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dezembro 07, 2019

A criatividade fruto das ciências e humanidades

Edward O. Wilson é um célebre biólogo americano com uma extensíssima carreira. Académico em Harvarde de 1956 a 1996, continua ainda hoje a desenvolver trabalho, estudos e a escrever livros, depois de ter feito 90 anos em junho deste ano. Apesar da sua área ser as ciências naturais, Wilson é reconhecido pela sua enorme multidisciplinaridade, tendo defendido métodos para aproximar e conduzir à convergência, as ciências e humanidades, no seu livro “Consilience: The Unity of Knowledge” (1998). Este “The Origins of Creativity” (2017) é apenas um dos 16 livros que Wilson escreveu já neste século, depois de se ter reformado de Harvard.
Contextualizado o autor, perceber-se-á melhor a razão do interesse deste livro e simultaneamente a decepção. “The Origins of Creativity” não é, nem de perto, um livro sobre criatividade. É mais a soma de um conjunto de textos soltos, arrolados por interesses próximos e publicados no formato de livro. Deste modo, ao longo do livro encontramos ideias de grande relevância e impacto, contudo por não existir um trabalho cuidado de edição das ideias, estas acabam por nunca ser devidamente aprofundadas, e nalguns casos, algumas das questões levantadas nunca chegam sequer a ser respondidas. Por outro lado, o livro apresenta uma linguagem bastante acessível e Wilson é inexcedível em fornecer exemplos das mais variadas áreas, demonstrando a sua enorme erudição.

O foco do livro está todo na evolução do Homo Sapiens, dirigido à questão que já tinha tentado responder em "Consilience": como é que podemos juntar as ciências e humanidades? Para Wilson é evidente que não existe criatividade sem ambos os lados, contudo os perfis mais criativos tendem a conviver melhor com a mescla e fusão de ambos os lados, o que não acontece quando se está demasiado colado a um dos perfis apenas. Wilson diz ter uma proposta para juntar esses lados ou perfis, mas nunca chega a concretizá-la. Existem partes no livro em que parece aproximar-se da proposta de Denis Dutton, de juntar as neurociências e psicologias cognitiva e social nos seus contornos evolucionistas ao interpretativismo das humanidades, algo com que concordo plenamente. Noutras partes, questiona a “obsessão” das humanidades pelo humano (!) frisando que estas deveriam ir além, tal como usar as tecnologias para ver o mundo a partir de outras perspetivas, como por exemplo as capacidades sensoriais de outras espécies (ex. navegação sonora dos morcegos). Wilson chega mesmo a evocar a Realidade Virtual para ajudar nesta senda, mas depois não concretiza, e a proposta é, para quem trabalha no domínio da RV, fruto de mero deslumbramento tecnológico. No último capítulo, “O Terceiro Iluminismo”, Wilson volta a perder-se, lançando supostas grandes questões filosóficas da união entre a ciência e humanidade, que não vão além das mesmas já colocadas por todos aqueles que antes ousaram questionar-se a si mesmos.

No meio de todos estes problemas, surge a superficialidade por meio muitos buracos e pontas soltas, existem contudo vários traços da genialidade de Wilson que aproveito para aqui registar e divulgar. Deixo os excertos em inglês, porque não tenho a versão digital do livro português:

A narração como instantâneo (p.50)
“Postmodern narrations and for that matter all fiction worth its mettle, does what science cannot: it provides an exact snapshot of a segment of culture in a particular place and time. The productions are like photographs that preserve for all time not just the people as they actually seemed, looked, or even truly were, including their dress and posture and facial expressions, but also the surroundings most important to them—their homes, their pets, their transportation, their trails and streets."
(..)
“Fine novels and antique photographs are pixels of history. Put together, they create an image of existence as people actually lived it, day by day, hour by hour, and in the case of literature, the emotions they felt. Finally, they trace some of the seemingly endless consequences that followed. ”

O poder da ciência e a míngua nas humanidades (p.81)
“Our most celebrated heroes are not poets or scientists; few Americans can name even a dozen of either living among us. Our heroes instead are billionaires, start-up innovators, nationally ranked entertainers, and champion athletes.”
 (..)
“Science and technology have been supported massively by taxes from the American people for what is generally considered the public good. (..) The humanities, in contrast, are supported primarily by educational institutions (..) In the competition between science and the humanities for funds provided by the American people, the humanities rank consistently lower than science.”
(..)
“Americans are often reminded that research and development in basic science are good for the nation. That is obviously true. But it is equally true for the humanities, all across their domain from philosophy and jurisprudence to literature and history. They preserve our values. They turn us into patriots and not just cooperating citizens. They make clear why we abide by law built upon moral precepts and do not depend on inspired leadership by autocratic rulers. They remind us that in ancient times science itself was a dependent child of the humanities. It was called “natural philosophy.”
Why then are the humanities kept on starvation rations?
Partly because so much of our available resources are appropriated by organized religions.”

A importância das humanidades (p.177)
“The critic Helen Vendler broadens the key question as well as can be phrased: «If there did not exist, floating over us, all the symbolic representations that art and music, religion, philosophy, and history, have invented, and afterward all the interpretations and explanations of them that scholarly activity have passed on, what sort of people would we be?»
Neither the question nor the answer is rhetorical. ”

janeiro 22, 2023

Game design em "Far Cry 5"

Não ia escrever sobre "Far Cry 5" (2018), pela simples razão de ser apenas mais um jogo de grande orçamento, de uma série que já vai longa, não me parecendo necessário dizer mais do que aquilo que já foi dito pelas várias revistas da área. Contudo, à medida que o tempo foi passando a memória da experiência que permaneceu fez-me voltar a ele vezes sem conta. Por isso aqui ficam alguns elementos que fazem deste trabalho uma obra excecional muito em particular no campo do game design, mas também na arte visual e storytelling. 

abril 07, 2012

A evolução humana e o custo da criatividade

A quarta e última parte da série Everything is a Remix é não apenas a melhor na forma, como a melhor no conteúdo. É um fechamento verdadeiramente inspirador. Apetece seguir em frente, sonhar e criar.  Traz-nos uma discussão que já ouvimos muitas vezes nos últimos anos, mas Kirby vai aqui muito mais longe.



Kirby apresenta um trabalho brilhante de ligação entre a história do Copyright e a Racionalidade Humana. Ficamos a perceber como é que foi possível a evolução de leis que procuravam o Bem Comum para aquilo que agora temos. Kirby volta a trazer-nos casos de remix que demonstram muito claramente que a psicologia das pessoas reage de forma muito diferente, oposta mesmo, quando confrontados com o acto de copiar o outro, e quando por outro lado são eles próprios os copiados.

