"Lake" (2021) é um videojogo despretensioso sobre questões existenciais, em particular a relação entre a ambição material e a felicidade pessoal. Jogamos na pele de Kate, uma programadora de topo, 44 anos, nos anos 1980, que decide voltar por duas semanas à vila em que cresceu, o que a vai obrigar a questionar-se sobre tudo o que conseguiu, assim como tudo o que perdeu. Tudo é feito usando a linguagem dos videojogos, sem recurso a grandes monólogos interiores ou filmes explicativos. Durante 15 dias, somos a carteira da vila, em substituição do pai, e temos de distribuir o correio todos os dias, reencontrando assim as pessoas que deixámos para trás. Tudo isto acontece num lugar sereno, junto da natureza e um belíssimo grande lago que contribui para a criação da atmosfera propícia à reflexão na meia-idade.
A história está muito bem escrita, nomeadamente cada personagem e os seus diálogos, com excelentes performances que dão vida a todo aquele espaço. O design da narrativa, não sendo inovador, nem exigente, usa suficientemente as escolhas narrativas para nos colocar a refletir e a pensar nas consequências de cada decisão. Antes do meio do jogo já percebemos que no final nos aguarda uma grande tomada de decisão e podemos começar a tomar opções nesse sentido, contudo o design é bastante flexível, presenteando-nos com múltiplas oportunidades até ao final. Se a meio senti que o jogo me iria empurrar para a opção idílica, ainda que colocando no outro prato da balanço atrativos fortes, no final deixei-me convencer totalmente pela flexibilidade da escrita.
No domínio do design de jogo, sendo um jogo curto, 6 horas, a meio começamos a sentir alguma saturação com a repetição das tarefas, mas o design vai implementando, no tempo, pontos de fast-travel e auto-piloto que minimizam bastante esta questão, que nos permitem centrar cada vez mais nas pessoas e menos nas tarefas.
Já no campo da arte, os cenários sumptuosos puxam pela nossa permanência dentro do jogo, contudo a animação dos personagens deixa por vezes a desejar. Claro que estamos perante um jogo indie, seria difícil fazer muito mais sem investimentos avultados. Isto reflete-se com maior intensidade nas questões tecnológicas, com vários bugs a surgir, assim como algumas opções técnicas, como o corte entre ações interativas — nomeadamente entrar e sair da carrinha ou a câmara que a segue — que acabam ficando aquém das expectativas tendo em conta a qualidade visual apresentada.
Como trabalho existencial, não esperem grandes tragédias, ações ou reviravoltas. A essência reside na simplicidade e no modo como esta estimula a nossa reflexão. Daí que tenha sentido que o jogo funcionava melhor nos dias em que estava cansado do que quando estava pleno de energia.
Sem comentários:
Enviar um comentário