Acaba de ser publicado um pequeno texto com uma leitura sobre o modo como funciona o pensamento crítico a partir de uma análise do videojogo "Twelve Minutes" (2021), no nº2 do journal Hipothesis Historia Periodical. Neste texto dou conta do modo como criamos significado do mundo a partir de processos de comparação e depois aplico esses processos cognitivos ao modo como interpretamos e trabalhamos a resolução do videojogo. Está em acesso aberto.
novembro 30, 2022
"Twelve Minutes" (2021)
novembro 28, 2022
O Passageiro (2022)
16 anos depois de “A Estrada” (2006), e agora com 89 anos, Cormac McCarthy regressa com uma "portentosa" força narrativa. No campo da história pode haver alguma desilusão porque o enredo avoluma-se, mas nunca se chega a desenrolar. Contudo para um autor que chega a esta idade no ativo, mais importante do que ter algo para dizer, será a forma de o dizer, e nesse campo Cormac impressiona. Temos uma estrutura modular que se vai afirmando por meio de pedaços soltos de exposição que aos poucos vão desdobrando o espaço e o tempo, permitindo-nos reconstruir o mundo-história. Nada disto é novo, o que é novo é a particularidade do método de exposição que é maioritariamente feito por via da conversação. Praticamente tudo o que sabemos, sabemo-lo através das infinitas conversas de Bobby Western com todos aqueles com quem se cruza. Para alguns leitores, são um excesso divagante, contudo são estas conversas o cerne do livro, sem elas não seria possível todo este fluxo narrativo a acontecer sem enredo a desvelar-se. Vamos passando de conversa para conversa, seguindo o protagonista e as suas predileções, e é nelas que a nossa atenção se foca, são elas que nos fazem virar página atrás de página, que nos fazem não só descobrir quem é Western, mas especialmente quem era a o seu pai e a sua irmã.
novembro 19, 2022
Imersão, literatura e videojogos
"A Oeste Nada de Novo" (1928) é uma leitura obrigatória sobre a I Grande Guerra (1914-1918), é um clássico. A particularidade do livro assenta numa escrita direta, a partir de uma primeira pessoa no interior da guerra; num tom quase confessional e em jeito de memórias que apesar da passagem pela guerra do autor não o são; ao que se junta por fim uma perspectiva imparcial sobre o conflito. Esta abordagem oferece-nos assim uma experiência extremamente imersiva, pelo modo como se relata a partir do teatro de guerra, mas sem nos guiar ou procurar conduzir a qualquer tomada de posição sobre os diferentes lados do conflito. Em nenhum momento Erich Maria Remarque dá conta do que conduziu ao conflito, não fala das razões nem motivações de qualquer lado das trincheiras, nem se queixa ou culpa quem para ali o atirou. A imersão produzida coloca-nos em plena guerra, oferecendo-nos um olhar, o mais natural e inocente possível, sobre o estado das coisas por forma a obrigar-nos a questionar o fundamento de tudo aquilo que se vive na Guerra, algo que é profundamente contaminado pela força emocional contida em vários dos episódios experienciados pelo narrador.
novembro 12, 2022
Histórias que não fazem um livro
Strout demonstra algumas competências muito interessantes, nomeadamente no contar de pequenas histórias, mas apresenta imensas fragilidades quando sai do micro-conto. Mesmo que seja capaz de a largas passadas interligar os pontos, e criar boas recompensas, mais ainda inter-livros, não chega para atenuar o que falta no todo. "O meu nome é Lucy Barton" é de 2016 e "Oh, William!" de 2021, os pequenos momentos oferecidos pelo interior psicológico da personagem, acabam por não contribuir para qualquer ideia maior, nem em cada livro, nem em ambos lidos em sucessão. Talvez não ajude o facto dos livros sere imensamente pequenos, e claro não contarem uma história, mas apenas pequenas historias. Quando lemos o primeiro livro, e partimos para o seguinte, nada muda, continuamos no exato mesmo universo, a mesma escrita, a mesma personagem, o mesmo de tudo em mais páginas. Isto faz lembrar a academia atual, que pega na sua investigação e retalha em bocados para dar mais artigos, números mais elevados na contabilidade métrica. Apesar disso, não faltam louvores ao trabalho da autora, e agora mais recente à sua proficuidade. Mas todos estes livros na verdade não o são, são antes secções de mesmos livros que a autora, por alguma razão, preferiu ir publicando à medida que os foi terminando. Diga-se que para a sua editora é muito melhor assim.
novembro 01, 2022
"Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio" (2021)
A história do livro é relevante, não só por tratar dos efeitos de famílias disfuncionais sobre menores, mas em particular porque a autora é especialista na jurisdição de família e menores. Contudo a estrutura criada para dar conta dessa mensagem perde-se no meio de um excesso de camadas simbólicas que acabam por ocultar aquilo que se pretende dizer.
A autora não se limitou a criar uma estrutura em que os 21 dias se movem ao revés, do final para o princípio. Acrescentou-lhe ainda todo um museu, o Rijksmuseum de Amsterdão, a partir do qual utiliza um conjunto de telas, desde "A Ronda da Noite" de Reembrandt a "Retrato de uma Jovem Mulher, com 'Puck' o Cão" de Thérèse Schwartze, a partir das quais vai realizando leituras e colocando em ação alguns dos seus elementos. E por fim, comete o pecado original português, do embelezamento do discurso com constantes figuras de estilo que contribuem para ofuscar ainda mais todo o significado do texto.
Faltou aconselhamento ou reflexão sobre os impactos desta estrutura. Os autores são livres, mas os autores não podem deixar de se colocar no lugar dos leitores, e tentar compreender como é que eles vão reconstruir a mensagem das suas obras. A liberdade artística não é total, o trabalho de um artista é um trabalho de comunicação, por mais que alguns artistas teimem em dizer que não criam para um público. Naturalmente espera-se que os artistas quebrem as regras, inventem, surpreendam, mas espera-se que o façam juntamente com todo um trabalho de ir ao encontro do seu público.