Já falei antes sobre as questões da criatividade baseada no remix, assim como falei aqui dos problemas da cópia digital. No entanto aproveito para deixar a minha opinião mais em concreto sobre o futuro deste problema, uma vez que o próprio Kirby não apresenta uma solução apesar de reconhecer o problema. Julgo que a única forma de lidar com este assunto passa por adoptar um modelo de protecção com duração bastante inferior ao que existe agora, algo do tipo da duração das patentes. Alguém cria uma obra e tem direito a um tempo curto durante o qual ninguém pode copiar sem pagar, depois disso deve cair no domínio público. Esse tempo curto deve variar de produto para produto.

Uma música não deve ter mais de 3 a 5 anos, assim como um filme, ou jogo. É aberrante que alguém esteja a receber dinheiro de direitos sobre uma música que criou em 1980. É uma total distorção do valor do trabalho, e foi com isto que se conseguiram gerar fortunas imensas, assentes em nada. Como são todos os milhões dados por uma tela de Picasso ou Monet, que não passam de investimentos em nada, retirando moeda de circulação que deveria servir a todos.

Não vou entrar em mais detalhes, vejam porque vale todos os segundos, deixo apenas algumas imagens que sintetizam as ideias principais, e que espero que vos abram o apetite. No final destas imagens está o filme, e se ainda não viram os outros três episódios, aconselho vivamente.




Everything is a Remix Part 4 (2012) de Kirby Ferguson

dezembro 27, 2020

Da inconsequência das nossas vidas

"A Vida Modo de Usar" (1978) de Georges Perec é um clássico muito pouco lido, não só pela dificuldade de suster a leitura ao longo das 500/600 páginas, dependendo da edição, mas também pela dificuldade de chegar ao seu propósito. Enquanto o lia, fui-me dividindo entre as qualificações de obra-prima e obra de artesanato. O domínio da arte de contar histórias é virtuoso, tal como é o domínio da escrita, contudo, todas essas competências parecem, em momentos, estar unicamente ao serviço do mecanismo criado por Perec. É preciso chegar ao final, bater com a cabeça na parede, questionar o que acabámos de ler, relacionar, e voltar a equacionar, para chegar a compreender o substrato escondido e reconhecer o génio do criador.

Considerações Breves

1 - Perec era um estruturalista convicto, tendo pertencido ao movimento OULIPO, criado por Raymond Queneau, a quem dedica esta obra. Este movimento precede o pós-modernismo, podendo confundir-se, mas distingue-se por seguir uma via concreta e distinta: a rigidez estrutural. Ou seja, os criadores não escrevem de forma livre, menos ainda caótica como os pós-modernistas, mas antes o fazem seguindo conjuntos de regras, ou como eles preferem dizer: “restrições de escrita”. Um exemplo máximo disto pode ser visto no livro “La Disparition” (1969), também de Perec, escrito integralmente sem nunca fazer uso da letra “E”.

Placa de Rua francesa, apesar de falsa, criada como homenagem a Georges Perec, em particular ao trabalho "La Disparition", demonstrando a ausência do uso do "E".

Esta abordagem baseia-se na ideia de que a criatividade brota das restrições, por isso se ditarmos constrangimentos ao que pode ser feito isso poderá conduzir o criador a ir além. De certa forma, liga-se ao ditado de que a criatividade nasce da necessidade. Contudo, a abordagem apresenta alguns problemas, como veremos à frente na análise do livro em questão.

2 – O plano estrutural usado para conceber “A Vida Modo de Usar” assenta num corte de perfil de um prédio, que nos permite olhar para todas as peças de habitação do mesmo. Perec esboçou assim um diagrama com 100 quadrados, 10 por 10, com cada quadrado a fornecer o constrangimento ao mundo que pode ser contado (ver imagem abaixo do plano do imóvel). Os quadrados, por sua vez, fornecem não só personagens, mas também elementos para a produção de histórias, que foram produzidas previamente em listas — de quadros, livros, mobiliário, animais, objetos, cores, etc. Os elementos em si, são depois emparelhados em duplas e distribuídos pelo prédio, seguindo uma lógica de grelha, do tipo puzzle de Sudoku. Para a passagem entre cada quadrado, Perec não segue a ordenação numérica, mas faz uso do chamado algoritmo do cavalo, do xadrez, que lhe permite saltar entre quadrados sem deixar rastos de aparente relação no discurso. Todas estas regras podem ser estudadas em pormenor, uma vez que Perec as forneceu, e nos dias de hoje podemos analisar as mesmas na net

Desta forma Perec tinha construído a verdadeira "máquina de fazer histórias", já que os espaços de habitação poderiam dar origem a tudo o que pudéssemos imaginar, e as regras fariam o resto funcionar por si.

3 – Apesar das dezenas de histórias contadas ao longo do livro, existe uma história central, que atravessa todo o livro, e se relaciona intimamente com o trabalho de Perec, e diz respeito à personagem de Bartlebooth, alguém tão rico que nada existia na vida capaz de lhe interessar, por isso encetou um projeto para se manter ocupado por toda a sua vida, este consistiria em: passar 10 anos a aprender a pintar a aguarela, de 1925 a 1935; depois passar 20 anos a viajar pelo mundo, pintando 500 aguarelas, que iria enviando para que fossem transformadas em puzzles, de 1935 a 1955; e por fim, passar os restantes 20 anos a reconstruir esses puzzles, após o que seriam reenviados para o local onde foram pintados, com uma lata de diluente, para que fossem destruídos, de 1955 a 1975.
Repare-se como o trabalho de Perec se vai aproximar do trabalho de Bartlebooth, a construção das telas e o seu recorte em puzzle, para que possam ser reconstruídas e esquecidas pelos leitores do seu livro.


Experiência de Leitura

A - Começar por dizer que se as histórias, individualmente, são interessantes e por vezes até bastante envolventes, na generalidade o processo de leitura de quase 600 páginas sem causalidade concreta entre as dezenas e dezenas de histórias, torna o processo bastante penoso. As regras criadas por Perec parecem só funcionar para si, enquanto criador e organizador dos espaços, já para o leitor, não ajudam nem servem qualquer propósito. 

Esta primeira constatação vem ao encontro de uma das minhas primeiras recusas da premissa de Perec, o puzzle de cartão, por o considerar vazio em termos de jogabilidade. Ou seja, o recorte das peças é irrelevante, já que todo o trabalho se centra na reconstrução mental da imagem em causa. Mas, Perec abre o livro defendendo que o puzzle que lhe importa é o de corte vitoriano, em que o criador do puzzle toma decisões sobre como e onde cortar as peças, ao contrário dos contemporâneos que são cortados por máquinas em peças iguais (ver imagem abaixo). Contudo, isso é mera ilusão, já que não decorre daí qualquer tipo de acrescento ao enigma visual. Repare-se que ou o recorte segue as formas concretas do desenho, e se revela muito facilmente (ver puzzle do mapa da Europa, abaixo), ou então segue modelos de recorte externos à representação (ver puzzle colorido e as formas dos recortes, abaixo) que acabam valendo o mesmo que fazendo uso do recorte automático. 

