novembro 13, 2012

Vídeo, Alemanha e Educação

Trabalhando há décadas em audiovisual não posso deixar de falar sobre o vídeo, Ich Bin Ein Berliner (2012), que acendeu os corações de muitos, contra e a favor, em Portugal, na Alemanha e noutros países. Deste modo resolvi fazer uma análise em três dimensões distintas: Forma, Conteúdo, e Racionalidade.

Ich Bin Ein Berliner (2012)

FORMA
O problema não está na forma, que tem coisas más, mas também tem coisas boas.

Bom: a ideia de um plano corrido e em sequência dá força à ideia central que se quer passar, constrói o argumento e solidifica-o, porque nunca o deixa sair de plano. Além de que constrói um sentido base muito importante na mensagem do vídeo, a ideia de grupo, comunidade, colectivo e união.

Mau: A incapacidade de comunicar com as imagens, ou seja de as tornar expressivas. O vídeo vive do texto, não do que mostra, é pobre na capacidade para induzir pensamento através da sua componente visual e sonora. E quando assim é, devemos usar outras formas de comunicação que não o vídeo, é isto que ensinamos todos os dias nas aulas de linguagem audiovisual. Aquilo que aqui temos é um texto escrito por Marcelo Rebelo de Sousa , que foi adaptado à pressa e sem recursos para vídeo, resultando inevitavelmente num artefacto bem instruído textualmente mas totalmente deficiente na sua componente audiovisual. (Actualização: parece que o texto não terá sido escrito por MRS, este terá apenas sugerido a ideia)

CONTEÚDO
Se fosse apenas isto, diríamos, assim seja, o objectivo é político, e até pode passar uma certa ideia de autenticidade por via da ingenuidade da forma.  Mas o próprio guião apresenta problemas, e nesse sentido temos também coisas boas, e coisas más.

Bom: Dizer que nós fizemos muitas coisas nos últimos 50 anos é bom. Dizer que sempre defendemos a União e nunca reclamámos quando os outros procuraram melhorar o seu estado à custa dessa união, é também muito bom.

Mau: Dizer apenas parte da realidade, é manipulação. E este vídeo é altamente manipulativo. Fala em Plano Marschal mas não fala nos vários planos comunitários em que recebemos financiamento, muito dele vindo da Alemanha, ao longo dos últimos quase 30 anos!

Para quem ainda não viu, vejam antes de ler o que se segue.

RACIONALIDADE
Aqui é que para mim surgem os verdadeiros problemas do filme, ao suportar a sua essência argumentativa na base da culpabilização dos alemães, por estes nos terem vendido, aquilo que fomos nós próprios incapazes de produzir: carros, redes elétricas, submarinos, e muita outra coisa que aqui não aparece. E é aqui que mexe comigo o filme, porque passados mais de 40 anos depois de Salazar continuamos a não perceber a essência do problema português. Continuamos a desprezar a razão pela qual temos uma produtividade tão baixa. As razões são múltiplas, mas deixemo-nos de lirismos, quando é que vamos perceber que temos um problema de Educação nacional?


Apesar de tudo, parece que o Ministro Crato resolveu finalmente acordar. Durante anos em Portugal só se ouviu falar do modelo Finlandês, e finalmente alguém começou a procurar noutras paragens. Acho no entanto irónico que o modelo que agora se procura, seja exatamente o da Alemanha. Mais irónico porque o venho defendendo há décadas, talvez por ter nascido num sistema similar, embora não tenha feito a minha formação depois no sistema e tenha vindo para Portugal. Assim, repesco parte de algo que disse no ano passado, também em Novembro.
“O problema é que para Portugal criar uma marca de eletrónica ou de carros, não chega ter 14% de licenciados, de todo. Mas em cima disso e talvez mais grave, precisávamos de muitas mais pessoas com qualificações ao nível do 12º ano, não chega ter mais outros 14%. De preferência técnicos qualificados em Metalomecânica, em Mecânica, em Eletrónica, em Informática, em Gestão, em Secretariado. De que me adianta ter milhares de miúdos com 18 anos que sabem muito de Português ou Matemática, mas não sabem fazer nada de concreto! Mas pior é mesmo que a grande massa, 72%, não vai além do ensino básico do 9º ano. Com essa escolaridade não servem a nenhuma empresa que precise de competir internacionalmente.”
Este parágrafo resume o essencial daquilo que temos no vídeo. Que se reflete na própria qualidade do vídeo. Somos um país pobre, não em recursos e nem sequer em engenho ou criatividade. Somos um país pobre em Educação técnica e de alto-nível. Por isso precisamos desesperadamente de trabalhar isto. Mas não é apenas injectando dinheiro nas escolas, é preciso mudar mentalidades. Continuamos a ter em Portugal muito quem acredite que a escola não serve para nada. E enquanto assim for, veremos o nosso PIB pelas ruas da amargura. E não me venham falar de EAD ou de MOOCs, que até podem ser modelos interessantes para sociedades com avançada literacia, que está longe de ser o nosso caso (vejam o gráfico na Imagem 1).

