novembro 14, 2012

A Invenção de Morel

A Invenção de Morel (1940) é um livro com mais de 70 anos, mas que é hoje, num mundo cada vez mais hiper-realista (seguindo Baudrillard), mais atual e relevante que nunca. A sua premissa nasceu muito provavelmente do contexto vivido face à forte sedução que o cinema causava nas pessoas na primeira metade do século passado. Hoje esta sedução reduziu-se, existem muitas outras atracções, criámos ambientes de realidade virtual, desenhámos videojogos 3d com interactividade e feedback constante, o cinema tornou-se em apenas uma das muitas janelas que temos à disposição para olhar para lá da suposta realidade.


Adolfo Bioy Casares foi um escritor argentino que conheceu o sucesso com esta novela de fantástico. Nesta edição podemos ler um prólogo de alguém que não nos surpreende tendo em conta a temática do livro, Jorge Luis Borges, por sinal também Argentino. Pelo que percebi entretanto Bioy e Borges ainda escreveram vários contos e guiões para filmes juntos. Borges não é comedido no seu prólogo e fecha o texto afirmando simplesmente, 
Discuti com o seu autor os pormenores do enredo e reli-o; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo como perfeito.” 
Concordo, mas é complicado explicar porquê. O livro é pequeno, cerca de 100 páginas, mas não é por isso que é difícil falar dele, é que o conceito central da sua história é a chave de todo o conto. Tentar discutir o livro, sem falar do núcleo da narrativa não faz o menor sentido. Podemos contudo discutir que o seio da história trabalha sob o desígnio da realidade e do valor da imagem enquanto representação. Além disso o narrador fala através de um diário, como se estivesse a falar diretamente connosco, interrogando-se por vezes no mesmo sentido em que nos interroga a nós leitores. Um exemplo fantástico desta construção narrativa, pode ser visto neste trecho,
“Contarei fielmente os factos que presenciei entre a tarde de ontem e a manhã de hoje, factos inverosímeis, que a realidade não terá podido produzir sem trabalho... Agora a verdadeira situação parece não ser a descrita nas páginas anteriores; a situação que vivo não é a que julgo viver.”
L'Année dernière à Marienbad (1961) 

Noto ainda que a conceptualização intertextual que levou Thomas Beltzer a dizer que Alain Resnais se teria baseado em Invenção de Morel para criar L'Année dernière à Marienbad (1961) me parece imensamente acertada. Aliás essa ligação entre as duas obras levou-me assim de repente a compreender Marienbad sob toda uma nova luz, permitindo que o filme tivesse ganho dentro das minhas memórias novas camadas de leitura, mais intensas e relevantes. 

Sawyer lendo A Invenção de Morel em Lost, s04.e04

Uma outra obra recente em que Morel aparece é exatamente a série Lost. Sawyer aparece no quarto episódio da quarta temporada a ler uma edição americana do livro. E aqui é ainda mais forte a colagem do que em Marienbad. Aqui temos uma ilha, e acontecimentos e visitantes estranhos, tal como na ilha de Morel. Lost pode também ser visto de uma forma completamente nova depois de ler este pequeno livro.

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