julho 01, 2020

Universos de fantasia-científica

“Quinta Estação” (2015) é o primeiro volume da trilogia “Terra Fraturada” da escritora americana N. K. Jemisin que se tornou numa espécie de recordista ao ser a primeira mulher negra a receber um prémio Hugo e o primeiro autor a receber 3 prémios Hugo em anos consecutivos, exatamente com esta trilogia — em 2016, 2017 e 2018 — sendo considerada "indiscutivelmente o escritor especulativo mais importante da sua geração". Se isto não chegar, posso ainda dizer que a formação de base de Jemisin é a Psicologia e que ela tende a escrever suportada em ciência. Aliás, foi esta última parte que me fez embarcar na sua leitura, após perceber que os seus mundos-história operavam num domínio que podemos definir, de forma oxímora, como fantasia-científica.


Desde o início do livro, Jemisin é bastante clara no desenho do universo, apresentando-o aos poucos, mas sempre suportado em lógica e racionalidade. O mundo-história é constituído por uma realidade alternativa na qual o planeta em que os humanos, e outras espécies, habitam atravessa constante agitação sísmica, provocando em ciclos de centenas de anos o apagamento de civilizações inteiras, fazendo com que as gerações seguintes praticamente desconheçam as anteriores. Esta premissa abre espaço para um mundo de possibilidades que colocam em conflito o racional de um desconhecido que garante o sentido mágico que a fantasia tanto preza. Pode-se dizer que o universo criado oferece ciclos continuados de ambientes pós-apocalípticos, aproximando-se da tendência atual do uso da figura do pós-apocalipse mas exacerbando a mesma para explorar os seus efeitos no ser humano.  
Mapa do Sossego, o planeta em que se desenrolam as histórias

E é exatamente aqui, no campo dos personagens, que Jemisin eleva a qualidade do discurso no género, menos habituado à dramatização psicológica, para oferecer a cada um dos personagens todo um historial, variabilidade moral e profundidade emocional. Estamos muito longe da mera premissa que puxa o enredo e faz seguir as aventuras, como a necessidade de descobrir a origem de uma qualquer força, a conquista de um qualquer território, ou o regresso do bem/paz ou equilíbrio, mais importante do que isso é conhecer aquelas pessoas: porque estão ali e porque se comportam daquela forma. Neste sentido, a obra acaba fugindo bastante aos cânones do género, já que se aproxima muito mais do tradicional romance. Os personagens vivem em realidades de relações sociais complexas, em que temos dominadores e submissos, em que a opressão é uma constante e cabe à narrativa levar-nos compreender como funcionam as desigualdades e como lidam as pessoas com as mesmas.

Tendo em conta o enfoque nas relações sociais e sua psicologia, o mundo criado por Jemisin é, no âmbito do nosso mundo contemporâneo, imensamente progressivo, algo que em tempos de grande polarização política, e provindo de uma autora americana negra dá conta de uma forma de estar reflexiva e preocupada com o mundo real que habitamos. Temos protagonistas negros, mulheres, homossexuais, transgéneros e até relações poliamorosas, tudo servido como parte de um universo perfeitamente lógico e natural. A autora tem perfeita noção dessa polarização, conhece fenómenos como o GamerGate, e a própria tem vindo a ser alvo dos mais diversos ataques à medida que vem ganhando prémios e tornando-se mais conhecida. Por isso os universos por ela criados não são inocentes, sendo ela a primeira a admitir que a criação de mundos-história por criativos serve na criação de mitologia e modelos mentais que os leitores utilizam para interpretar o mundo. Por isso, podemos dizer que estes seus livros contribuem para uma espécie de ativismo, no qual Jemisin reflete sobre o mundo que habitamos e oferece alternativas que nos questionam sobre muito daquilo que damos por adquirido nesta nossa realidade.