Efeitos do recorte: à esquerda, recorte mecânico; à direita, recorte manual

Puzzles de recorte vitoriano: à esquerda, um puzzle recortado seguindo com as formas dos países do mapa da Europa; à direita, um puzzle colorido e a imagem das suas peças constituintes, os recortes seguem formas externas às formas da representação final.

Da mesma forma, quando olhamos ao trabalho de Perec, na elaboração dos saltos entre histórias, que são as suas peças do puzzle, tanto faz que ele salte em L, como em Z, ou noutra forma qualquer, não se constrói qualquer causalidade daí, de modo que nada se ganha ou perde, é mero artifício vazio, tal como são os recortes de puzzle.

O algoritmo do cavalo, ou saltos em L. Imagem do filme de animação de Clarence Stiernet

Animação que mostra os saltos em L entre cada uma das peças de habitação do prédio de Perec

B – A relação entre Bartlebooth e Perec acontece na inconsequencialidade. Bartlebooth não tinha interesse por nada, concebeu todo um plano para apenas ter um propósito que o mantivesse vivo, de dia para dia, mas sem qualquer objetivo ou vontade de produzir qualquer resultado efetivo, antes pelo contrário, tudo o que resultasse deveria ser destruído. Perec, de certa forma segue a mesma ideia, criar todo um sistema altamente complexo de construção do romance que servisse apenas este em particular e mais nenhum, mas não objetivasse a nada mais do que a criação do próprio sistema.

Este ponto, é talvez o ponto alto do romance, já que nos lança na mais pura indagação filosófica, nos dois pontos que se sucedem:

B1. Deve um romance ter algo para dizer, ou deve constituir-se num mero enredo de eventos e personagens que nos ajudam a passar o tempo?

B2. Enquanto seres humanos e criativos que somos, devemos almejar a ter uma vida consequente? Devemos nos esforçar para deixar a nossa marca? Servir de exemplo e deixar um legado que sirva quem vem atrás? 

A edição portuguesa da Editorial Presença, de 1989, apresenta a belíssima tradução de Pedro Tamen


Conclusão

Olhando aos dois pontos, A e B, a resposta torna-se por demais evidente, apesar de eu só agora, após ter escrito estas linhas, ter visto essa evidência de forma cristalina. Assim, as histórias das nossas vidas não vivem da causalidade, porque não vivemos num mundo predeterminado, antes vivemos numa realidade regulada pelo acaso. Como tal, construir todo um conjunto de regras, com base num conjunto de crenças ou valores rígidos, para com isso chegar a produzir o nosso legado, seja para os nossos filhos ou para a humanidade, é totalmente inconsequente, para não dizer uma perda de tempo.

Georges Perec

Por isso, o título da obra, para a qual não se encontra explicação nas dezenas de histórias contadas, surge do resultado vazio da amálgama final. Perec, como todos aqueles que algum dia se dedicaram a criar algo, questiona aqui a razão essencial de todo o processo de criação humana.

De certa forma, o resultado deste texto liga-se ao que nos foi proposto pela Pixar, através do filme “Soul” (2020) de que aqui dei no dia de Natal. Contudo e paradoxalmente, aquilo que as duas obras fazem é ecoar pela Eternidade o pensamento de Epicuro.

março 15, 2011

Festival Fast Forward 2011

O Fast For­ward é um fes­ti­val de cur­tas metra­gens orga­ni­zado pela Velha-a-Branca em parce­ria com o The­atro Circo de Braga em que os con­cor­rentes são con­vi­da­dos a realizar um filme, com máximo de 3 minutos, em 24 horas, respeitando um tema aleatoriamente atribuído a cada equipa. Julgo que o conceito é não só apelativo como um verdadeiro estimulo à criatividade. Nesse sentido pedi a um aluno meu que participou no festival, o Paulo Sousa, para me relatar um pouco sobre como é passar por estas 24 horas de produção artística e também que respondesse a algumas questões.

Se realizei esta pequena entrevista foi porque considero que o trabalho apresentado pela sua equipa apresenta grande qualidade desde a fotografia, direcção de actores, selecção de décors, selecção de música, ao guarda-roupa, tudo é tratado de forma muito consistente. Existe toda uma coerência estética com a storyline dada - "a história de uma cadeira que está agarrada a um homem que está agarrado ao poder" - que coloca este filme num patamar muito acima do filme que ganhou o evento (ver final do artigo).



É Meu e Não o Largo (2011) produção da umaCena


Quanto tempo demorou a fazer e como decorreu o processo?
Na passada sexta-feira às 17h foi-nos atribuído um tema para o qual tivemos de criar uma sinopse, um argumento, guião, storyline, rodagem e edição até ao dia seguinte à mesma hora, num contra-relógio louco! O processo de desenvolvimento foi feito da seguinte forma: fizemos um brainstorming com quase todos os elementos da umaCena a partir das 17h30m até sensivelmente as 00h; por experiência de outros anos, optámos por nunca voltar atrás quando uma decisão é tomada. Desta forma surgiu a ideia para o argumento, a escolha das cenas, o storyboard e o plano de rodagens. Depois filmámos 6 cenas de interior até sensivelmente às 02h30m. Na manhã seguinte acordámos às 06h30m para filmar as cenas de exterior, até as 11h30m. A edição foi feita até às 16h00m; houve bastantes cenas que optámos por não utilizar.

Que material foi utilizado para a criação da curta?
Hard: Canon 5D Mark II; LED Light Panel; 2 tripés; gravador áudio Zoom H4n; filtros; reflector; iMac 27 pol.2,8GHz.
Soft: Final Cut Pro; Adobe Audition 3.0; Adobe After Effects CS5

Quanto foi investido no total da produção?
O dinheiro investido rondou os 100 euros.

Quem esteve por detrás da produção?
A umaCena é um grupo de jovens com formação em áreas diversas como o Design, a Fotografia, Arquitectura, Comunicação, Audiovisual e Multimédia, Estudos Culturais, mas também de outras áreas menos ligadas às artes. É um projecto recente, surgido espontaneamente no início deste ano, da vontade dos seus membros de criarem e abanarem a pobre realidade cultural de Braga. Está também associada à rádio online para a qual desenvolvi no semestre passado o site em Flash para o Atelier. Estamos a desenvolver um site para divulgação dos trabalhos e das actividades que desenvolvemos; para já apenas dispomos de uma página no Facebook e no Vimeo.

