma das citações mais relevantes de todo o livro:
people experience far more than they express, while characters express everything they experience (..) Even the renowned—Marcus Aurelius, Abraham Lincoln, Eleanor Roosevelt—are remembered more as characters than people because biographers novelized them, writers dramatized them, and actors gave them life after death.” 
Esta afirmação dá não só conta da importância do Personagem, mas também do modo como a concebemos enquanto parte daquilo que somos, e daquilo que os outros são para nós. Na verdade, e aqui seguindo Damásio, nós somos as histórias que contamos sobre nós e os outros, e as pessoas, os humanos, nada mais são do que personagens que povoam estes nossos mundos mentais. Por isso é tão importante dedicarmos tempo a refletir sobre as pessoas de quem gostamos, porque só assim poderemos chegar a elas, definia-las melhor para nós, e não permitir que estas se esfumem por entre os nossos dedos na imensidão de detalhe.

A terceira parte fala-nos das personagens com base no género de história tendo em conta as convenções e expectativas do público. Na quarta parte McKee tenta ir além na fundamentação sobre como as relações entre personagens contribuem para edificação do protagonista, mas acaba por não fazer mais do que apresentar exemplos atrás de exemplos sem chegar a uma efetiva concretização do que pretendia fazer. 

Voltando à segunda secção, McKee faz um esforço por variar os media, usando muito as séries de televisão, assim como a literatura, o cinema e o teatro, para assim nos dar a dever o modo como pode funcionar o desenho de personagens em 10 capítulos:

  1. Character Inspiration: Outside In
  2. Character Inspiration: Inside Out
  3. Roles Versus Characters
  4. The Outer Character
  5. The Inner Character
  6. The Dimensional Character
  7. The Complex Character
  8. The Completed Character
  9. The Symbolic Character
  10. The Radical Character

Começa pela ideação, oferecendo abordagens ao modo como devemos iniciar o trabalho, nomeadamente como procurar inspiração. Depois segue para discussão das qualidades internas e externas que formam a concha da personagem. Na parte seguinte trabalha as dimensões, complexidade e o modo de fechar o arco das personagens. Os últimos dois capítulos dão conta da construção do personagem nos diferentes géneros de histórias assim como das convenções estéticas gerais que formam as grandes expectativas da audiência.

Para fechar, não posso dizer que não se aprenda nada, aprende-se sempre com McKee. Mas esperava algo que tivesse tido um claro impacto, capaz de ir para além de "Story" e "Dialogue", mas não acontece. Essas duas obras são seminais, enquanto este "Character" se fica por alguma mediania, mais ao nível do  seu "Storynomics".


Nota no GoodReads.

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