Entrando na leitura propriamente dita, podemos dizer que “Quinta Estação” começa por parecer algo estranha, dada a quantidade de factos de uma realidade que nos é estranha, ao que acresce uma narração a três vozes. Mas ao fim de meia-centena de páginas estamos ambientados e o universo começa a ganhar forma na nossa cabeça. A história conta-se no presente, mas uma das vozes dá-se a conhecer numa rara segunda-pessoa que sabe bastante mais sobre o antes e o depois do que se vai contando. Jemisin é bastante hábil a coser as diferentes vozes e a construir os arcos de cada personagem, ainda que me pareça que com este quadro teria sido possível criar um pouco mais de clímax, perto do final, com a junção das três narrações. Contudo, emocionalidade não falta ao longo de todo o livro, com as diferentes espécies a darem conta das castas e classes sociais e das opressões vividas, assim como dos comportamentos mais impróprios que nos incomodam, não tanto pelas figuras representadas, mas antes por conhecermos a base societal que serviu de inspiração à criação dessas figuras.

Voltando à ideia da fantasia-científica, diria que isto é talvez aquilo que tende a distinguir os universos da Marvel e da DC ou de Star Wars e Star Trek. Na Marvel as histórias que suportam as origens de cada um dos heróis tem normalmente por base uma explicação científica, sejam as transformações radioativas sejam as mutações genéticas da biologia evolucionária. Neste sentido não admira que as histórias passadas ao cinema tendam a focar-se repetitivamente nessas origens, já que isso é o que verdadeiramente interessa nos personagens, e não as suas repetitivas aventuras rocambolescas. Já no caso de Star Trek, o foco tende a estar na compreensão da diferença entre espécies, na exploração dos traços alternativos daquilo que poderíamos ser enquanto espécie, e não meramente das histórias de luta entre o bem e o mal que se repetem sem fim, e das quais pouco ou nada podemos retirar. É isso que Jemisin faz aqui, foca-se nas origens do seu mundo e dos seus personagens e procura explorar as diferenças, a partir das quais cria espelhos de nós próprios que nos obrigam a refletir sobre as sociedades que criámos.

Vale a pena ver o discurso de Jemisin na receção do terceiro prémio Hugo, e se tiverem vontade de compreender melhor como se criam estes universos, aconselho vivamente o workshop que ela deu no ano passado na comemoração dos 25 anos da revista Wired, no qual ficarão a saber do gosto, e claro influência, que têm tido videojogos como "Mass Effect" no seu trabalho.


Imagens do Workshop de Jemsin na Wired 25, explicando a conceptualização da criação de mundos (world building) nas suas formas Macro e Micro.


Análise do segundo volume.
Análise do terceiro volume.

junho 25, 2020

A casa que confere a Liberdade

“A Casa de Mr Biswas” (1961) parece, à primeira vista, uma regular saga familiar que extrapoladas as devidas distâncias culturais podemos aproximar do quadro criado por Mann com “Buddenbrooks” (1901), acrescendo o facto de ambas as obras se inspirarem em dados autobiográficos. A escrita de Naipaul difere bastante de Mann, menos rebuscada e bela, mas mais eficiente. Dito assim pode parecer que se ganhará com esta leitura apenas o acesso a um historial de costumes situado numa geografia distinta, Trindade e Tobago, contudo existe aqui algo mais. A longa tradição familiar, sustentáculo do romance de Mann, sofre aqui um enorme revés pelo enquadramento histórico da emigração que suporta as famílias do romance de Naipaul e dá conta do seu desenraizamento. 
A capital de Trindade e Tobago, Port of Spain, nos anos 1940

Trindade e Tobago é um país formado por duas pequenas ilhas — Trindade, a maior, e Tobago — ao largo da costa da Venezuela. Com pouco mais de um milhão de habitantes, mas detentora de petróleo, apresenta hoje um nível de vida, em termos de PIB per capita, três vezes superior à Venezuela, sendo mesmo ligeiramente superior a Portugal. A ilha foi descoberta por Colombo no século XVI tendo estado sob controlo Espanhol até ao século XVIII quando passou para as mãos de Inglaterra. Mais importante para a compreensão do cenário da obra de Naipaul é o facto de em 1831 ter sido abolida a escravatura na ilha, libertando os escravos provenientes de África que acabariam por abandonar a agricultura. Para dar resposta ao problema, os ingleses lançaram um sistema de incentivo à emigração de habitantes da Índia para Trindade que duraria até 1917, consistindo na introdução de cerca de 150 mil indianos na ilha. VS Naipaul era descente dessa corrente migratória, que representa hoje cerca de 50% do total do país. Este enquadramento não surge no livro, mas é requerido para o contextualizar.
Seepersad Naipaul (1906–1953), com o seu Ford Perfect, pai de VS Naipaul e que serviu de base para criar Mr. Biswas.