Que papeis desempenharam cada um?
Os trabalhos foram essencialmente divididos entre o Adriano Borges, a Helena Gomes, eu e o Telmo D. Moreira. A Direcção de Fotografia foi da responsabilidade do Adriano Borges com o meu apoio e do Telmo, a direcção geral a cargo da Helena e a direcção de actores também, com o meu apoio. A edição de imagem foi feita pelo Telmo e a de som foi feita por mim.

Que formações têm?
O Adriano Borges é licenciado em Tecnologia da Comunicação Audiovisual no Instituto Politécnico do Porto; o Telmo D. Moreira, também é licenciado naquela instituição. A Helena é licenciada em Medicina Veterinária. Eu e a Laura Machado somos de Ciências da Comunicação.


PREMIADOS FAST FORWARD PORTUGAL 2011

prémio júri — filme C5 “Um Dia Nor­mal” / equipa 01
prémio cria­tivi­dade — filme E3 “Troca(dilho)” / equipa 15
menção hon­rosa — filme A9 “É Meu e Não Largo” / equipa 13
menção hon­rosa — filme D2 “Vê-me Nos Teus Son­hos” / equipa 14
menção hon­rosa — filme E1 “Troca Por Troca” / equipa 17
prémio público — filme C5 “Um Dia Nor­mal” / equipa 01


Filme vencedor do Júri e Público "Um Dia Normal”



UPDATE 15.03.2011 23h00:

Chegou-me mais um filme realizado por alunos do nosso mestrado em Audiovisual e Multimédia para o festival deste ano. Neste caso de um grupo que dá pelo nome de Bróculos (já aqui tinha falado deste grupo quando fizeram o seu trabalho de fim de licenciatura no ano passado). É mais um trabalho muito bem conseguido, em cerca de 2 minutos conseguem criar a atmosfera desejada e transportar-nos para o interior do jogo narrativo. Aposta num género, o thriller, que é menos interessante para estes festivais que normalmente buscam mais a simplicidade e o optimismo da comédia.



O Diabo e o Anjo (2011), produção dos Bróculos

dezembro 30, 2022

Máquinas de contar histórias

"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académicos na área da aprendizagem e criatividade IA, dizem-nos que o livro começou a ser preparado em 2001, por isso não se espere aqui um tratado sobre o enorme potencial aberto pelos sistemas GPT, que apesar de serem abordados representam apenas uma pequena parte da discussão.

janeiro 11, 2013

mais vendidos, menos criativos

Os 10 jogos mais vendidos nos EUA são todos sequelas, não existe um pingo de risco, inovação ou criatividade nesta tabela. Depois de ainda no ano passado o Short of the Week ter feito uma análise sobre a evolução do fenómeno das sequelas no cinema, podemos ver que o fenómeno extravasou o campo do cinema, e infestou completamente o domínio dos videojogos. Este é um fenómeno que à luz das novas correntes de transmedia merece um estudo em profundidade, com categorias de análise que se foquem sobre o social, o psicológico e o criativo.


Os 10 jogos mais vendidos nos EUA em 2012
  1. Call of Duty: Black Ops II (360, PS3, PC, Wii U)
  2. Madden NFL 13 (360, PS3, Wii, PSV, Wii U)
  3. Halo 4 (360)
  4. Assassin's Creed III (360, PS3, PC, Wii U)
  5. Just Dance 4 (Wii, 360, Wii U, PS3)
  6. NBA 2K13 (360, PS3, Wii, PSP, Wii U, PC)
  7. Borderlands 2 (360, PS3, PC)
  8. Call of Duty: Modern Warfare 3 (360, PS3, Wii, PC)
  9. Lego Batman 2: DC Super Heroes (Wii, 360, NDS, PS3, 3DS, PSV, PC
  10. FIFA Soccer 13 (360, PS3, Wii, PSV, 3DS, Wii U, PSP)
Além da falta de criatividade no campo das sequelas, impressiona a total ausência de diversidade das próprias sequelas. Como é possível ter 5 FPS e 3 jogos de Desporto?! É insano. No caso dos jogos de desporto falamos de jogos que já tiveram mais sequelas do que muitas séries têm de episódios. É um óptimo filão este dos jogos de desporto, que todos os anos sai um novo, mudam-se as camisolas, baralha-se e volta-se a dar.

E depois ainda me perguntam porque a minha lista de Melhores Videojogos de 2012 só tem jogos independentes, bem acho que aqui está a resposta sobre aquilo que a indústria nos tem dado. De tanto quererem ouvir os fãs, de quererem criar uma relação com os consumidores, criaram um ciclo vicioso de produção, sem qualidade, e que só poderá conduzir ao declínio da própria indústria.

[via The Guardian]

fevereiro 16, 2019

Paradoxo e Refúgio dos Super-heróis

O universo dos super-heróis, criado em revistas de banda desenhada durante os anos 1930 nos EUA, foi uma das mais brilhantes criações da imaginação e criatividade humanas do século XX, não apenas pelos mundos paralelos e alternativos criados, mas essencialmente por tudo o que representaram para uma sociedade em pantanas, primeiro com uma enorme Depressão Económica (1929), e depois com uma Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para quem tiver interesse em compreender melhor o nascimento deste mundo de ideias, aconselho vivamente a leitura de “As Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay” (2000) de Michael Chabon. No entanto, ao longo dos últimos 100 anos, por várias vezes este universo de super-heróis quase desapareceu devido à ausência de interesse do público. Hoje vivemos uma nova vaga de ouro, talvez a mais intensa de sempre, nomeadamente pela força dos meios audiovisuais comparativamente ao meio da BD. E é sobre esta vaga que quero deixar algumas ideias, nomeadamente sobre o facto de não ter sido o universo de super-heróis a progredir na sua complexidade — tanto em criatividade como em valor social — mas antes parece ter sido a a própria sociedade a regredir, a voltar ao estado inicial que proporcionou o nascimento destes mesmos universos.

Nova Série "Titans" (2019) da Netflix

Para muitos milhões, como para mim, os universos de super-heróis acompanharam-nos na nossa adolescência, um tempo de formação complexo pelos choques e convulsões internas e seus impactos na relação social com o mundo que nos rodeia, nomeadamente família e escola. Contudo, todos nós que por lá passámos, atingimos um momento em que estes universos perderam o seu encantamento, e que sem saber porquê acabámos por nos desligar, desinteressar e esquecer.

