setembro 06, 2018

O tarot de Byung-Chul Han

Há uns anos sentei-me numa mesa com uma senhora que lia cartas de tarot, fiz uma pergunta à qual fui presenteado com várias perguntas, a que fui "compelido" a responder, ao que se sucederam várias supostas respostas ou histórias. Quando saí de lá e ao longo dos dias seguintes, pouco tempo dediquei à alegada resposta apresentada à minha dúvida, fiquei-me mais pelo dissecar da Arte do Tarot, que como já devem ter percebido acima, consiste essencialmente em buscar elementos, baralhar e voltar a dar, socorrendo-se de boas capacidades da arte de contar histórias para gerar uma narrativa estruturada e credível, esperando que a crença do ouvinte faça o resto. Ora isto mesmo foi o que senti com Byung-Chul Han, que parece estar a reciclar discussões com 20 e mais anos, juntando-lhe uns pozinhos de atualidade que lhe conferem uma aparente nova relevância.


De modo mais sério e racional, Byung-Chul Han pega em fenómenos que se vão sucedendo no mundo do online, analisa com base em algumas outras leituras e conhecimento próprio sedimentado, retira algumas conclusões a partir do que cria grandes teorias genéricas, no abstrato, que supostamente depois podem ser aplicadas a todo e qualquer fenómeno que aconteça no mundo do online. Sendo interessante a leitura, no final de cada texto ficamos como quando começámos, pois se existe algo a que o online é pouco dado, é a generalizações. Se bem que não é o online, é quase tudo. Este tem sido o meu grande problema com a Filosofia nos últimos 20 anos. Há medida que me vou especializando, e ganhando conhecimento sobre determinadas áreas, mais me custa ler abstrações criadas com base em generalizações latas.

Han, Byung-Chul,  (2016), "No enxame: reflexões sobre o digital", Relógio D’Água, Lisboa

Diga-se que este não é um problema só da Filosofia, faz parte da nossa forma de estar no mundo, que por ser amplamente complexo e variável não dá muito espaço para que se individualizem soluções, correndo-se o risco de tender para o infinito. Veja-se a mais recente discussão no mundo da medicina e farmácia ou da educação, em que se vem tendendo a defender soluções o mais individualizadas possíveis. Se bem que no caso da Filosofia não me parece existir um problema de oferta e procura, a não ser que se pretenda aumentar o número de leitores!

Em termos mais concretos. Han discute a destruição do respeito pelo anonimato, discute a destruição da mediação e do gatekeeping, tudo como se fosse algo recente e que tivesse agora sido descoberto, atacando com todo o mesmo argumentário que tantos fizeram ao longo das últimas décadas. Não esqueçamos que a teorização sobre comunidades virtuais e a condição pós-moderna tem para cima de 30 anos. Por outro lado, com tanto a acontecer, Han não foi capaz de ir além de muitas dessas visões apocalípticas. Aliás, não deixa de ser interessante como mais para o final do livro Han cita abundantemente Vilém Flusser, mas não para o seguir, antes para dizer que as suas visões não se concretizaram! O que se estranha, já que quando analisados, o facto da comunicação passar a bidireccional não conduz automaticamente a nenhuma destruição das representações que arrastam as massas. Se assim não fosse, o próprio nome de Byung-Chul Han enquanto filósofo nem sequer se teria chegado a construir. As massas mesmo sendo mais individualizadas, não deixaram de ser massas, e a mediação continua a fazer-se sentir, talvez mais do que nunca, pelo poder económico que a produção cultural adquiriu na última década por força da necessidade de inovação e criatividade inerentes às lutas num mundo globalizado.

Vejamos, poderia existir uma Apple, a "first trillion dollar company", ou superproduções milionárias como a série "Game of Thrones", o filme "Avengers", o videojogo "GTA", e porque não as mais de dez temporadas do programa de televisão das Kardashians, e a nível nacional e saindo daquilo que seriam os meios tradicionalmente de massas, o Wuant e a Sea3po, sem essas massas sem os gatekeepers que direcionam para esses fenómenos massivos que emergem da multidão? Ou seja, poderiam estes fenómenos tornarem-se universais como se tornaram sem todo um trabalho de mediação (publicidade e marketing) e gatekeeping (acesso a canais privilegiados)?

Han propõe o conceito de "enxame" para estas novas massas, o enxame sem alma, porque de tão individualizada nada os representa. Mas até a própria metáfora é fraca, o enxame não é individualizado, é uma das maiores obras de coletivismo da natureza, tal como o formigueiro. Todos trabalham para um mesmo fim, todos respondem da mesma forma aos mesmos estímulos, todos seguem sem questionar. Ainda que aquilo que haveria aqui a concordar é que, as abelhas, motivadas pelo design do seu comportamento instintivo, seguem sem necessidade de maestros. O seu comportamento produz, pela emergência (esforço individual não direcionado que surte frutos concertados) o enxame, tal como o favo e a colmeia. Assim o enxame é já um resultado da união de interesses idênticos de uma massa, que pode não ser regulada por ninguém, mas é regulada pela inerência comportamental. Do mesmo modo, nós humanos tendemos a ser regulados por comportamentos que nos impelem para o outro, que nos subjugam pela empatia, e nos fornecem prazer e recompensa por via de fenómenos como o seguidismo e o culto.

Existem momentos no livro, que mais me parece estar a ler uma tese de mestrado de um qualquer aluno de Ciências da Comunicação. Frases como:
"Hoje já não somos meros recetores e consumidores passivos de informações, mas seus emissores e produtores ativos. Já não nos basta consumir passivamente informações, mas queremos produzi-las e comunicá-las de modo ativo." (p.27) 
"Hoje, as imagens não são apenas cópias, mas também modelos. Procuramos refúgio nas imagens para nos tornarmos melhores, mais belos, mais vivos". (p.39)
"A comunicação digital assume a forma não só de espectro, mas também de vírus. É contagiosa, porque se produz imediatamente no plano emocional ou afetivo (..) A escrita, por seu turno, é demasiado lenta para tanto." (p.69)
De certa forma, o problema de Han acaba por se reduzir às parcas leituras no domínio da comunicação, surgindo Barthes amiúde, um dos grandes propositores da narrativização do social, mas manifestamente insuficiente para o que Han pretendia aqui analisar. No seu tempo a Semiótica foi não só novidade mas gerou grande adesão com as suas leituras e interpretações abrindo-nos o apetite pelo decifrar do real proposto em modos narrativos acessíveis. Mas hoje, usar este mesmo tipo de ferramentas é curto, muito curto. Onde fica a imensidade do trabalho desenvolvido pelas ciências sociais desde todo o levantamento empírico quantitativo e qualitativo a toda a evolução da teorização psicológica suportada pelas novas tecnologias e métodos fornecidos pelas neurociências?

Claramente que no meio de tudo isto surgem ideias luminosas que me despertam e fustigam o pensar, mas porque nada é aqui desenvolvido, ficando-se tudo por textos curtos de 2 ou 3 páginas, rapidamente descarto porque me questiono se a frase, a tal ideia apresentada, não é mais do que uma interpretação minha daquilo que ele apenas hipoteticamente quereria dizer.

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