Maria Stepanova é uma poeta russa, recipiente do prémio russo literário mais antigo, o Andrei Bely, e da bolsa Joseph Brodsky, com poemas traduzidos em múltiplas línguas. Este seu livro, "In Memory of Memory" (2017/2021), foi nomeado para a pequena lista do International Booker Prize de 2021. Não é poesia, mas é lírico; não é ensaio, mas argumenta sobre arte e o humano; não é romance, mas conta histórias de gerações; não é uma autobiografia, mas centra-se sobre os membros da sua família; sendo tudo isto. Sai em Portugal em setembro pela Relógio d'Água.
Stepanova começa por dizer que acabou escrevendo o livro que pretendia escrever há mais de 40 anos, desde criança, dando corpo literário ao mundo que a envolvia desde sempre, dos seus pais, avós, e bisavós. Aconteceu quando voltou ao apartamento, com a morte da sua tia, o mesmo em que passou grande parte da sua vida, junto dos familiares, em Moscovo, e se deu conta das histórias que emanavam de cada um dos objetos ali abandonados — das fotografias, às canecas, dos jornais aos livros, roupas, postais e brinquedos.
"None of these people, not those still alive, nor those already dead, were ever seen. Life gave them no opportunity to be remembered or to remain in view, to stand briefly in the spotlight; their ordinariness put them beyond the usual human interest and this seemed unfair. There was, it felt to me, an urgency in speaking about them and on their behalf, and the endeavor frightened me."
"What do I have against images? Perhaps it is that they all have the same flaw: euphoric amnesia. They no longer remember what they signify, where they came from, who they are related to, and yet none of this bothers them. For the beholder (I no longer know whether to call her a reader or a viewer) the picture seems to do more, to serve better. It delivers its message quicker, without wasting words, never tiring of actively engaging with the message: to stun us, to grasp hold of us, to occupy our thoughts. The picture seduces with its illusion of economy: as text begins to unwind its first phrases, a photograph has already come, confounded, conquered — and then it graciously condescends to allow the text to speak, to add the inessentials of what happened, and where."
A família de Stepanova, além de pertence à burguesia judia, e tendo atravessado os tumultos da revolução bolchevique e da perseguição nazi, não sofreu qualquer percalço na sua existência, sendo, como ela diz, bastante vulgar, sem grandes tragédias nem grandes conquistas. Por isso interessa muito mais o modo como Stepanova lê e interpreta a sua família, do que propriamente a família em si. Naturalmente o atravessar de vários momentos históricos relevantes da história da Rússia contribui para incrementar a atração, contudo, não deixa de dar conta de uma enorme capacidade para argumentar e dar vida em prosa a algo que não passando do banal dificilmente não é desinteressante.
“The impossibility of exact knowledge is in the physical disintegration which protects the past from our trespasses; it forms a hygiene barrier against mixing with us, the present. For us, this impossibility is an advantage. The owners have left the house, they’ve gone away, and there is no one to see how we are dividing up all their many goods. For the full enjoyment of those olden days we need those who once peopled them to die - then we can begin the yearning process, trying out the role of rightful heirs. The heaped mass of witness accounts only teases us in our hunger: rifle through the bank of pictures, enlarge them, bring them up close to your eyes, spend a lifetime gazing at a single iconic image. It’s all pointless: scoop it all out, to the very bottom of the cup, it’s thin walls, you can walk into the house of the past, but you can’t penetrate it, nor will it enter you, like a chill slick of a ghost that appears out of nowhere in the warm twilight of a July evening.”
Ler Stepanova torna inevitável convocar Proust, não só por que é de memória que falamos, mas porque é dessa arte de descrever com um embelezamento de camada sobre camada, transportando-nos para um mundo interior de ideias e sentimentos, sobre um aparente nada, mas sobre tudo aquilo que nos torna humanos.
"There is such injustice in the way that people and their portraits cannot escape an immediate and basic inequality: the difference between the interesting and the not so interesting, between what draws our attention and what doesn’t. Everything is in silent sympathy with the tyranny of choice, always on the side of the beautiful and the charismatic (to the detriment of everything that has no claim on our attention and so remains on the dark side of this world), especially our bodies with their entirely pragmatic agenda. Our preferences have nothing to do with age or upbringing, even three-month-old babies vote for beauty, health, and symmetry.
And this is unjust. Just as the dictatorship of the viewer or “watcher,” with his unfounded demands on the image, is an unjust one. The word “watcher” in Russian has a second, less obvious meaning. In the language of prisons, camps, and the criminal underworld, known by a significant proportion of all Russian-speakers, the watcher is the one who sets the rules and makes sure the others follow them."
Stepanova viu recentemente o seu jornal online sobre cultura, o Colta, ser banido da web russa, tendo a autora escrito um longo artigo contra a guerra no Financial Times, demonstrando a sua total incredulidade para com tudo o que está a acontecer na Ucrânia.
Olá Nelson, fiquei muito curiosa com este livro. Já o tenho comigo :)
ResponderEliminarExcelente :) compraste a versão inglesa ou a portuguesa?
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