Os originais de 1930

As revistas de BD da Marvel Brasil lançadas em Portugal nos anos 1980

Crescemos, os nossos interesses amadureceram, começaram a exigir maior complexidade na análise do real e do social. Os universos de super-heróis já não respondiam às particularidades do sentir e da compreensão de uma vida em mutação, esses universos não cresciam, eram estanques e imutáveis. O Homem-Aranha, o Capitão América, o Super-Homem, etc. tinham sempre a mesma idade, e se alguma vez numa história, um escritor, explorava a possibilidade de morrerem, logo a seguir se exploravam possibilidades de ressuscitarem, porque o filão não podia ser decepado. Percebíamos assim que aqueles com quem nos desejávamos identificar tinham deixado de ser personagens, eram apenas marcas publicitárias, tinham desistido de qualquer relação com o ser humano.

Ou seja, se à medida que crescemos, aprendemos pela experiência dura da realidade, aquilo que a filosofia insiste em querer ensinar-nos, que no mundo, assim como nas nossas vidas e nos nossos Eu, nada se mantém sempre igual, tudo está continuamente em transformação, tudo é devir. No mundo dos super-heróis, sendo tudo já de si fantástico e irreal, é-o também na sua relação com a vida e o seu sentido, e por isso incompatível com modelos mentais de seres-humanos interessados no crescimento de si.
“Tudo é impermanente”
Mandamento budista, tido como principal regulador de toda a sua filosofia (VI a.c.)
“Nada é permanente, exceto a mudança (..)
É impossível entrar duas vezes no mesmo rio (..)"
 
Heraclito, ~500 a.c.
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

Camões, ~1500
“On closer inspection (..) The hardest stone (..) is in reality a complex vibration of quantum fields, a momentary interaction of forces, a process that for a brief moment manages to keep its shape, to hold itself in equilibrium before disintegrating again into dust.”
Rovelli, 2017
Assim sendo, como explicar todo este sucesso renovado, e duradouro, pelos super-heróis no cinema? Analisando o último século destes conteúdos na BD, os seus altos e baixos podem ligar-se a crises de valores e económicas, assim como ao surgimento e desvanecimento de cada geração. No caso atual, tendo em conta a duração do fenómeno, o primeiro filme de super-heróis com sucesso desta vaga foi "X-Men", realizado em 2000, não sendo propriamente fácil identificar um marcador único, até porque o tempo não permite que nos refugiemos nas mudanças de geração como explicação. Fazendo um rápido exercício, podemos dizer que a viragem do milénio teve um enorme impacto cultural, enfatizando valores humanos, identitários e de espécie nos mais vários produtos que foram produzidos entre 1998 e 2003. Por outro lado, em 2001 dá-se não apenas o ataque às Torres Gémeas, mas ocorre também o estouro da bolha financeira Dot.Com. Estes dois eventos que se deveriam começar a desvanecer no final da década, são rapidamente ultrapassados em 2007/2008 com o eclodir de uma Crise Económica de efeitos mundiais, que iria para além da Depressão de 1929, a responsável pela primeira Época Dourada dos super-heróis.


No fundo, a época dourada de super-heróis que atravessamos no meio audiovisual, e que nos oferece infinitos mundos de fantasia, realidades alternativas em que a estabilidade é a constante, onde o impacto e o choque nunca alteram as condições de vida de cada um dos intervenientes, servem de bunkers mentais, refúgios projetados, a uma sociedade que vive na eminência do constante desmoronamento das suas realidades exteriores. O entretenimento, tal como Pascal o definiu, é assim a base que serve ao homem para se afastar do Pensamento de Si.

fevereiro 07, 2011

storytelling: o limite é a imaginação

Na semana passada, no final da minha apresentação sobre Cinema Virtual das 3ª Jornadas da AIM, o colega Martin Dale questionava-me sobre o modo como as tecnologias de virtualização do cinema estão a provocar alterações em termos de storytelling. A isso respondi,
"o modo como essa alteração se operou e continua a operar é na quebra de todas as barreiras e limites à criatividade, tudo o que a nossa mente for capaz de imaginar visualmente é passível de ser traduzido em imagem"
Nesse sentido deixo aqui um filme publicitário que espelha bem isso, saiu já no ano passado mas continua a valer a pena rever.


Claro que depois de ver um filme destes muitas questões ficam no ar, e para percebermos em maior detalhe como estão as tecnologias ao serviço da criatividade e do storytelling nada melhor que ver o making of.

abril 04, 2014

Poema à criatividade e à vida

Grande poema audiovisual de Salomon Ligthelm, um criativo que trabalha em filme e música. Ligthelm recorre ao que melhor sabe fazer, o filme com uma cinematografia soberba e uma música atmosférica, e disserta sobre o cruzamento entre a vida e a criatividade, no pequeno filme "The Great Abyss" (2014).


Quando nos tornamos pais, o nosso mundo muda, o mundo à nossa volta ganha novos sentidos, aprendemos, crescemos, e como diz Ligthelm, "rendemo-nos", mas isso não nos torna menores, antes pelo contrário... Fica o filme, e abaixo o texto que transcrevi.

“I’ve to work hard, to make anything good… Every artist has some form of insecurity… About what they create… Is it good enough? It’s going to stay at the top? Still speak to people? Is it going to loose relevance?

You can’t worry about these things. You have to create, things there are truthful… truthful to yourself, authentic, and honest… and resonant with these experiences and situations that you gone through…

Often wish there I got to hardest things in life. So it makes my heart richer in some layer, questioning my own identity for some reason. I kind of have to deal with my existence being wrapped up by what I do… And I was confronted with that… I realised that when I had a kid… I want to be very okay with being a dad…

‘Have you surrendered yourself to the great abyss’. Have you come to the end of yourself… when you realise it’s not about you… it’s not about all your talents… because all those things form this persuasive reality, where you find all your validation in what you do… and if you surrender yourself to it, then those things don’t become as important, and you find your creativity again. You find out the reason why you create.

Creativity is fathers. It’s not for yourself. It’s to serve others.”

maio 17, 2015

A criatividade digital na encenação de "Marvel vs. DC"

Trago mais um brilhante exemplo de criatividade digital proporcionado pelas tecnologias criativas, um trabalho ficcional que seria impossível de criar apenas há alguns anos atrás, por apenas uma pessoa e em apenas três meses. Saruhan Saral criou um filme de animação que coloca em cena uma batalha tantas vezes imaginada por todos aqueles que seguem o universo dos super-heróis, Marvel ou DC, apesar de ter sido representada em 1996 na série "DC vs. Marvel".





Saral cruzou o melhor que o universo digital tem para oferecer e criou toda a sua própria plataforma criativa. A partir de vários videojogos, nomeadamente "Marvel vs. Capcom 3" (2011) e "Injustice: Gods Among Us" (2013), obteve materiais previamente criados por outros: modelos e animações 3d de vários personagens Marvel e DC; assim como várias excertos audio de vozes. A estes juntou depois cenários, efeitos, e novas animações criadas no Blender. Por fim integrou e compôs tudo no After Effects, para assim poder contar a história que pretendia.

