Cartaz e capa do catálogo da reedição de 1997
1 - Como foi o processo de reativação do festival, depois do interregno de sete anos?
:: Foi complicado e muito duro porque tinham passado já alguns anos depois da última edição, e já não existiam ligações às instituições nem pessoas, tendo sido preciso fazer tudo do zero como se a mostra nunca tivesse existido. Estou a falar do ICA (na altura tinha a designação de IPACA) e do TAGV, mas também dos apoios de financiamento necessários e vitais para garantir um festival desta natureza, assim como dos realizadores, dos atores, dos produtores, diretores de fotografia, entre muitos outros.
Foi um ano completo a trabalhar, com vários dos elementos da comissão executiva a trabalhar full-time no evento, deixando os cursos de lado, deixando tudo de lado para que o evento se tornasse real. Foi uma luta até ao último dia, mas conseguiu-se recriar um evento que é fundamental em Portugal e que muito me agrada que se tenha mantido até hoje, e esperemos que continue por muito mais tempo.
TAGV (foto de Pedro Medeiros)
2 - Quantas pessoas estiveram envolvidas nesse processo?
:: Estiveram envolvidas diretamente e ao longo de toda a produção oito pessoas: Nelson Zagalo, Manuel Nunes, Jaime Rodrigues, Bruno Dias, Carlos Pinto, Sara Seabra, Osvaldo Mota e Adelino Rocha. Tudo elementos que pertenciam nessa altura à direção do CEC. É claro que estiveram envolvidas muitas mais pessoas, desde os sócios a elementos de outras secções culturais, da DG/AAC, do TAGV, da UC o que no total deverá ter ultrapassado as 40.
Má Sina (1996) de Saguenail
3 - Quais foram as novidades que essa edição trouxe relativamente às mostras realizadas antigamente?
:: A primeira e mais evidente, foi a transformação de um evento que era uma Mostra, num Festival o que implicou várias dimensões além do mero ciclo de filmes, como mesas redondas, workshops, prémios, convidados, filmes de abertura e encerramento, etc. Uma das grandes atrações desta reedição foi tentar trazer filmes que tinham sido financiados com dinheiros públicos mas ainda não tinham sido estreados em Portugal, algo que era comum nos anos 1990. No campo das curtas tivemos linhas dedicadas: à Escola Superior de Teatro e Cinema; à Animação nacional; à Video Arte; e ainda uma extensão da Mostra de Vídeo Português Contemporâneo da Videoteca de Lisboa. Além disso criámos o primeiro prémio dedicado a uma figura de relevo cinematográfico nacional e não mediática, o Ardenter Imagine. Foi também neste ano que conseguimos que o evento fosse reconhecido pelo Ministério da Cultura como sendo de “Manifesto Interesse Cultural”.
Kilas, O Mau da Fita (1980) de José Fonseca e Costa
4 - Nesse ano, quais foram os principais destaques cinematográficos?
:: Abrimos o Festival com a estreia de Mortinho por Chegar a Casa (1996) de Carlos Silva e George Sluizer, contando com a presença do Carlos Silva. E depois fizemos o encerramento com Kilas, o Mau da Fita (1980) que se tornou num dos grandes momentos desse festival.
Mortinho por Chegar a Casa (1996) de Carlos Silva e George Sluizer
5 - Qual foi o feedback que tiveram? Houve incentivos para que ficassem motivados a continuar?
:: Sim, sem dúvida, sentimos no final, nomeadamente da parte da comunidade nacional cinematográfica um carinho especial por aquilo que se tinha conseguido fazer ali, e muita vontade de continuar a colaborar para que o evento se tornasse num evento central do cinema nacional.
Três Irmãos (1994) de Teresa Villaverde
6 - Ficou na organização do festival durante quanto tempo?
:: Fiquei apenas nesse ano, era já o meu segundo ano na direcção do CEC. Como expliquei acima foi esgotante, mas não só, não se pode pedir que festivais com esta magnitude sejam feitos em mero regime de voluntariado. Era preciso retomar os estudos.
O Fim do Mundo (1993) de João Mário Grilo
7 - Que histórias guarda deste festival? Algum episódio caricato que tenha acontecido em alguma edição que queira partilhar...
:: Muitas histórias, muitos momentos que ficaram nas nossas memórias, de angústias e alegrias passadas em conjunto com as pessoas que formaram aquele fantástico grupo que levou este projeto de uma simples ideia e desejo ao evento em que ele se tornou.
Ao revisitar o catálogo dessa edição, relembrei o episódio de renderização e impressão do cartaz que serviria para espalhar pelos "mupis" de várias cidades nacionais (a imagem que está no topo deste texto). Foi uma aventura que passei com o autor do cartaz, o David Miguel Coimbra, um dia e uma noite completa à volta do 3d Studio em casa deste no Porto, para conseguir renderizar com os textos correctos, e conseguir chegar a horas a gráfica do Porto a tempo de poder ser imprimido e enviado às Câmaras. Passámos a noite a olhar para a barra de render em total desespero, só conseguindo terminar no dia seguinte quando era já quase meio-dia. O mesmo se passou com o catálogo, mas aqui quase sozinho, em que passei mais de 24h seguidas colado numa cadeira a terminar detalhes para depois fazer seguir para a gráfica, parece que ainda me lembro da cadeira em que estava sentado.
Oxalá (1980) de António Pedro Vasconcelos [excerto]
8 - Alguma exibição que o tenha marcado, seja enquanto espetador ou membro da organização?
:: Sim quando voltei ao festival como Júri passados alguns anos, em 2001, adorei ver a curta-metragem de Sandro Aguilar, Sem Movimento (2000), nunca mais a esqueci, apesar de nunca mais a ter conseguido rever. O seu trabalho de movimento visual nesta curta é magistral. Pena que como acontece como muito outro cinema português, as obras fiquem inacessíveis. Daí que festivais como os Caminhos adquiram uma ainda maior importância.
Passagem por Lisboa (1993) de Eduardo Geada
9 - Hoje ainda colabora com o CEC?
:: Apenas pontualmente. Por acaso encontro-me neste momento a colaborar com a segunda edição de Cinemalogia.
Cartaz da XIX Edição, 9 a 17 de Novembro 2012
10 - O que pensa do facto de existir apenas um festival exclusivo de cinema rodado em português?
:: Penso que é fundamental, que deve ser preservado, apoiado e acarinhado por todos. É um dos poucos momentos em que o amor à cultura cinematográfica nacional se abre sem rodeios e sem complexos.
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