O livro "The Culture Code" (2017) de Daniel Coyle fez-me lembrar "Blink" (2005) de Gladwell, pelo modo como discute algo tão presente na nossa realidade mas que temos imensa dificuldade em especificar e enunciar. Se Gladwell tentava definir o que torna o olhar de um especialista diferente, o modo como a sua capacidade percetiva imbuída de saber e experiência vai além do que é evidente. Coyle, procura definir aquilo que emerge da cola entre humanos quando interagem e faz com que juntos sejam mais do que a mera soma dos indivíduos. Ambas à superfície parecem dotadas de alguma magia, por não serem facilmente explanáveis nem racionalizáveis. O que é também interessante é o facto de Coyle ter feito anteriormente um trabalho soberbo na análise do talento individual, em “The Talent Code” (2009), e ter-se visto aqui obrigado a concluir que o talento dos indivíduos não é a força motriz do talento dos grupos.
Comecemos pelo caso que abre o livro e é profundamente ilustrativo de tudo isto, o Spaghetti Tower Challenge, e que acabei por chamar de “Ilusão da Interação em Equipa”:
"A few years ago the designer and engineer Peter Skillman held a competition to find out. Over several months, he assembled a series of four-person groups at Stanford, the University of California, the University of Tokyo, and a few other places. He challenged each group to build the tallest possible structure using the following items:
• twenty pieces of uncooked spaghetti
• one yard of transparent tape
• one yard of string
• one standard-size marshmallow
The contest had one rule: The marshmallow had to end up on top. The fascinating part of the experiment, however, had less to do with the task than with the participants. Some of the teams consisted of business school students. The others consisted of kindergartners [children].
The business students got right to work. They began talking and thinking strategically. They examined the materials. They tossed ideas back and forth and asked thoughtful, savvy questions.
They generated several options, then honed the most promising ideas. It was professional, rational, and intelligent. The process resulted in a decision to pursue one particular strategy. Then they divided up the tasks and started building.
The kindergartners took a different approach. They did not strategize. They did not analyze or share experiences. They did not ask questions, propose options, or hone ideas. In fact, they barely talked at all. They stood very close to one another. Their interactions were not smooth or organized. They abruptly grabbed materials from one another and started building, following no plan or strategy. When they spoke, they spoke in short bursts: “Here! No, here!”
Their entire technique might be described as trying a bunch of stuff together.
If you had to bet which of the teams would win, it would not be a difficult choice. You would bet on the business school students, because they possess the intelligence, skills, and experience to do a superior job. This is the way we normally think about group performance.
We presume skilled individuals will combine to produce skilled performance in the same way we presume two plus two will combine to produce four.
Your bet would be wrong.
In dozens of trials, kindergartners built structures that averaged twenty-six inches tall, while business school students built structures that averaged less than ten inches. Teams of kindergartners also defeated teams of lawyers (who built towers that averaged fifteen inches) as well as teams of CEOs (twenty-two inches).
The result is hard to absorb because it feels like an illusion.
We see smart, experienced business school students, and we find it difficult to imagine that they would combine to produce a poor performance. We see unsophisticated, inexperienced kindergartners, and we find it difficult to imagine that they would combine to produce a successful performance. But this illusion, like every illusion, happens because our instincts have led us to focus on the wrong details. We focus on what we can see —individual skills. But individual skills are not what matters.
What matters is the interaction.”
Como diz Coyle, “parece uma ilusão”. Mas como sucede isto? Coyle começa por explicar por que falham os estudantes de gestão:
“The business school students appear to be collaborating, but in fact they are engaged in a process psychologists call status management. They are figuring out where they fit into the larger picture: Who is in charge? Is it okay to criticize someone’s idea? What are the rules here? Their interactions appear smooth, but their underlying behavior is riddled with inefficiency, hesitation, and subtle competition. Instead of focusing on the task, they are navigating their uncertainty about one another. They spend so much time managing status that they fail to grasp the essence of the problem (the marshmallow is relatively heavy, and the spaghetti is hard to secure). As a result, their first efforts often collapse, and they run out of time.”