Capa do nº1 da série "DC vs. Marvel" (1996)

Este filme de animação não é um machinima, porque não foi produzido apenas com recurso a materiais a correr em tempo-rela em sistemas de jogo, assim como também não é uma regular animação 3d, é antes fruto da mescla de ambos. Saral não se limita a remisturar materiais pre-existentes, ele recorre a estes para colmatar a dificuldade de modelar personagens tridimensionais de personagens conhecidos, assim como a impossibilidade de criar vozes credíveis, e sobre estes cria de raiz todo um conjunto de novas camadas de materiais, que depois de integrados funcionam como um todo.

"Marvel vs. DC - The Ultimate Crossover" (2015) de Saruhan Saral

O filme em si funciona bastante bem para o género, embora nem tudo me agrade nomeadamente a repetitividade na sucessão de batalhas individuais, que se percebe pela dificuldade que seria integrar múltiplos personagens num mesmo cenário. Os ambientes também não são propriamente muito elaborados. Contudo tendo em conta a metodologia empregue, os recursos humanos, e o tempo, podemos dizer que é um bom trabalho.

julho 31, 2013

como prospera a nossa mente?

Trago mais uma comunicação de Ken Robinson, que não vem dizer nada de muito novo, mas como ele acaba dizendo, é preciso continuarmos a manifestar o nosso ponto de vista, para lutar contra os paradigmas instalados. Compete-nos a nós fazer com que mais pessoas compreendam o que está mal, e porque está mal, para que aos poucos esses paradigmas possam ser alterados.

How to escape education's death valley (2013) Ken Robinson

Ken Robinson aponta três princípios cruciais para que a mente humana possa prosperar, e que vêm sendo contrariados por vários modelos educacionais, tal como o seguido no sistema português, nomeadamente no consulado de Nuno Crato. Vejamos cada um, e analisemos o que estes modelos têm feito no sentido de os promover ou despromover.

Princípio 1. Os seres humanos são intrinsecamente Diferentes.
O que fizemos? Criámos exames e testes que garantem que todos os alunos saberão o mesmo em cada ano, e afunilámos o saber, restringido-o à Matemática e Português. Poderia ser mais irónico? Os exames deveriam, apenas e só, servir fins de diagnóstico do sistema, não podem servir para punir ou gratificar, não podem ser o centro da escola, não podem ser o fim da vida na escola. Quanto à Matemática e Português, questiono-me, como será possível criar atletas de relevo que nos motivem todos os dias da nossa vida, e artistas de qualidade que nos nos façam imaginar o que poderemos ainda vir a ser, se não dedicarmos espaço à Educação Física e às Artes na escola?

Princípio 2. Os seres humanos são intrinsecamente Curiosos.
O que fizemos? Retirámos a autonomia aos professores para desenhar os currículos das suas aulas, e obrigamo-los a seguir tudo o que é emanado do ministério centralizador. Como é possível despertar a curiosidade de cada um, se falo de igual modo para todos, e exijo o mesmo a cada um? De uma vez por todas, compreendam que a profissão de professor, é uma profissão profundamente criativa. Sim, é verdade. Aquela ideia de que quem não sabe fazer, ensina, é uma grande mentira. Porque saber ensinar, é saber fazer algo de bastante concreto. É desenhar a melhor forma de fazer chegar o conhecimento ao outro. É facilitar a aprendizagem do outro.

"What Teachers Make" banda desenhada de Zen Pencils, baseada na performance de Taylor Mali.

A única forma sustentável de facilitar a aprendizagem, é despertando a curiosidade. Já pararam para pensar porque é que gostam de ir ao cinema, porque é que gostam de ler um livro, ou de seguir uma série na televisão? Simples, porque estes artefactos utilizam a arma mais elementar de atrair a nossa atenção, que é atiçar a nossa curiosidade. Passamos todo o tempo que estamos envolvidos com estes artefactos, a questionar-nos, "o que é vai acontecer a seguir?".

E é por isso que a profissão de professor é altamente criativa, porque este tem de ser capaz de desenhar as suas aulas e os seus materiais, de forma a atiçar a curiosidade, de forma a manter o aluno interessado, para que este não se levante a meio da sessão, desista, e vá embora.

Princípio 3. Os seres humanos são intrinsecamente criativos.
Como é que eu posso despertar a criatividade das nossas crianças, se exigir a todas o mesmo, e se as punir por não serem iguais ao vizinho? Ken Robinson diz,
 "Nós criamos as nossas vidas, e podemos recriá-las enquanto as vivemos. É a prática comum de ser um ser humano. É por isso que a cultura humana é tão interessante, diversa e dinâmica (..) Todos criamos as nossas vidas ao longo deste processo incessante de imaginar alternativas e possibilidades, e esse é um dos papéis da educação, acordar e desenvolver esses poderes da criatividade."

outubro 28, 2009

Literacias, discussão pós-congresso

Estive na semana passada no Second European Congress on Media Literacy em Itália onde apresentei e moderei várias sessões e que me permitiram reflectir sobre o que está em causa e o que se move por detrás de tudo isto.

Na verdade nunca consigo deixar de pensar que as questões de literacia são algo que vem de há muitos anos, essencialmente todos os que se interessam pelo estudo do cinema e trabalham na academia sempre tiveram este desejo secreto, de criar uma sociedade "letrada" em imagens visuais e sonoras. Mesmo em Portugal nos anos 70 e 80 assistimos a muita discussão sobre o potencial uso ou criação de currículos para as escolas assentes no vídeo e/ou cinema que nunca deram em nada. E se olharmos para o que ainda temos é ridícula e insustentável a manutenção daquelas disciplinas que dão pelo nome de Educação Musical e Educação Visual que não são mais do que um embuste, um acto deliberado de faz de conta. Devemos ser das sociedades da Europa que apesar de apresentar uma taxa de alfabetismo de quase 100% apresentamos uma ausência gritante de conhecimentos mínimos sobre arte (pintura, escultura, arquitectura, música, cinema, etc.). Esta ausência tem impactos claros e profundos sobre tudo o que poderemos chamar de literacia mínima para lidar com a sociedade actual. Assim não está em causa apenas uma literacia dos Media, e nem uma literacia Digital, antes disso precisamos de uma Literacia Artísitca sem a qual as anteriores ficam coxas.

