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Numa primeira análise, isto parece algo bastante simples. Se olharmos para jogos como Grand Theft Auto (GTA) ou The Sims, vemos que está lá tudo, os locais, os adereços, os personagens, tal como se fosse uma "casinha de bonecas" à espera que nós simplesmente lancemos a ordem, "Acção". Mas na realidade as coisas são muito mais complexas que isso. Claro se quisermos ir além do que vemos no jogo, de outro modo podemos aproveitar o que está feito e limitar a nossa história a isso mesmo.
A complexidade advém do simples facto de que tudo está desenhado para funcionar de uma determinada forma no jogo. Os personagens possuem comportamentos pré-determinados, assim como as câmaras que apontam sempre em direcção à acção do jogo. Para se poder alterar este modo de funcionamento é necessário entrar dentro da programação, ainda que alguns editores gráficos possam dar uma ajuda. No caso de alguns jogos como o GTA a comunidade online chega a desenvolver os próprios editores de controlo do mundo virtual e essencialmente partilha imensas técnicas de como conseguir obter determinados atributos do jogo nos fóruns da especialidade. De qualquer modo continua a existir aqui um grande desafio para quem cria que passa pela necessidade de competências tecnológicas e ao mesmo tempo sensibilidade cinematográfica para poder criar um objecto de qualidade.
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Trailer de The Trashmaster (2010) de Mathieu Weschler
Mathieu Weschler licenciou-se em Cinema na Universidade de Bordeaux, e depois em vez de se dedicar à dissertação de mestrado sobre As Mulheres no Cinema de James Cameron, dedicou-se à criação de curtas e daí passou à publicidade [1]. O seu enorme desejo e motivação para fazer uma longa, e as complexidades do mercado cinematográfico, levou-o a aceitar a possibilidade de o fazer com o motor de jogo de GTA IV.
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Podemos dizer que o que Weschler fez, é verdadeiramente colossal. Olhar para isto e pensar que tudo se pode fazer porque o jogo traz tudo feito, é pura ilusão. Não foi por vontade do autor que isto demorou um ano e meio a criar. Estamos a falar de muitos truques, astúcias e técnicas para se conseguir obter o que temos aqui. Estamos a falar de muito conhecimento acumulado sobre a linguagem cinematográfica. Para terminar, de uma enorme motivação e vontade de fazer.
A montagem que hoje vemos online, é a 7ª, as anteriores serviram para ser apresentadas a grupos de amigos que deram sugestões de alteração. Não esqueçamos que esta é uma obra totalmente criada na reclusão e isolamento da relação entre o criador e o seu computador.
Fotograficamente e apesar de não ter gostado propriamente da opção pelo excessivo cinzento originado pelo nevoeiro, é muito bom. Cria um universo próprio, uma atmosfera clara e definida que só a este filme pertence e acima de tudo é coerente.
A montagem socorre-se do convencionalismo do cinema de acção de Hollywood, desse modo soa menos criativa, mas não deixa de impressionar pela qualidade técnica. O mesmo acontece com a banda sonora que nos embebe num modo totalmente padronizado pelo cinema americano. Como se pode depreender desta análise que aqui faço as influências, assumidas pelo criador, são: Michael Mann, Scorsese, Spielberg, Coppola, De Palma e Fincher.
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O menos conseguido são os últimos 20 minutos. Já não é nada fácil fazer aquilo que o autor se propôs no cinema tradicional. O tema da perseguição em cinema, é algo que exige competências elevadas de montagem mas acima de tudo de previsualização mental dos eventos e da sincronização das acções. Mas aqui torna-se tudo mais complexo, porque não é fácil recriar os movimentos de câmara e de personagens necessários para a produção de continuidade e assim de sentido do que está a decorrer no ecrã.
The Trashmaster ganhou entretanto o grande prémio no Festival Atopic du Machinima, em Paris. E deverá concorrer agora a outros festivais mais tradicionais. Welscher refere em entrevista que o que mais deseja, é ver as criadores de jogos a continuarem a disponibilizar as ferramentas para aceder aos conteúdos de jogo, e deixa como porta aberta para futuro projecto, caso veja a ser disponibilizado um editor, um machinima de Red Dead Redemption (2010).
Interessante verificar que estes trabalhos não são feitos à revelia dos criadores dos motores de jogo, e são mesmo reconhecidos por estes, neste caso a Rockstar como criadora de GTA IV, já veio dizer que The Trashmaster é um "stunning accomplishment".
E claro para que tudo isto seja ainda melhor, nada mais do que poder ver o filme já e de modo inteiramente gratuito, através do Daily Motion. Abaixo está o filme completo com 1h28.
[1] Entrevista com Mathieu Weschler
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