E depois explica o que acontece com as crianças:
“The actions of the kindergartners appear disorganized on the surface. But when you view them as a single entity, their behavior is efficient and effective. They are not competing for status. They stand shoulder to shoulder and work energetically together. They move quickly, spotting problems and offering help. They experiment, take risks, and notice outcomes, which guides them toward effective solutions. The kindergartners succeed not because they are smarter but because they work together in a smarter way. They are tapping into a simple and powerful method in which a group of ordinary people can create a performance far beyond the sum of their parts.”
O resto do livro trata desta cola, a interação que emerge da união entre seres humanos e os torna mais eficientes como grupo. Coyle passou 4 anos investigando 8 grupos desde a Team Six dos SEALS, discutindo o modo como foi realizada a captura de Bin Laden, ao modo como funciona o Braintrust da Pixar (ver também o livro "Creativity Inc." (2014) de Ed Catmull), passando por uma equipa de basquete os Spurs; falando ainda da exploração criativa na IDEO e no Bell Labs, assim como do sucesso de uma cadeia de restaurantes.
Ao longo da discussão, Coyle vai apresentando algumas conclusões sobre os traços, elementos e constituintes desta qualidade de grupo. As suas notas são muito interessantes, e acredita que ajudarão muitos a ganhar uma perspetiva mais concreta da importância do trabalho de grupo. Ainda assim parece-me que faltou a Coyle alguma integração de toda a construção teórica realizada, contudo percebo que Coyle estava mais focado em oferecer abordagens práticas de aplicação imediata a quem o lê.
Coyle começa desde logo pela análise da experiência de Peter Skillman com as crianças, divindindo a experiência, e propondo-a como estrutura do livro em 3 grandes dimensões ou competências: 1. Construir Segurança; 2. Partilha de vulnerabilidade; 3. Estabelecer Fins.
Competência 1. Construir Segurança
“Explora como os sinais de ligação geram laços de pertença e identidade” e "Os grupos têm êxito não porque os seus membros são mais inteligentes, mas porque se sentem mais seguros". A ideia central, é a de que se nos sentirmos protegidos pela nossa família ou empresa, atrevemo-nos a correr mais riscos. Isto explica em parte as motivações tribais desde as equipas de futebol às bandeiras e hinos das nações. Mas a essência parece estar em pequenas ações no relacionamento social entre as pessoas, que Coyle lista:
- Proximidade física estreita, frequentemente em círculos
- Quantidades profusas de contacto visual
- Tato físico (apertos de mão, socos, abraços)
- Muitas trocas curtas e enérgicas (sem discursos longos)
- Altos níveis de mistura; todos falam com todos
- Poucas interrupções
- Muitas perguntas
- Audição intensiva e ativa
- Humor, risos
- Pequenas e atenciosas cortesias (agradecimentos, abertura de portas, etc.)
Coyle diz que “passar tempo dentro destes grupos era quase viciante fisicamente. Eu prolongava as minhas viagens para entrevistas, inventando desculpas para ficar por mais um ou dois dias. Dei por mim a sonhar acordado em mudar de profissão para poder candidatar-me a um emprego com estes grupos. Havia algo de irresistível em estar perto destes grupos que me fazia desejar mais ligação".
A química destes grupos tem sido estudada por vários investigadores, com Coyle a referenciar o trabalho de Alex Pentland, de quem falei aqui aquando da publicação do livro “Social Physics” (2014). Pentland tem-se dedicado a aprofundar a interação humana e social por meio da aplicação de sensores, extraindo micro-movimentos e mapeando os mesmos como sinais sociais. Deste trabalha Coyle destaca os sinais que são a fonte do sentimento de pertença:
1. Energia: Investem na troca que está a ocorrer;
2. Individualização: Tratam a pessoa como única e valorizada;
3. Orientação futura: Eles sinalizam que a relação continuará.
"Estes sinais somam numa mensagem que pode ser descrita com uma única frase: ‘Aqui estou seguro’. Procuram notificar os nossos cérebros sempre-vigilantes de que podem deixar de se preocupar com os perigos e passar para o modo de ligação, uma condição chamada segurança psicológica".