O que é a Literacia? De uma forma simplificada e dirigida ao primeiro nível de literacia que conhecemos a do texto, a literacia é tradicionalmente definida como um saber "ler e escrever". Para completar este binómio e em consonância com as reais expectativas de um letrado devemos acrescentar uma terceira dimensão a da "interpretação" sem a qual o saber ler “não funciona”. Assim e tendo em conta este triângulo de partida temos que a aplicação de Literacia a qualquer outra dimensão do saber terá de implicar sempre estas componentes, sem as quais não haverá um domínio da literacia desse campo. A proposta apresentada pela Carta Europeia para uma Literacia dos Media , vai nesse mesmo sentido e apresenta os chamados “Três Cs” – “Cultura, Critíca e Criatividade”
Cultura - “Alargar a sua experiência sobre diferentes tipos de conteúdos e formas mediáticas”
Crítica - "Desenvolver capacidades criticas de análise e apreciação dos media”
Criatividade - “Desenvolver capacidades criativas na utilização dos media como formas de expressão, comunicação e participação no debate público”
O que nos parece genericamente bem embora se sinta algum desacordo entre os dois primeiros pontos e dessa forma julgamos que poderemos ser mais específicos e directos ainda. Se olharmos para cima, temos “ler”, “interpretar”, e “escrever”, assim poderíamos ter de uma forma mais genérica:

“Acesso” – “Interpretação” – “Criação”

A este assunto voltarei nos próximos meses com a escrita de um artigo alargado para uma revista científica.

janeiro 08, 2014

Cartazes de cinema: o medo da criatividade

Os cartazes de cinema já foram um ex-líbris da ilustração e composição visual, estampas de imaginação, sonho, magia, e muita criatividade. Com a transformação de Hollywood numa máquina de satisfação de massas à escala global os cartazes não poderiam ficar imunes. Assim aquilo que hoje temos, nomeadamente em termos de filmes de grande orçamento, são cartazes básicos, simplistas, que apenas servem a venda, restando pouco, ou nada, para sonhar.

"Atores de costas" de Christophe Courtois

"Lado a lado de costas" de Christophe Courtois

Para demonstrar isto podemos ver o trabalho do francês Christophe Courtois que se tem dedicado, ao longo dos últimos anos, a reunir cartazes em função da semelhança visual: cor, lettering e motivo. Este trabalho foi entretanto convertido num vídeo, "WTF Happened to Movie Posters?" (2013) por Cecil Trachenburg do canal YouTube GoodBadFlicks, que poderia no mínimo ter citado a fonte no final do mesmo. Se descobri a fonte foi graças ao The Awesomer.

"WTF Happened to Movie Posters?" (2013) por Cecil Trachenburg

Se Christophe Courtois no seu trabalho de colagem visual apenas se dedicou a tornar evidente as semelhanças, Cecil Trachenburg procurou no vídeo explicar a razão por detrás das semelhanças. E para Trachenburg a causa é apenas e só, falta de tempo e dinheiro!!! Será? Mas alguém acredita que um filme que passa mais de um ano em produção (por vezes chega aos três anos) para o qual são desenvolvidos materiais artísticos da mais elevada qualidade visual, em que se investe para cima de 100 milhões de dólares, não tenha tempo nem dinheiro para criar um bom cartaz?!!

Não querendo ser dono da verdade, e tendo em conta o pouco que percebo de marketing e de Hollywood, para mim a razão está enraizada mais no âmago da produção deste tipo de cinema. Estamos a falar de filmes extremamente caros, que precisam de ser vendidos em todo o planeta para gerar retorno suficiente para se pagarem. Estamos a falar ainda de um tipo de produto que é impossível de prever a aceitação das pessoas, pode funcionar muito bem e gerar imenso lucro, ou pode levar um estúdio inteiro à falência. Deste modo, quando se trata de promover o filme, nomeadamente fazer um cartaz, quem é que tem a última palavra? Será o artista ou o marketeer?

"Texto sobre caras" de Christophe Courtois

"Fogo e chamas sobre preto e branco" de Christophe Courtois

A dúvida não existe, o artista aqui é apenas um técnico às ordens do marketeer (formado em gestão), que quer maximizar a venda do seu produto. Para tal um cartaz tem de obrigatoriamente ter os nomes das estrelas, já que são elas o garante da venda. Mas como a venda tem de ser feita em larga escala, o ideal é que apareçam as caras dos atores, e não apenas o texto, porque as massas conhecem as caras, não os nomes. Além disso é muito mais fácil veicular emoções, facilmente compreensíveis prontas a digerir, por via de caras e corpos humanos, do que através de detalhes de ilustração ou fotográficos. Quanto ao resto do cartaz, torna-se quase irrelevante, umas letras por cima das caras pode ser suficiente, ou então encaixá-lo no género. Ou seja na família de modelos que têm sido feitos para os filmes do género, seja acção ou outro. O objetivo é convencer as pessoas de que o filme será tão bom como o outro que viram, já que a capa lhes faz lembrar o anterior.


Desta forma seguindo a familiaridade evita-se o risco de afastar as pessoas pela capa do filme, claro que o reverso da medalha é a erradicação do rasgo criativo, e a ausência de qualquer identidade no cartaz. Para quem hoje quiser sentir essa centelha criativa ligada ao cinema, o melhor será procurar os cartazes feitos por fãs de forma independente. E foi por isso mesmo que Matthew Chojnacki resolveu coligir no livro "Alternative Movie Posters: Film Art from the Underground"(2013) cerca de 200 cartazes de filmes alternativos. Se for do vosso interesse, preparem-se para perder horas a ler (olhar e interpretar) alguns dos mais belos cartazes de cinema alguma vez criados.

maio 19, 2010

Lip Dub na UM

Trago um trabalho de Lip Dub, um formato que parece estar cada vez mais em voga como forma de estimulo à criatividade e estimulo social dentro de grupos organizacionais. Neste caso trata-se do festival organizado pela Universidade do Minho, mais concretamente pela sua Associação Académica e pela Rádio Universitária.

Se coloco aqui o filme não é por terem sido os alunos da Escola da Universidade do Minho onde trabalho, o Instituto de Ciências Sociais, nem é por terem ganho o festival, é porque o considero digno de consideração per se.
O trabalho que podem ver abaixo não se encaixa muito no tipo de trabalhos que aqui trago normalmente muito mais versados na componente formal e visual, na estética e cinematografia, traço ou originalidade. O que este trabalho tem de muito bom é a sua componente coreográfica, de direcção de actores (ainda que deva algo à espontaneidade) e o ritmo audiovisual. Utilizam a estrutura do edifício para iniciar um plano sequência que se prolonga desde a entrada no mesmo até ao topo permitindo assim uma viagem espacial ao espectador que é entre-cortada por constantes coreografias dos alunos que dão vida à viagem e proporcionam uma excelente experiência visual ao corpo da música escolhida.
O trabalho sofre de dois problemas na forma: a fotografia e a trepidação do enquadramento. Se a trepidação seria impossível de ultrapassar com os recursos disponíveis, já a fotografia poderia ter sido toda ela muito mais trabalhada, tanto ao nível da iluminação in loco como depois na pós-produção. Em jeito de recompensa e a demonstrar a capacidade empreendedora dos alunos, estes não se dedicaram apenas a fazer o dubbing mas conseguiram trazer para o seio do filme o próprio intérprete da música e inseri-lo na narrativa do filme.
Fica a nota para um muito bom trabalho realizado de forma colectiva por uma enorme equipa que julgo conseguir atingir por completo o propósito estipulado pelo festival a "promoção das estruturas associativas e culturais da Universidade, a promoção de talentos e o estímulo da criatividade dos alunos da UM em geral". Parabéns.

