Trago um conjunto de reflexões que me foram proporcionadas pela interação de argumentos apresentados por três livros: "The Professor's House" (1925) de Willa Cather, "Leonardo Da Vinci" (2017) de Walter Isaacson, e "A Mind at Play" (2017) uma biografia de Claude Shannon. Porque continuamos a lutar todos os dias? Porque nos sacrificamos? Porquê ter desejo, sentir dor e prazer. Porquê? Para quê? Para quê avançar na educação e construir uma sociedade altamente educada, capaz de proporcionar a si mesma grande conforto, quando tarde ou cedo acabará por colapsar, por razões internas ou externas, mas reduzida a escombros de onde outras terão de voltar a emergir quase do zero?
A resposta parece apontar para a desistência, um niilismo, dada a insustentabilidade de qualquer dos argumentos. Mas se isto nos toca no fundo, e agita o que pensamos e repensamos diariamente, sabemos que a resposta não pode ser o NADA. Algo em nós anseia por mais do que o nada, e procuramos conhecer o que existe para além desse nada. A resposta, parece estar na análise dos nossos antepassados, pessoas que encontraram respostas contra esse nada e que viveram segundo essas mesmas respostas.
Neste sentido, e por fruto do mero acaso, calhou ler "Professor's House" durante o tempo em que andava a refletir sobre a biografia de Leonardo Da Vinci, daí que tenha concluído que na nossa história nenhuma outra pessoa poderia ser melhor antídoto para o nada. Não porque deu respostas aos "porquês", mas exatamente porque quando olhamos para a sua vida percebemos que essa pergunta não faz sentido. Leonardo nunca se questionou porquê, passou toda a sua vida, até à morte, a questionar-se sobre o como. A sua curiosidade por saber como o mundo funcionava era infinita. Foi por isso mesmo que acabei concluindo que Leonardo não era um artista, mas um designer. A arte foca-se excessivamente nos porquês, enquanto o design está totalmente focado nos como. Esta mesma ideia é apadrinhada pela leitura da biografia de Claude Shannon, um engenheiro por natureza, com um espírito de "tinkerer", muito próximo do designer Leonardo, sempre em busca de respostas aos como.
Por outro lado, Willa Cather traz ainda para a discussão a pressão constante a que a Universidade está sujeita pela sociedade e seus políticos, no sentido de apresentar resultados quantificáveis e medíveis, justificadores do investimento público (repare-se que o texto é de 1925). Contudo ao colocarem esta pressão sobre quem investiga, retiram-lhe a essência, destroem-lhe a curiosidade e o engenho. O sujeito investigador, passa a questionar-se sobre o porquê de fazer o que faz, para quê? Sabe que é para melhorar a sociedade, mas sabe que isso é parte de um formalismo político. Dentro de si, existe um sujeito, um indivíduo, e trabalhar para o suposto bem comum é relevante, mas não chega para apaziguar a constante interrogação interna.
“Both, with all their might, had resisted the new commercialism, the aim to “show results” that was undermining and vulgarizing education. The State Legislature and the board of regents seemed determined to make a trade school of the university. Candidates for the degree of Bachelor of Arts were allowed credits for commercial studies; courses in bookkeeping, experimental farming, domestic science, dress-making, and what not. Every year the regents tried to diminish the number of credits required in science and the humanities. The liberal appropriations, the promotions and increases in salary, all went to the professors who worked with the regents to abolish the purely cultural studies. Out of a faculty of sixty, there were perhaps twenty men who made any serious stand for scholar (..) They were, moreover, the only two men on the faculty who were doing research work of an uncommercial nature, and they occasionally dropped in on one another to exchange ideas.” Willa Cather, (1925). “The Professor’s House”
Leonardo é hoje imensamente reconhecido pelas suas obras de arte, e no entanto aquilo que o manteve vivo toda a sua vida foram os seus cadernos, a sua investigação sobre o design do mundo — da água à anatomia, do voar aos engenhos militares. Nada do que fez nesses ramos teve qualquer valor para a sociedade, porque nada disso foi publicado em forma ou tempo útil, obrigando aos que o sucederam a terem de redescobrir tudo. Mas se olharmos ao caso de Claude Shannon, o responsável por todo o pensamento que sustenta aquilo que hoje designamos por Sociedade da Informação e Comunicação, nada do que fez alguma vez foi feito com o intuito de criar a Informática ou a Internet. Ambos, Leonardo e Shannon, moveram-se apenas e só pela mais pura e absoluta curiosidade, um é hoje imensamente admirado, o outro mudou o mundo.
Se continuarmos a obrigar os professores-investigadores universitários a focarem-se na produção de artigos em massa e na angariação de projetos apenas em função do retorno financeiro, por mais científicos que sejam, não só conduziremos estes professores-investidadores para o niilismo, matando a sua curiosidade, como os seus resultados não passarão de produtos em série, conduzindo a Universidade ao estatuto de simples fábrica, condenando-a, tarde ou cedo, ao colapso.
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