março 18, 2017

“The Undoing Project”, 12/2016

O novo livro de Michael Lewis, autor do enorme sucesso “Moneyball” (2003) passado a filme homónimo em 2011 com Brad Pitt, é uma montanha russa de emoções. Usando como tema de fundo a amizade entre dois cientistas que revolucionaram a psicologia, Lewis leva-nos a conhecer o duo, dando conta de toda a sua genialidade sem descurar todas as fragilidades humanas. As páginas viram-se por si porque Lewis conta como poucos sabem contar uma boa história. É verdade que embeleza, que temos de ir colocando algum sal nos heroísmos, sonhos e facilidades que tão a jeito se colocam para nos lançar nos turbilhões emocionais, mas isso faz parte da arte do storytelling. Lewis não é um historiador, não está à procura da certeza absoluta, nem da total evidência daquilo que diz, Lewis é um contador de histórias, e usa toda a sua arte para nos inebriar e interessar pelo mundo da investigação científica.

Amos Tverski e Daniel Kahneman, nos anos 1970

Daniel Kahneman tem hoje 83 anos, fugiu, com a sua família de Paris, ao Holocausto e chegou a Israel em 1946. Licenciou-se, com um major em Psicologia e um minor em Matemática, praticou psicologia e aprendeu a arte da investigação nas forças armadas israelitas. Nos anos 1960 iniciou o seu trabalho científico de fundo com um outro psicólogo matemático, Amos Tverski. Juntos, de Israel à Ivy League americana, transformariam a Psicologia e em consequência a Economia, levando ao desenvolvimento de uma área científica totalmente nova, a Economia Comportamental. Tverski morria de cancro em 1996 deixando Kahneman sozinho para receber o Prémio Nobel de Economia em 2002. Esta é a história que nos conta Michael Lewis, e que pelos ingredientes facilmente se poderá depreender que não faltam conflitos, medos e alegrias para criar interesse na leitura.


Apesar de acreditar no livro como um excelente relato de proezas científicas, preenchido por uma boa componente humana que lhe confere grande empatia, recomendaria a qualquer leitor, se quiser extrair o máximo desta leitura, a ler primeiro “Pensar, Depressa e Devagar” (2011). Este é o livro que Daniel Kahneman e Amos Tverski tinham decidido escrever juntos, mas só acabaria por acontecer já depois da morte de Tverski e depois do Nobel. É um livro de divulgação científica, que abre o conhecimento complexo à leitura de leigos. E é um livro que não tenho parado de recomendar e recomendar a todos, porque é um livro que muda a forma como vemos o mundo, desde logo como nos vemos a nós mesmos. Daí que compreendendo melhor o alcance do trabalho de Kahneman e Tverski e admirando-o, aumenta consideravelmente o prazer desta leitura. Em “The Undoing Project” Lewis dá conta das principais teorias desenvolvidas e sua relevância, mas é no livro de Kahneman que podem encontrar uma porta segura para se iniciarem.

De forma muito resumida, Kahneman e Tverski são responsáveis por uma mudança de 180º na forma como passámos a encarar os seres humanos, de seres racionais a seres emocionais, nomeadamente em tudo o que tem que ver com o modo como se processa a tomada de decisões. Até ao surgimento do trabalho desta dupla, os modelos dos economistas criavam previsões partindo do princípio de que os seres humanos eram profundamente racionais, que agiam baseados em conceitos probabilísticos, capazes de quantificar os ganhos e as perdas, e tomar decisões lógicas nas suas vidas. Kahneman e Tverski demonstraram que os seres humanos são tudo menos isso, que a racionalidade não está nunca separada da emocionalidade, e que existe um conjunto de processos que toldam e enviesam o modo como vemos e compreendemos o mundo.

Lewis ao longo do livro vai usar toda a psicologia da dupla para nos dar conta da história de amizade que os levou a manterem-se juntos por mais de uma década, e depois novamente na hora da morte de um deles. Lewis podia ter-se focado sobre os processos de criação em duo, algo que sabemos bem ser imensamente complexo, contudo acabou por se concentrar mais sobre a amizade entre ambos, sobre o modo como se entendiam e aceitavam, sobre o como os opostos se atraem. Lewis cria uma quase história de amor, carregada de poética, beleza e sonho, capaz de produzir uma intensa carga inspiracional em quem lê. Não poderia recomendar mais.

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