Para que o sentimento de pertença amplie depois a performance, Pentland apresenta mais 5 fatores medíveis:
1. Todos no grupo falam e ouvem de forma aproximadamente igual, mantendo as contribuições curtas.
2. Os membros mantêm elevados níveis de contacto visual, e as suas conversas e gestos são enérgicos.
3. Os membros comunicam diretamente uns com os outros, e não apenas com o líder da equipa.
4. Os membros continuam a manter conversas de retaguarda ou de lado dentro da equipa.
5. Os membros separam-se periodicamente, exploram fora da equipa, e trazem informações para partilhar com os outros.
Competência 2. Partilha de vulnerabilidade
Dá conta do modo “como os hábitos de risco mútuo conduzem a uma cooperação de confiança”, com base na ideia de que "as culturas fortes não escondem as fraquezas; antes as partilham para poderem melhorar em conjunto". Precisamos da segurança para nos ligar uns aos outros, para sentir a pertença ao grupo, mas é a partilha de vulnerabilidade que transforma a mera ligação em total confiança.
Coyle trabalha neste domínio o modo com os SEAL realizam um exercício de revisão em equipa após as missões, chamados de “After-Action Review” (AAR) que se definem por momentos de discussão franca, humilde com bastante desconforto, mas candura para que a abertura aconteça e se possa discutir o que verdadeiramente correu mal e discutir entre si como melhorar na próxima, partindo de 5 grandes questões:
"Quais eram os resultados pretendidos?
"Quais foram os resultados obtidos?
"O que causou os nossos resultados?
"O que faríamos da mesma forma na próxima vez?
"O que faremos de diferente?"
Apesar de ser uma Review, não existem notas, apontamentos ou gravações, é pura conversa entre pessoas, de total abertura. Cooper, dos SEAL, explica como acontece um momento destes:
“Rank switched off, humility switched on. You’re looking for that moment where people can say, ‘I screwed that up.’ In fact, I’d say those might be the most important four words any leader can say: I screwed that up.
Good AARs follow a template. “You have to do it right away,” Cooper says. “You put down your gun, circle up, and start talking. Usually you take the mission from beginning to end, chronologically. You talk about every decision, and you talk about the process. You have to resist the temptation to wrap it all up in a bow, and try to dig for the truth of what happened, so people can really learn from it. You have to ask why, and then when they respond, you ask another why. Why did you shoot at that particular point? What did you see? How did you know? What other options were there? You ask and ask and ask.
The goal of an AAR is not to excavate truth for truth’s sake, or to assign credit and blame, but rather to build a shared mental model that can be applied to future missions.
Look, nobody can see it all or know it all. But if you keep getting together and digging out what happened, then after a while everybody can see what’s really happening, not just their small piece of it. People can share experiences and mistakes. They can see how what they do affects others, and we can start to create a group mind where everybody can work together and perform to the team’s potential.”
Mas Coyle vai além da lógica mais ou menos espontanea e baseada nos laços de partilha e pertença, identificando em duas equipas de enorme valor — IDEO e Bell Labs — pessoas que conseguem de algum modo produzir o efeito da vulnerabilidade e assim conduzir os grupos ao melhor de si. No caso de Bell Labs, por onde passaram nomes sonantes como Claude Shannon (ver "A Mind at Play: How Claude Shannon Invented the Information Age", 2019), além de ser a casa de 9 prémios Nobel. No entanto, aquando de um trabalho de levantamento sobre aqueles na empresa que eram mais produtivos, ou chamados de supercriativos, nada de comum os ligava a não ser a partilha de almoço com Harry Nyquist, alguém praticamente desconhecido. Vale a pena a leitura, deixarei aqui apenas os traços de outra pessoa, Roshi Givechi, com o mesmo perfil, mas a trabalhar na IDEO.