E porque é que o Ensino alemão é bom? Escrevi sobre isso ainda há poucos meses, em Agosto, num post no Facebook em conversa com o Prof. Dias Figueiredo e a Prof. Teresa Pombo,
“Eu sou grande defensor das escolas técnico-profissionalizantes. E a ligação com a indústria no secundário é a grande força da indústria alemã, e que já começou nos anos 1950.”
A verdade é que quando comparamos um produto alemão com o de outros países, percebemos muito rapidamente que a qualidade de construção tem pouca concorrência. Diria que alguma produção americana, e a japonesa consegue igualar. Falo aqui de mecânica e electrónica essencialmente, mas isso reflecte-se em muita outra produção. O que acontece, é que os técnicos destas fábricas, andaram na escola, mas não isolados do mundo real. Nas escolas profissionais alemãs, os técnicos das fábricas, vão às escolas dar aulas. E os alunos passam temporadas nas fábricas a aprender. Ou seja o aluno é totalmente envolvido no processo de real aprendizagem desde cedo, e de um modo totalmente orientado e suportado. Algo que conhecemos desde a Idade Média, na figura de mestre e aprendiz, mas fomos abandonando à medida que o ensino se foi massificando, dada a impossibilidade de manter uma relação baixa no rácio professor/aluno.

O que é que acontece neste modelo alemão? Acontece algo que difere muito de uma aprendizagem baseada numa simples sala com quatro paredes, porque vai para além das fronteiras dessas paredes. É um formato que recorre, à Situated Cognition e Embodied Cognition do lado da Psicologia. Ou à User Experience do lado do Design. Ou ainda aos Contextos como defende Prof. Dias Figueiredo no campo da Educação. O formato alemão é aquele que melhor garante, o embodiement, a experiência e o contexto para a aprendizagem. Não se fica pela simulação de contextos com gráficos numa lousa, nem em vídeos ou textos ditados, mas antes se sente, se vive, e se experiencia.

Mas não tenhamos ilusões, não existem modelos definitivos, e 100% perfeitos. A própria Alemanha fez há pouquíssimo tempo uma enorme revolução neste tipo de escolas, nomeadamente nas mais Profissionais (Hauptschule), com pouca componente teórica. Espero que Portugal analise bem essas alterações, e as perceba. Pelo menos numa coisa já fiquei satisfeito ao ouvir o Ministro ontem, é que por cá não faremos disto caminhos de menorização das possibilidade educativas de cada um. Um aluno que faz qualquer caminho de ensino, deve mais tarde poder fazer os exames e seguir a Universidade se assim o desejar. Algo que na Alemanha e França não está previsto. Não gosto, e nem me parece que seja motivador para quem segue outros percursos, sentir que está em percursos secundários, menos relevantes que os seus colegas. E já agora também não gosto da demagogia dos nosso sindicatos, para quem tudo aquilo que um Ministro faça, é mau.

Dito tudo isto, acho que falhámos com os nossos propósitos de procurar apenas e só criar alunos para a Universidade. Com isto fomos incapazes de criar técnicos em número suficiente para alimentar um processo de industrialização de qualidade. Não fomos capazes de criar empresas que pudessem produzir aquilo que os Alemães produziram e nos venderam em todos este anos, e continuam a vender. Temos uma falha enorme nos milhões de pessoas que ficaram pelo caminho no 9º ano. Mas temos uma falha ainda maior nas pessoas que investiram para fazer o 12º ano, tendo perdido literalmente anos de vida, que geraram pouquíssimo retorno, tanto para elas como para o país. Assim que dizer que a culpa da nossa crise é dos alemães que nos venderam aquilo que nós fomos incapazes de aprender a fazer, faz-me apenas pensar no mais elementar que aprendi na Escola Primária, por sinal portuguesa,

“Não deem dinheiro. Deem uma cana de pesca, e ensinem a pescar”

2 comentários:

  1. Nelson, Gostaria de congratular-te pelo teu post "Vídeo, Alemanha e Educação"; considero que acertas-te na muche, nomeadamente uma frase que, quanto a mim, é o cerne da questão. "Algo que conhecemos desde a Idade Média, na figura de mestre e aprendiz". Noutro dia, falava com o meu primo exactamente nestes termos (desta vez a respeito da qualidade dos empreiteiros em Portugal); e chegámos exactamente à mesma conclusão. Que a origem real é a troca do ensino mestre/aprendiz por um sistema auto-centrado em si e orientador de "formatados" cuja experiência real é feita "a quente" sem qualquer benefício de um orientador, um verdadeiro "expert" que oriente essa pessoa e ensine tudo aquilo que pelos livros não é facilmente assimilável. Com isso vamos queimando indústria atrás de indústria e fazendo do nosso Portugal um marasmo existencial sem ritmo ou evidências de actividade real. Excelente post e análise, como outros. Um abraço, Rui

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  2. Obrigado Rui

    Essa ideia que referes de "ensino auto-centrado" é também muito importante. Porque o ensino acabou por crescer e ter de encontrar os modelos internos para explicar os modelos praticados no mundo externo.

    Aproveito no entanto para dizer que nem tudo é compatível com a prática. Que a vantagem da Escola face aos sistemas básicos de aprendizagem no passado, é que fomos capazes de adicionar camadas de abstracção que facilitam a integração da pessoa na actividade. E mais do que isso que procuram gerar na pessoa todo um quadro referencial mental que lhe permite ir além do mero fazer por imitação.

    O problema aconteceu, quando excluímos a prática, e nos ficámos pelo quadro mental. Isto tem vindo a mudar nos últimos anos. A própria Universidade mudou neste campo com Bolonha. O ensino secundário também.

    Mas não é expectável esperar que alguém ensine verdadeiramente as acções, quando essa pessoa nunca as praticou, as conhece apenas por via dos modelos teóricos. Ou seja, são necessários outros tipos de tutores no secundário para permitir essa troca de informação. Daí que o trabalho conjunto entre o tecido industrial e a escola seja fundamental.

    abr

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