Naipaul abre o romance de forma a criar uma elipse narrativa, dando conta do facto de Mr. Biswas, personagem principal, estar com 46 anos e a 10 semanas do dia da sua morte. Viajamos depois até ao dia do seu nascimento, para ao longo das mais de 500 páginas o acompanhar a si, à sua família, a da esposa e depois os seus filhos. A saga inicia-se com um tom humorístico forte, inclinado à ironia e sarcasmo, mas vai evoluindo, como que amadurecendo, para se tornar cada vez mais melancólica. Tal como o próprio título indica o foco é a casa, mas essa só aparecerá no final, até lá Mr. Biswas terá de penar, chegando a viver com toda a sua família — mulher e 4 filhos — enfiados num único quarto.

Mas a casa serve mais do que isso, ela é a alegoria da emancipação, da libertação final. Ao longo de todo o livro vemos Mr. Biswas progredir mas sempre debaixo da alçada de alguém, nomeadamente a partir do momento em que casa e entra no seio de uma família alargada, com algumas posses e que preserva tradições do país de origem, a Índia. Mr. Biswas vive dependente, buscando as mais diversas formas de fazer frente à opressão de que é alvo pela família da mulher. Tudo parece resumir-se sempre às casas onde vai vivendo, sempre sob os comandos da família da esposa, nas quais se torna difícil compreender quantas pessoas lá vivem e como cabem lá. O excesso de pessoas confere dinâmica, mas confere também um sentido de caos. As tradições pairam, mas apenas isso, o caos é dominante e tudo é volátil, faltam âncoras, tudo é demais e esgota quem ali vive. A possibilidade de viver em casa própria, com a família, é miragem libertadora mas vão ser precisas várias tentativas goradas para lá chegar. Aliás, podemos ver estas tentativas de libertação metáfora dos contratos que os ingleses faziam com as famílias da índia que os obrigavam a trabalhar durante anos em Trindade e Tobago para pagar as viagens e os alugueres dos espaços em que moravam quando chegavam.
A casa que serviu de base à Hanuman House onde vivia a família da esposa de Mr. Biswas com todas as suas irmãs.
A família Capildeo que serviu de base à família Tulsi, as 9 irmãs e os dois "deuses", da mulher de Mr. Biswas

Mas o que é mais interessante é o modo como Naipaul consegue levar-nos a sentir essa mesma libertação no final. Após centenas de páginas de andar para frente e para trás, de felicidade misturada com tristezas, de parecer impossível sair do mesmo lugar, e quando se sai apesar da casa não ser nenhuma cama de ouro, mas sendo deles, sendo daquela família que claramente a merece, é chegada a hora do fim de Mr Biswas. Batemos no início do livro e sentimos as páginas fecharem-se, como se nenhum outro final fosse possível. A casa e a libertação de Mr Biswas não representam apenas o crescimento, o deixar para trás, mas representam a criação de um verdadeiro porto seguro que provém de um sentimento telúrico que se liga intimamente com a responsabilidade de velar pela família. É por isso que Mr Biswas pode finalmente partir, é esse reconhecimento que produz em nós a sensação de libertação pelo dever cumprido, de luta encerrada.


Vale a pena ler também, de VS Naipaul, "A Curva do Rio" (1979).

junho 18, 2020

"A Plague Tale: Innocence” (2019)