setembro 04, 2012

Making is Connecting (2011) de David Gauntlett

Making is Connecting: The social meaning of creativity, from DIY and knitting to YouTube and Web 2.0 (2011) de David Gauntlett é um livro fundamental na corrente atual de livros (ex. livros de Clay Shirky ou Charles Leadbeater) sobre os efeitos da nova criatividade potenciada pela internet e mais especificamente pela web 2.0.

"This is a book about what happens when people make things." (p.1)

David Gauntlet forma o seu discurso na base de que as pessoas deixaram de lado o tempo que perdiam com a TV para passarem a criar, a nova era do DIY. E justifica essa vontade de criar com base em dois autores do século XIX que vale a pena ler ou reler William Morris e Jonh Ruskin. Estes acreditavam que o processo industrial de produção em massa era desumanizador porque impossibilitava as pessoas de criar, de experienciar a criação e sentir os efeitos da sua realização, eliminando o pensamento que antes se construía enquanto se fazia.

O fosso não criativo criado no século XX pela TV

Em consonância com a discussão da Revolução Industrial surgiram os movimentos que separaram a arte do artesanato, mas Gautnlet vem agora defender que esta separação não faz sentido, e eu concordo integralmente. A arte é fruto da materialização de ideias, se a materialização e as ideias são boas, só depois o saberemos, à partida são ambas iguais. O artesanato não é um processo industrial como se quis fazer crer, é um processo manual através do qual o criador se constrói enquanto pessoa. Fazer e pensar são inseparáveis.

DIY Arduino helicopter

Gauntlett repesca também Ivan Illich há muito adormecido, e opõem-se a Chris Anderson. Esta sua oposição foi uma das mais interessantes, pois depois de ler Free quase que acreditei, ou quis acreditar que seria tudo assim simples como Anderson nos dita. Mas a realidade é que todos precisam de sobreviver, sem pagamento pelo trabalho criativo, deixaremos de ter trabalho de qualidade, porque as pessoas apenas o poderão fazer nas horas livres. E por isso mesmo a cultura do gratuito porque é digital é desprovida de sentido e apenas sustentável numa lógica de "copia dos outros, mas não a mim".


Uma das coisas que menos acredito em todo este discurso da nova criatividade, é que é muito fácil de construir numa cultura de pessoas com formação superior, mas quando os níveis de literacia baixam, torna-se muito difícil sustentar toda esta cultura produtiva de ideias, porque as ideias não germinam no ar. A Taxonomia de Bloom apesar de dizer respeito à aprendizagem, vista num modelo hierárquico, continua a ser bastante elucidativa sobre o modo como evolui a nossa capacidade para inovar. Não querendo com isto dizer que não existem excepções, basta ver Saramago, mas são excepções, ou melhor extraordinárias excepções.

Taxonomia de Bloom

Gauntlett criou um excelente sítio de acompanhamento do livro que está carregado de informação adicional, extractos do livro e vídeos de conferências suas muito interessantes. Deixo aqui abaixo uma das conferências que tão bem resume todo o seu pensamento. Entretanto no número 22 da revista Comunicação e Sociedade do CECS, dedicado às Tecnologias Criativas e que estou a editar com o Pedro Branco, sairá uma recensão alongada do livro por Elisabete Ribeiro. 

julho 31, 2007

Ciao Michelangelo

A sétima arte perde no mesmo dia dois consagrados monstros europeus. Ainda ontem tinha aqui deixado o pesar pela morte de Bergman e eis que hoje a sua mulher, Enrica Fico, dá a conhecer ao mundo que afinal morreu, ontem também, Michelangelo Antonioni.

Antonioni criou todo um modo expressivo próprio de comunicar através da câmara. Não tão genial na transformação em formas visuais do espaço íntimo introspectivo e cognitivo como Bergman, mas melhor na criação dos ambientes e principalmente das atmosferas onde se encaixavam na perfeição os seus personagens. A imensidão dos espaços abertos combinados com os silêncios "rítmicos" fazem de algumas das suas obras, marcos de referência intemporais, onde sempre se volta para inspirar criatividade e inventividade. Desde Avventura, L' (1960) a Deserto rosso, Il (1964) passando pelo brilhante Blowup (1966) e desembocando naquele que é para mim o seu expoente máximo Professione: reporter (1975). Antonioni teve uma carreira dividida entre o mercado europeu e americano e porventura isso poderá fazer dele um dos autores que melhor soube fazer uso da criatividade e originalidade europeias com a grande tecnicidade de contar histórias do cinema americano.

Como pensador profundo da arte fílmica Antonioni deixa-nos algumas ideias que foram sendo publicadas em entrevistas e que aqui deixo apenas em formato de citação. Nestas citações pode ver-se a preocupação de construção do set, que para ele envolvia ambientes e personagens num todo.
I mean simply to say that I want my characters to suggest the background in themselves, even when it is not visible. I want them to be so powerfully realized that we cannot imagine them apart from their physical and social context even when we see them in empty space.

Till now I have never shot a scene without taking account of what stands behind the actors because the relationship between people and their surroundings is of prime importance.

You know what I would like to do: make a film with actors standing in empty space so that the spectator would have to imagine the background of the characters.

Mais informação sobre Antonioni
- Biografia na Senses of Cinema, por James Brown
- Chatman, Seymour, (1985), Antonioni, or, The Surface of the World, University of California Press

fevereiro 07, 2022

"Syllabus" de Lynda Barry

Lynda Barry recebeu a MacArthur Fellowship em 2019, com 63 anos, com a seguinte menção: "Inspiradora do envolvimento criativo através de trabalhos gráficos originais e de uma prática pedagógica centrada no papel da criação de imagem na comunicação". Acabei de ler o seu livro "Syllabus: Notes from an Accidental Professor" de 2014 e fiquei completamente convencido do enorme valor desta professora da Universidade de Wisconsin-Madison da área de Criatividade Interdisciplinar. A sua forma de estar e trabalhar com os seus alunos é uma inspiração para quem quer que acredite no poder da arte e criatividade humanas.