abril 10, 2014

"Max Payne 3"

Foi recebido com grande pompa pela crítica e também pelo público, em parte graças ao facto de ser uma das séries mais interessantes da geração anterior (2000-2006) que agora via um novo episódio ser criado por uma das empresas mais respeitadas do meio, a Rockstar. Por outro lado quem não gostou acusou o jogo de estar pejado de cutscenes, mais parecendo um filme atravessado por pequenas zonas de interacção, com muito pouca liberdade.



Antes de entrar em Max Payne 3 (2012), quero dizer que considero Max Payne (2001) um dos jogos mais relevantes do meio, por tudo o que conseguiu revolucionar, nomeadamente na criação de momentos híbridos entre cutscenes e interactividade, capazes de manter o flow narrativo intacto. Max Payne 2 (2003) representou uma melhoria, nomeadamente em termos de produção, não tendo acrescentado muito mais. Por isso o facto de ser a Rockstar a produzir o terceiro volume seria de esperar que conseguisse elevar a marca da série a níveis ainda não experienciados. Mesmo assim demorei muito para pegar em MP3, essencialmente pelo que vi nos trailers. Demasiado tiro, ambiente Miami Vice em vez de noir, e algumas análises que fui vendo que me davam a ideia de ser mais do mesmo. Se agora sucumbi a MP3 foi porque o apanhei a bom preço e pensei que se tinha acabado de jogar um FPS, Metro: Last Light (2013), que tinha gostado bastante, talvez pudesse estar num momento de maior receptividade ao género.

Uma desilusão, é o principal adjectivo. MP3 tem muito pouco para oferecer enquanto obra artística. Não inova na jogabilidade, não inova na narrativa, está pejado de clichés de jogo e narrativos, sendo incapaz de nos agarrar dado o tamanho da incredulidade daquilo que nos é apresentado. Ora vejamos,

1 - Jogabilidade - a única coisa que fazemos é caminhar, esconder e atirar. Extremamente básico na progressão, já que nada se altera, tornando toda a experiência cada vez mais mecânica. Podemos resumir a jogabilidade, a espaços de descanso, em que andamos a pé, e espaços de acção, em que atiramos. Nos de descanso nada se faz além de admirar o ambiente, apanhar uma ou outra arma, alguns medicamentos, e umas peças de armas. Os de acção, estão sempre divididos em vagas de inimigos, progressivas em crescendo de número. São estas vagas que definem o desenrolar da narrativa, uma vez que a maior vaga de inimigos termina sempre o capítulo. Tudo muito previsível, padrões de jogo muito evidentes, os clichés do esconde-atira ou da arma com mira, fico triste porque se sente a preguiça no design, ou então quiseram apenas agradar aos shooters.

2 - Narrativa - aqui as coisas descambam totalmente, não por causa do excesso de cutscenes, que até vão servindo bem o flow narrativo, mas por causa da história. O videojogo não consegue sequer evidenciar os problemas de alcoolismo do protagonista, porque o modo como é apresentado mais parece um boneco, sempre com um copo numa mão e uma Uzi na outra. Não existe nada no jogo que evidencie os impactos de tanto álcool, a não ser alguns efeitos de distorção visual e a voz grossa que debita os monólogos, que por si até são cativantes dada a performance, mas quanto mais Max bebe mais duro e resistente parece ficar?! Por outro lado e em consonância com esta dissonância, temos o número de inimigos a abater em cada vaga de cada capítulo. No caso da família Brasileira para quem Max Payne trabalha como guarda-costas, para além do exagero do número de tentativas de assassinato e resgastes dos membros da família, cada uma destas tentativas é realizada por meio de largas centenas de indivíduos contratados para matar. O mesmo acontece com a história paralela passada em NY com a família da máfia. Ou seja, ao longo do jogo matamos vários milhares de sujeitos, literalmente milhares!!! E eu fico a questionar-me, quem são estas pessoas, de onde vem o dinheiro para pagar tanta gente, que tipo de organização seria necessária para liderar algo deste tamanho, enfim tudo completamente ridículo. Fez-me lembrar do número de cadáveres ensanguentados que encontramos na ilha do último Tomb Raider (2013), ou do Rambo o imbatível, um para mil.

Capa do primeiro, de três livros, sobre Max Payne 3 editado pela Marvel 

Por outro lado chamar a Max Payne um trabalho noir é pura arrogância, já para não falar nas incongruências, dispersões e fragmentações que toda a narrativa sofre ao longo do jogo. Para quem leu os três livros de banda desenhada, editados pela Marvel, lançados previamente para preparar o terreno narrativo para o jogo, fica uma perplexidade, porque é que esses apenas apontam a linha narrativa da família da máfia, ou seja a vertente mais noir? Percebe-se que querem avançar, Max Payne tem de abandonar o lugar em que sempre viveu, e fazer-se à estrada, se não acabará por morrer ali às mãos da máfia, mas daí a saltar para um universo totalmente diferente, com questões culturais, sociais e ambientais tão profundamente diferentes! A ideia terá sido porque existem muitos bandidos e muita droga nas favelas do Brasil? Isso é suficiente para ligar os dois mundos? A verdade é que é inevitável ver os clichés dos filmes de acção pesada, passados na América do Sul emergir, como "Collateral Damage" (2002) ou "Proof of Life" (2000), entre outros. Temos acção exótica, mas não temos noir.

De tudo isto salva-se a apresentação visual, os cenários do Brasil, o próprio Max Payne bem envelhecido, e as excelentes performances de voz, incluindo dos ladrões e polícias no Brasil. Em termos de investimento na produção não podemos apontar o dedo à Rockstar, que parece ter investido forte, só faltou vontade de fazer algo que fosse para além do mero shooter. Porque no fim do dia, é isso que temos, um jogo desportivo de tiro, e não uma aventura, apesar de no final nos servirem um memorável final de jogo, que tão bem fecha todo o nosso investimento.


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