"Civilizations" é um excelente sucessor de "A Sétima Função da Linguagem" (2015) (análise VI), deixando para trás as teorias da comunicação para se focar na história da descoberta do Novo Mundo, só que agora o Novo Mundo já não é a América, mas a Europa. "Civilizations" usa um artifício inicial para garantir imunidade adquirida às populações das Américas aquando da chegada dos espanhóis, a partir do que se desenvolve todo um volte-face. Assim, em vez de termos Pizarro a dominar Atahualpa, como muito bem nos conta Jared Diamond, em "Guns, Germs, and Steel" (1997) (análise VI), temos Atahualpa a dominar Carlos V, o grande Imperador Romano-Germânico.
A leitura é toda uma experiência deliciosa pelo modo como nos obriga continuamente a revisitar a história tal como a conhecemos, aprofundando eventos — descoberta da Gronelândia, chegada à América, o terramoto de Lisboa, Inquisição Espanhola, relações entre reinos europeus e a igreja católica — e personagens — de Atahualpa, a João III, Papa Pio V, passando por Thomas Moore, Lutero, Montaigne, Ticiano, Michelangelo, Cervantes —, para contextualizar as novas alterações propostas. Binet trabalha muito bem o detalhe do que aconteceu e as suas alternativas, obrigando o leitor a refletir sobre o que foi feito, o que podia ter acontecido, quando e como.
Não deixa de ser interessante também perceber a motivação de Binet ao escrever esta obra:
"There is something melancholy about my book, because it gives the vanquished a revenge they never really got. [The reality for the Incas, as for many other indigenous populations, was that they were being killed and exploited, Binet added] “This is what both fascinates and horrifies me: you can think of what you like about the past, but you can’t change it (...) Jared Diamond wonders why it was Pizarro who came to capture Atahualpa in Peru and not Atahualpa who came to capture Charles V in Spain. That line was a real trigger for me, and I thought: Why not tell this story instead?"
Binet obriga-nos a revisitar a nossa própria história, pensando sobre tudo o aquilo que fizemos ao chegar à América, fazendo acontecer no nosso continente, o que acaba por produzir uma espécie de simulação empática capaz de nos colocar no lugar do outro. É o contar de histórias, pela força da especulação, a ir mais longe do que o mero listar de factos.
Se gostei muito, existem dois pontos que acabam por tornar menos relevante o trabalho de re-imaginação de Binet:
1. Apesar de terem sido uma civilização fantástica, Os Incas não eram os Gregos, como quase os faz parecer Binet, mais facilmente os poderia aceitar como "romanos das Américas" (https://www.theguardian.com/science/2013/aug/04/why-incas-performed-human-sacrifice). Os Incas tinham superstições e religião própria, que parecem menos hostis que a insanidade da nossa Inquisição, mas não esqueçamos que as suas sociedades assentavam no sacrifício humano, nomeadamente de crianças [ver "Capacocha"].
2 - No correr dos eventos, e apesar de algumas aberturas distintas, tal como o mencionado no ponto anterior, na verdade Binet acaba por nos oferecer uma narrativa que segue o ditado — quanto mais muda, mais tudo fica na mesma — e isso, de um ponto de vista imaginativo acaba por tornar todo o trabalho, de algum modo, redundante. Diga-se que senti isto em outras histórias alternativas. Como se quem se desse ao trabalho de ver como "tudo poderia ter sido" estive ele próprio condenado a apenas conseguir ver o destino por si experienciado.
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