“Officially, Givechi is a designer. Unofficially, her role is to serve as roving catalyst (...) “When teams are stuck, or if there’s a tough dynamic, Roshi is like magic -- She’s incredibly skilled at unlocking teams, asking questions that connect people and open possibilities. The truth is, we don’t quite understand how she does it, exactly. We just know that it works really well.”
(...) On greeting, she makes no attempt to charm—no jokes, no extended small talk. She projects none of the energetic theatricality you encounter with many people in creative work.”
(...) Socially, I’m not the chattiest person,” Givechi says. “I love stories, but I’m not the person in the middle of the room telling the story. I’m the person on the side listening and asking questions. They’re usually questions that might seem obvious or simple or unnecessary. But I love asking them because I’m trying to understand what’s really going on.”
(...) She does her research, mostly through conversations, to learn the issues the team has been wrestling with, both from a design perspective (what are the barriers?) and from a team-dynamics perspective (where is the friction?). Then with that landscape in mind, she gathers the group and asks questions designed to unearth tensions and help the group gain clarity about themselves and the project. The word she uses for this process is surfacing.”
(...) When you talk to Givechi’s colleagues, they point out a paradox: She is at once soft and hard, empathetic but also persistent.”
“There’s always a moment with Roshi,” says Peter Antonelli, a design director. “There’s a spirit of provocation constantly at play, to nudge, to help us think beyond what’s immediately in front of us. And it usually starts with questioning the big obvious things. It’s never confrontational—she never says, ‘You’re doing the wrong thing.’ It’s organic, embedded in conversation.”
“When she speaks, she constantly links back to you with small phrases—Maybe you’ve had an experience like this…Your work might be similar…The reason I was pausing there was…—that provide a steady signal of connection. You find yourself comfortable opening up, taking risks, telling the truth.”
Coyle sintetiza o trabalho de Roshi Givechi, e Nyquist, da seguinte forma:
"O interessante das perguntas de Givechi é o facto de serem transcendentemente simples. Têm menos a ver com design, e mais a ver com a ligação emocional profunda: medo, ambição, motivação. É fácil imaginar que em mãos diferentes estas perguntas poderiam cair por terra e não despertar qualquer conversa. Isto porque o verdadeiro poder da interacção está localizado na sinalização emocional bidireccional que cria uma atmosfera de ligação que suporta a conversa".
Competência 3. Estabelecer Fins
Dá conta do modo como “narrativas criam objetivos e valores partilhados”, Coyle fala de “narrativas vívidas que funcionam como sinais GPS, guiando o grupo para o objetivo". Ou seja, tem de existir um propósito claramente identificado para que todos possam seguir juntos. Coyle fala do modo como Portugal lidou com o hooliganismo no Euro 2004.
O objetivo ou missão tem de ser conciso, centrado e fácil de lembrar. Coyle dá conta do modo como construir essa narrativa:
Classifique as Prioridades
Definir o que é mais importante para a equipa
Ser mais claro do que pensa que precisa de ser.
Ter a certeza que todos compreendem o sentido da mesma forma.
Decidir onde irá apontar para a proficiência e onde irá apontar para a criatividade.
Definir áreas em que as competências são fundamentais, mas oferecer espaço de liberdade e autonomia à equipa.
Abrace as frases de ordem.
Usar jargão próprio, criar pertença
Medir o que é importante.
Apontar o dedo a problemas aumenta a visibilidade dos mesmos e a possibilidade de se repetir. O reforço deve ser feito no que importa.
Focar em comportamentos de exemplo
É preciso identificar comportamentos específicos que levarão ao objectivo.
Em género de síntese, de todo o livro, deixo uma frase que resume o que se pretende, ou melhor, o que garante a harmonia de grupo:
“One misconception about highly successful cultures is that they are happy, light-hearted places. This is mostly not the case. They are energized and engaged, but at their core their members are oriented less around achieving happiness than around solving hard problems together. This task involves many moments of high-candor feedback, uncomfortable truth-telling, when they confront the gap between where the group is, and where it ought to be.”
Referências
"A Mind at Play: How Claude Shannon Invented the Information Age", 2019
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