agosto 24, 2022

A Promessa

"A Promessa" (2021) apresenta dois enormes atributos: o envolvente contar de história e a subversão da forma. Para o primeiro, Galgut usa os métodos de criação de interesse que mantém os leitores suspensos à espera do que vai acontecer a seguir. Fá-lo bem, porque não conseguimos parar de ler. Mas é na forma que nos deslumbra, sendo a história que se conta importante, o modo como Galgut o faz é tudo menos tradicional, quebra todas as regras, desde o ponto de vista, com a voz do narrador a mudar entre personagens, e entre pessoas, dirigindo-se mesmo ao leitor. Não raras vezes temos de voltar atrás porque o personagem que relatava o assunto mudou, e agora a perspectiva é distinta, permitindo-nos perceber de outro modo o que aconteceu, está a acontecer. Pode causar alguma confusão, mas está tão bem cosido que ao fim de algumas dezenas de páginas já entrámos dentro do fluxo criado por Galgut.

Vencedor do Booker Prize 2021

Agora e sobre a história foi onde senti que perdi mais. Apesar de ter gostado do fecho, o modo como a oferta de Amor é recebida por Lukas, é poderoso e dá bem conta da recente tomada consciência do impacto da presença dos europeus em África. E seguindo essa ideia final, percebe-se que se a família de brancos morre, até ao último "ramo da árvore", é porque esse é o destino inevitável, não existe como reatar, como criar pontes, como voltar atrás no que foi mal feito. Não há aqui qualquer esperança, e isso deixou-me no final um pouco sem chão. Não sendo diferente de outras vozes sul-africanas como Coetzee. Difere sim pelo épico familiar mágico-satírico que nos leva ao longo da saga, aproximando-se de outras vozes, de outros continentes, como Rushdie ou Naipaul, embora terminando num beco sem saída...

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