Strout demonstra algumas competências muito interessantes, nomeadamente no contar de pequenas histórias, mas apresenta imensas fragilidades quando sai do micro-conto. Mesmo que seja capaz de a largas passadas interligar os pontos, e criar boas recompensas, mais ainda inter-livros, não chega para atenuar o que falta no todo. "O meu nome é Lucy Barton" é de 2016 e "Oh, William!" de 2021, os pequenos momentos oferecidos pelo interior psicológico da personagem, acabam por não contribuir para qualquer ideia maior, nem em cada livro, nem em ambos lidos em sucessão. Talvez não ajude o facto dos livros sere imensamente pequenos, e claro não contarem uma história, mas apenas pequenas historias. Quando lemos o primeiro livro, e partimos para o seguinte, nada muda, continuamos no exato mesmo universo, a mesma escrita, a mesma personagem, o mesmo de tudo em mais páginas. Isto faz lembrar a academia atual, que pega na sua investigação e retalha em bocados para dar mais artigos, números mais elevados na contabilidade métrica. Apesar disso, não faltam louvores ao trabalho da autora, e agora mais recente à sua proficuidade. Mas todos estes livros na verdade não o são, são antes secções de mesmos livros que a autora, por alguma razão, preferiu ir publicando à medida que os foi terminando. Diga-se que para a sua editora é muito melhor assim.
Impávido, tenho lido muitas coisas boas sobre estes livros de Strout. Impávido porque a forma do que escreve está pejada de problemas, alguns são resolvidos pela tradução, outros são piorados. Mas a leitura não sai incólume, a sua capacidade para nos entrelaçar não chega para aliviar os problemas.
A tradução, tanto do primeiro volume, embora menos no terceiro, apresenta problemas inaceitáveis nos diálogos, em que por várias vezes não se percebe quem está a falar. E o problema não é da tradução, é mesmo da forma da escrita, com todos "eu disse", "ele disse", "tu disseste", etc. etc. etc. Nota-se uma incapacidade de construir um diálogo sem constantes interjeições que não deviam sequer estar ali. E isto produz momentos como na página 145, em que a Bridget é trocada pela Becka, e ficamos ali a ler e reler o texto a tentar perceber quem fala, onde, quando, porquê. Até que vamos ao original e percebemos que não é a Bridget quem respondeu, mas a Becka.
Mas o pior vem depois, quando resolvemos ler no original e deixar a tradução, e percebemos que o livro está pejado de repetições abomináveis, como a palavra "said" (disse) no original. Se eu estava cansado do "disse" em português, então no original entramos noutro patamar. Num livro que não chega a 200 páginas temos 911 "said"!!! Veja-se o curtíssimo parágrafo abaixo:
“Well, it was very nice of you two to do that,” I finally said to them, and they only shrugged slightly.
Becka said, “I’m sorry I asked if you and Dad were getting back together.”
“Oh, don’t be,” I said. “I can understand the question.”
And Chrissy said, “You can?”
“Of course I can,” I said. And then I added, “We’re just not going to, that’s all.”
“Smart,” Chrissy said. And then she said, “It’s so strange to think of Grandma being this Catherine person you’re describing. I thought she was the most normal person in the world. I loved her.” And Becka said, “I did too.”
8 "saids" !!! Isto é tão ridículo, tão insuportável, que a Tania Ganho teve de reescrever o texto, diminuindo os 8 "disse" para 2, e acrescentando uma imensidão de outros verbos: concluí, disse, retorqui, perguntou, disse, opinou, confessou, concordou. Sem palavras. Se eu senti que o texto em português era bastante simples, quase básico, então em inglês percebi que era mesmo básico.
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