Há muito tempo que tinha intenção de iniciar a leitura dos textos dramáticos da antiga Grécia, mas tal como aconteceu com Shakespeare, fui sempre protelando, porque as peças teatrais escritas não são propriamente o meu forte. Tenho dificuldade em aceitar aceder a uma obra que no estado escrito é apenas parte de um todo. Contudo, tanto quando li Shakespeare como agora com Sófocles, fui surpreendido pelos textos, pela sua capacidade de me demover. Sei bem que falo de peças não apenas de grande qualidade mas capazes de ultrapassar o teste de séculos e milénios.
Assim e se Édipo era para mim um personagem amplamente conhecido, pelo modo como invadiu o imaginário ocidental, não sei se por graça de Sófocles ou das tontices de Freud, a peça acabou por me surpreender exatamente no modo como se destaca da descoberta do conflito principal. Quando iniciei a leitura senti-me algo desmotivado por ver tanta discussão — sobre o filho que mata o pai e casa com a mãe — tentasse eu aceder à obra onde quer que fosse, em que edição fosse. No entanto Sófocles vai muito para além da trama, ela está lá, ela tudo faz mover, e de certo modo confere a Aristoteles razão quando este afirma que é a trama mais importante que os personagens, mas é Sófocles que acaba a demonstrar o contrário. Ou seja, se o conflito está lá, se o enredo empurra os personagens para uma espécie de precipício dramático, continuam a ser os personagens quem decide saltar ou não. Sófocles centra-se nesse ponto, em buscar o modo como reagir a algo que conhecíamos de antemão, e executa de forma trágica, como não podia deixar de ser numa tragédia.
Assim, digo que se me incomodou toda a dependência dos deuses e dos adivinhos, não deixou de me impactar a decisão final de Édipo pensada para ter efeito tanto nesta vida como no além. É um clímax digno da catarse de Aristoteles, e que explica bem o receio que Platão tinha de ver a República manipulada pelas artes.
"The blind Oedipus commending his children to the Gods", 1784, de Bénigne Gagneraux
Uma nota final para a questão do incesto. Vivemos uma época de grande liberação sexual, o que tem vindo a abrir espaço para a defesa do incesto entre adultos (cf. "Impunidade" HG Cancela). Em defesa destas visões muitas vezes enunciam-se os nossos antepassados gregos e romanos pela sua liberdade que teria sido, mais tarde, castrada pela igreja. Contudo, do que se pode ler nestes textos, é que se existia maior liberdade sexual ela estava muito longe de uma anarquia moral.
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