How to Read a Book: The Classic Guide to Intelligent Reading é um livro de 1940, pertence a um mundo no qual não existia internet e em que a partilha deste tipo de informação funcionava melhor no formato de livro. O conteúdo do livro acaba tratando muito daquilo que ensinamos aos nossos alunos de mestrado e doutoramento, algo que hoje fazemos melhor por via de aulas e artigos curtos. Ou seja, ensina a ler profissionalmente e não por prazer, deste modo a generalidade do que aqui é dito destina-se à leitura de não-ficção, e apenas a Literatura no caso de quem a trabalha de modo analítico, e não por mero prazer. Assim, resenho aqui o livro no sentido de divulgar e servir aqueles que usam os livros e seus conteúdos com caráter académico e/ou profissional.
Mortimer Adler foi um professor universitário de filosofia e passou grande parte da sua vida a discutir a relevância do ensino e educação na formação da sociedade, por isso não admira este trabalho didático, no ensino do manejamento do livro, já que ele contribui para a elevação da literacia das comunidades, ao mesmo tempo que baixa algumas barreiras que alguns jovens encontram quando entram nos corredores da Academia. A ideia de que para se fazer uma tese é necessário ler de fio a pavio 200, 300 ou mais livros, no espaço de um a dois anos, assusta qualquer um e pode antecipadamente criar resistências internas que tarde ou cedo predisporão à desistência. Por isso, este livro continua sendo relevante, não que seja obrigatório. Não faltam na internet dezenas e dezenas de artigos explicando muito do que Adler aqui explica, de forma sintetizada, diagramática e bastante mais direta. Ainda assim a proposta é bem estruturada, e para quem sinta a perplexidade com as necessárias leituras, pode ser um excelente ponto de partida. Com o bónus de ir além, já que no caso em que os livros são fundamentais e se sugere seguir para uma leitura aprofundada — analítica e sinóptica —, Adler propõe um conjunto de ferramentas de análise que se podem tornar muito relevantes para quem trabalha a produção de conhecimento escrito.
O método de Adler e Van Doren divide a Leitura em quatro fases —
Elementar, Inspetiva, Analítica e Sinóptica —sendo a primeira a mais simples e rápida, e a última a mais complexa e elaborada.
1 – Leitura Elementar
Corresponde à leitura normal de qualquer livro — análise da capa, sinopse e sumário nas badanas ou contracapa, passar os olhos por algumas páginas, lendo um ou outro parágrafo, e depois início no capítulo 1, seguindo até ao final. Esta abordagem é aquela que seguimos com os livros tradicionais de histórias, mas não é o método aconselhável ao estudo académico, esse deve saltar o passo 1 e iniciar-se pelo passo 2.
2 – Leitura Inspetiva
Adler e Van Doren sugerem um trabalho em seis passos:
- Leia o Título e o Prefácio,
- Estude o Índice,
- Analise o Índex de palavras,
- Leia a Sinopse
- Veja os Capítulos Principais
- Folheie o livro, lendo partes que saltam à vista
Depois disto, deve realizar-se uma leitura na diagonal (muito rápida de todo o livro), nunca parando em partes mais complexas. Se as partes complexas forem relevantes, voltaremos a elas mais tarde. A ideia é ganhar uma compreensão do todo que está dentro do livro apenas para tomar uma decisão importante:
devemos ou não proceder para a fase seguinte?
3 – Leitura Analítica
Nesta fase, entramos na discussão com o livro, e é uma fase que demorará tanto quanto exigir a complexidade do livro na relação com o grau de conhecimento detido pelo leitor. Ou seja, pode demorar bastante mais do que a simples leitura do primeiro ao último capítulo. O objetivo não é ler para conhecer, mas sim trabalhar o conteúdo do livro para o dominar. Por isso, não é o tipo de leitura que se faça com qualquer livro, mas apenas com aqueles que vão ao centro do tema, problema ou abordagem que são relevantes para nós.
