setembro 19, 2022

Facebook e a Saúde Mental

O estudo, "Social Media and Mental Health" (2022) (publicado em preprint na SSRN, em breve disponível no American Economic Review) que retrata os efeitos do Facebook na saúde mental dos seus utilizadores foi tornado público por estes dias e os dados são pouco animadores. O estudo foi feito a partir de dados empíricos de: a) momento em que o Facebook foi tornado a acessível em cada universidade americana no ano de 2014, que permitiu perceber o exato momento em que cada aluno começou a aceder à ferramenta; e b) os questionários semi-anuais da National College Health Assessment, que chegam a mais de 430,000 respondentes, inquirindo sobre saúde mental e bem-estar nas universidades americanas. Os resultados: a introdução do Facebook nas universidades levou a um aumento da depressão grave em 7% e do distúrbio da ansiedade em 20%. Para além destes resultados, uma percentagem de estudantes iniciaram tratamento com psicoterapia e/ou antidepressivos. "O efeito negativo do Facebook é comparável, em magnitude, a cerca de 22% do efeito da perda de emprego na saúde mental". Os investigadores apontam como principal razão o facto do Facebook promover "comparações sociais desfavoráveis".

A base para identificar a comparação social advém de um conjunto de dados adicionais analisados. Assim, primeiro "os efeitos são particularmente pronunciados nos estudantes que se podem considerar em situação desfavorável face aos seus pares, tais como: os estudantes que vivem fora do campus - e, por conseguinte, são mais susceptíveis de serem excluídos de atividades sociais no campus —; os estudantes de estatuto socioeconómico inferior; ou os estudantes que não não pertencem a fraternidades". Em segundo lugar, "a introdução do Facebook afectou diretamente as crenças dos estudantes sobre a vida social e os comportamentos dos seus pares". Isto não é novo, já vinha sendo discutido noutros estudos — GuilfordThe Lancet, Sage, PubMed —mas nada com o alcance e robustez daquilo que esta metodologia consegue oferecer. 

O exercício de comparação social é essencial ao ser-humano. É o principal estímulo que nos leva a socializar com os outros, ou até a gostar de ler livros ou ver filmes, queremos saber como são os outros, o que pensam, como reagem. Queremos conhecer os outros para nos conhecer cada vez melhor a nós mesmos. É assim um mecanismo fundamental na nossa aprendizagem sobre o real e o mundo. Mas é um mecanismo que tem os seus problemas cognitivos, um dos quais é o da tendência para se considerar nunca ter chegado ao nível dos outros, porque existem sempre outros acima, não havendo forma de terminar esse processo. Por outro lado, este mecanismo é fundamental para gerar a motivação humana para nos fazer ir além, gerar competitividade interna para melhorarmos quem somos. Em essência, o mecanismo de comparação social é algo que nos torna mais capazes, o problema acontece quando se exacerba a sua função, ou seja, quando se entra em espirais comparativas negativas. Na adolescência os filtros para travar estas espirais são menores, ainda assim isto é algo que nos afeta ao longo das nossas vidas, não sendo por acaso que alguns prefiram ir retirando-se da socialização à medida que vão avançando na idade.

Os investigadores já foram interrogados sobre o facto de estarem a estudar o Facebook como ele era em 2014, algo muito distinto de 2022. Sendo verdade que o Facebook tem mudado muito o seu algoritmo e minimizado problemas de dimensões muito distintas, da leitura que faço das diferentes redes sociais, parece-me que o problema da constante comparação social será sempre muito difícil de eliminar. Apesar disso, um dos grandes avanços neste sentido foi a retirada do número de Gostos, mas como vimos poucos usam verdadeiramente essa função, e ela ataca apenas uma dimensão superficial e mais abstracta da comparatividade social. Mais, diria que o Facebook apesar de chegar a mais pessoas, é neste momento a rede menos impactante neste sentido. Não só porque nas faixas mais vulneráveis, da adolescência e pós-adolescência, não passam muito tempo ali, mas em particular e porque estas faixam passam quase todo seu tempo nas redes sociais na sua rede de eleiçõa, o Instagram, que é uma rede que vive quase exclusivamente da comparação social. 

No Instagram não se partilham textos com ideias, ou links, partilha-se constantemente a vida pessoal, o imediato que circunda a realidade de quem partilha. Mostra-se a vida real, um pouco à lá Big Brother, mas de modo mais nefasto ainda, porque aqui tudo o que não interessa nunca é mostrado. Cada um é decisor do que pode aparecer na janelinha, por isso edita, filtra, apenas as coisas que o vão fazer parecer bem. O Instagram é no fundo um otimizador de imagem pessoal que permite criar a ilusão de vidas perfeitas. Isto funciona como demolidor dos sonhos dos demais, já que a comparação social que acontece aqui não é legítima, ou seja, não se pode comparar a vida que vivemos no dia a dia, com a vida perfeita do amigo ou amiga que a rede nos mostra. Um dia tem muitos altos e baixos, um ano tem muitas tragédias, choros, e faltas. Para piorar, quando realizamos o processo de comparação social não o fazemos de um perspectiva neutra, mas antes a partir de uma perspetiva tendencialmente enviesada que nos coloca abaixo daquilo que somos. Por isso, passear pelas "vidas instagram" dos amigos cria inevitavelmente uma sensação contínua de estar a perder, de não ter acesso a mesmo, de não estar a viver tudo, e logo de ser menos que os demais.

Como nota positiva, podemos atender a que os números mostram que os efeitos são menores naqueles que convivem socialmente, em modo presencial, com aqueles que seguem nas redes. Ou seja, um equilíbrio entre o seu uso no virtual e uma vida efetiva no mundo presencial, pode ajudar. Por outro lado, a alteração ao algoritmo que o Facebook e Instagram querem introduzir, de apresentar cada vez mais conteúdos de que se gosta, e cada vez menos as pessoas que se segue, seguindo o algoritmo do TikTok, pode vir a ajudar neste problema. Se virmos apenas o que estamos a interessados, deixaremos de ver as pequenas coisas que o amigo que conhecemos faz todos os dias. Porque ver uma celebridade fazer A ou B, nunca tem o mesmo efeito de ver o vizinho ou o primo fazer C ou D. Neste sentido, pode ser que esta última transformação venha a dar resposta a mais um dos problemas das redes sociais. 

Por fim, são os próprios autores do estudo a reconhecer que foi apenas estudado uma dimensão do impacto e que as pessoas podem conseguir muitos benefícios do uso das reds, tais como a ligação com velhos amigos, o acesso a grupos de pessoas com os mesmos interesses, ou até mesmo a negócios ou produtos, que, no total, podem até superar os problemas criados.

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