junho 19, 2011

As narrativas “perdidas”

Tenho andado a ruminar sobre um tópico relativo ao design de narrativa, algo do tipo, teorias do objecto último, ou das narrativas perdidas, a propósito das narrativas da série Lost e do último livro de Dan Brown, The Lost Symbol (2010). Nesta teorização o objecto último aparece ao espetador definido como algo de totalmente desconhecido, intangível e inatingível.


Assim podemos verificar a sua ocorrência em narrativas que começam por gerar expectativas demasiado elevadas e transportam o espetador por um caminho sem fim, em que repetidamente somos lembrados de que existe algo no final, mas que por ora está reservado o seu acesso. Uma espécie de busca pelo ouro no final do arco-íris, em que nada mais existe para além do ouro. Ou seja quando uma narrativa propõe ao seu leitor que algo de infinitamente poderoso, infinitamente mau, ou infinitamente bom pode estar à nossa espera no final da obra comete-se um erro grave.


É isto que acontece com Lost que por trabalhar sobre um fechamento demasiado óbvio, a saída de uma ilha, se obriga a elevar a fasquia a um nível altíssimo, apresentando a ilha como imbuída de forças desconhecidas e não naturais, propondo assim um caminho em crescendo para algo que não poderá entregar ao espetador, se se quiser manter credível não evocando o sobre-natural. O mesmo vai acontecer com The Lost Symbol, no qual Dan Brown depois de uma narrativa em que oferecia a resposta para o Santo Graal (O Código DaVinci, 2003) se vê obrigado a elevar a oferta para um patamar totalmente inaudito. Assim cria a ideia de um símbolo maçónico perdido, um símbolo com um poder magnificente, capaz das coisas mais grandiosas.
Em consequência destas escolhas dos autores de ambas as obras, geram-se expectativas altíssimas em função de um anunciado final explicativo de todo um processo que se prolonga por dias de leitura ou visualização. No seio deste modelo existem duas questões que devem fazer refletir quem escreve:

1º - O fechamento não é Tudo
A narrativa deve ser capaz de proporcionar uma experiência que é um processo no tempo que nos ajuda a construir uma fábula daquilo que se está a passar. Para isso precisa de se auto-sustentar sem recurso constante ao anúncio da explicação última. Quando o fechamento é quem suporta toda a expectativa, funcionando como a cenoura na ponta do cordel, acaba por no final ser insuficiente para matar toda a fome de explicações gerada no leitor.

2º Quando o fechamento é Tudo
O não desvelar informações mínimas que permitam compreender o que está para ser anunciado no final implica uma construção narrativa conceptualmente poderosa mas de complexa gestão. A retenção de informação sobre o que está no final à nossa espera, gera um mundo de possibilidades na cabeça do espetador. Este processo para funcionar é normalmente respondido com um final em aberto, capaz de alimentar a imaginação do espetador.  O problema é que este tipo de estrutura narrativa está normalmente centrada sobre questões do foro intímo humano, onde a complexidade humana é capaz de servir qualquer significado. Ora nestes dois exemplos praticamente não temos conflitos internos, o que temos são meras ações externas, como a busca de objeto ou a descoberta de uma lógica para um local.

Isto explica a minha decepção com The Lost Symbol e explica também porque nunca tive grande interesse em seguir Lost. Desde o primeiro episódio que sabendo que a narrativa teria de ser estendida estruturalmente que não quis seguir algo que tinha um fechamento inevitável. Claramente que temos de dar a mão à palmatória e aceitar que a mestria dos guionistas de Lost é do mais alto nível, ser capaz de sustentar seis seasons é brutal. Uma narrativa morta à nascença vai abrir-se em múltiplas dimensões que vão girar em vários patamares ao longo de um eixo que une toda a série e sobre esse eixo manter o interesse do espectador até ao final, impressiona.

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