Já temos uma noção do que o autor pretende tratar e do modo geral como escreveu sobre o assunto, mas agora vamos concretizar esses elementos para depois os poder questionar:
3.1. Qual é o Problema?
O principal depois de uma análise inspetiva passa pela classificação do livro, o que requer definir, o mais concretamente possível, que problema ou questão está a tentar ser respondida. Isto é o cerne para compreender a razão de tudo aquilo que o livro é, e permite-nos sustentar todas as ideias do livro, porque elas se ligam a esse foco, esse objeto.
3.2. Como é trabalhado e respondido?
Depois interessa então aprofundar. Compreender como é que o autor abordou o problema, e que soluções propõe para o mesmo. Aqui temos de elencar as proposições, e tentar compreender o sistema de ideias desenhado pelo autor para suportar o que pretende dizer. É complexo porque implica uma entrada dentro do modo de pensar do autor, uma espécie de engenharia reversa do que levou à escrita do livro.
3.3. É sustentado, lógico e completo?
Neste ponto, entramos então na análise crítica. Olhando ao problema e soluções propostas, estas fazem sentido? estão sustentadas em argumentos? ou existem dados empíricos que corroborem o que é dito? A análise crítica não pode ser vazia, ou seja, se discordamos é porque temos argumentos para o fazer, e não apenas porque “nos parece”. Para o efeito precisamos não apenas de apontar os problemas do autor, as suas falta de informação, ou racionalizações sem sentido, e dar conta do que falta. Isto é um trabalho moroso, mas ele é que nos vai permitir chegar à total compreensão do livro.
3.4. O que é o livro?
Aqui chegamos ao momento final, ao momento em que podemos emitir a nossa opinião pessoal, sobre o que é o livro, sobre o que pretende apresentar, como o faz, mas sobretudo lançar a nossa perspetiva sobre o conteúdo do que é discutido, concordando ou discordando do autor.
Este ponto seria o último, mas Adler e Van Doren propõe um último, que minha opinião já não tem que ver com a leitura de um livro em particular, mas com o estudo de um assunto, tema ou problema.
4 – Leitura Sinóptica
Aqui, o objetivo dos autores vai para além do livro concreto que se está a ler, e pretende criar lastro para que o leitor possa ter uma noção mais concreta do problema discutido pelo livro, do conhecimento existente em seu redor, no fundo realizar aquilo que na academia hoje em dia definimos como: revisão de literatura. Na verdade, não é possível realizar o último ponto da leitura analítica sem fazer este trabalho. Mas como é que isto se faz? A ideia principal a reter, assenta nas referências dos livros ou textos. Ou seja, precisamos de procurar sobre o tema, e à medida que formos lendo sobre ele, verificar quais são os autores que se repetem, ir atrás desses, até que consigamos ter uma noção do leque de autores principais que trabalhou o tema, e as ideias principais defendidas.
Claro que nos dias de hoje muito deste trabalho está feito na Wikipedia, mas o que é aí apresentado não deve ser visto como trabalho fechado, antes pelo contrário. Para quem trabalha profissionalmente o conhecimento, a Wikipedia é apenas um acelerador da definição do grupo de pessoas que devemos pesquisar. Ou seja, por meio da entrada na Wikipedia, podemos aceder logo a um conjunto de nomes, que podemos então começar a estudar, aprofundar, e assim chegar a construir a nossa visão sobre o problema. Repare-se que a Wikipedia não apresenta opiniões, limita-se a listar factos, e aquilo que se espera de alguém que faz um estudo, é que domine os factos a ponto de poder emitir uma opinião sustentada.
A razão pela qual a opinião pessoal, sustentada, continua a ser relevante para além do que vem na Wikipedia, é que ela é provida de experiência e conhecimento do mundo que cada um de nós, seres humanos complexos e distintos, detemos em conjunto com as leituras que tivermos decidido realizar, o que conduz a perspetivas particulares que garantem uma constante diferenciação no estudo de problemas que podem ser os mesmos, mas consequentemente conduz a soluções próprias que podem ser inovadoras. A solução inovadora é no fundo o objetivo último da leitura, chegar a ter uma perspectiva crítica a ponto de conseguir produzir uma solução própria, nova.