O videojogo "A Plague Tale: Innocence” alicerça-se, segundo os criadores, em “The Last of Us” e “Brothers: A Tale of Two Sons”, o que é notório no campo da narrativa, contudo em termos do design diria que se aproxima mais de algo como "The Order: 1886". O estúdio francês, Asobo, soube aproveitar as origens da cidade natal, Bordéus, para trazer para o centro da narrativa a Peste Negra e a Inquisição criando um cenário propício à produção de conflito e interesse dramático. Já a jogabilidade carece de coerência e síntese, ainda que se crie progressão ao longo do jogo, as mecânicas variam e mudam. Como exemplo, basta ver como em plena batalha final nos é oferecido acesso, pela primeira vez, ao verbo "correr" sem qualquer racional de suporte. Ainda assim, a arte e narrativa redimem a experiência.
Sendo a história o melhor de todo o jogo, junta-se-lhe arte de grande nível, tanto visual como sonora, menos na animação. A modelação e os modelos base usados são de grande detalhe e refinamento, sendo depois imensamente bem trabalhados na ilustração, tanto cor e luz, tudo envolvido em música de câmara barroca que acaba fazendo-nos sentir completamente imersos naquele mundo. Aliás, se os dois irmãos conseguem expressões dignas do nosso interesse, preocupação e compaixão, a praga de ratos consegue plenamente o nosso horror e tensão. Estes últimos são imensamente bem suportados pelos efeitos sonoros, e por isso não raras vezes damos por nós a recear que aquele mundo de ratazanas salte para fora do ecrã para o meio da nossa sala às escuras. A época da idade média resulta imensamente bem nas tonalidades castanhas escolhidas que lhe oferecem um caráter de autenticidade e de um tempo em que a madeira predominava na feitura dos espaços humanos. 
Se a animação funciona menos bem deve-o em parte à rigidez da interação que tolda também a jogabilidade, algo que dificilmente podemos separar. Ou seja, nem sempre os comandos nos obedecem totalmente, nem sempre os objetos se movem como esperados, nem sempre os personagens reagem como pretendido. Mistura-se a animação e o design numa tentativa de controlo da tensão da experiência mas que acaba a sugerir problemas de mau desenvolvimento. 

Se a IA, de forma geral, funciona bem, tanto no controlo dos personagens acompanhantes como dos inimigos, nestes últimos as capacidades perceptivas aumentam progressivamente sem qualquer razão, a não ser a de criar a sensação de progressão de dificuldade. Se no início podemos fazer stealth seguindo apenas pelas sombras, no final basta estar em linha com os soldados, não interessa a distância nem a luz, para sermos detectados, como se os soldados se tivessem tornado super-soldados. Isto acaba por elevar, em excesso, a dificuldade o que vai criando frustração porque contra as lógicas anteriores. Mas essa frustração não se fica pelo design, já que este acaba por produzir uma necessidade de repetição excessiva, seguindo lógicas de resolução por mera tentativa-e-erro, desligando-nos completamente do núcleo narrativo que está a ser contado nesses momentos.

O jogo salva-se pelo excelente trabalho realizado no design de narrativa, nomeadamente de personagens, com os dois irmãos a fundirem-se muito bem, tal como em “Brothers: A Tale of Two Sons”, indo mesmo além e aproximando-se por vezes da profundidade conseguida em "The Last of Us". O irmão mais novo, Hugo, não é mero acompanhante, nem Amicia é mera protectora deste. Existe uma verdadeira relação de irmãos com um arco-dramático completamente delineado que começa na fragilidade de lidar com mundo real, próprio de crianças da nobreza, e evolui para o amadurecimento e autonomização de ambos os irmãos. Não se pode dizer que é uma história com grandes ideias para comunicar, mas é uma história perfeitamente delineada, assente no valor universal da inocência, totalmente coerente e capaz de sustentar o nosso interesse ao longo de todo o jogo. Tanto assim é que os escusados bosses finais, repetitivamente difíceis, só são ultrapassados por nós porque desejamos veemente ver aqueles irmãos chegarem ao fim das suas jornadas.

junho 14, 2020

Da melancolia polar

Per Peterson é norueguês e aquilo que escreve vem impregnado de um sentimento distintamente melancólico, típico dos países próximos dos pólos. A leitura do seu mais conhecido livro, "Cavalos Roubados" (2003) fez-me voltar a um sentir que já conhecia, mas de outro meridiano, o Alasca de David Vann. O livro não é perfeito, tem altos e baixos, mesclas de universos menos interessantes, algumas repetições, mas o sentimento percorre todo o livro, impregna todas as suas dimensões, e é ele que fica, como se o autor nos transportasse para dentro da sua cúpula emocional.
O modo como Peterson consegue criar esta cúpula sensorial também se aproxima de David Vann, no sentido que ambos tratam tragédias humanas, mas fazem-no com imensa subtileza. Não usam a tragédia para produzir lágrimas fáceis, não usam a dor para nos deitar abaixo, antes trabalham numa linha fina entre a emoção e a cognição. Dão-nos a conhecer, ou levam-nos a trabalhar para compreender o que aconteceu, mas fica do nosso lado produzir a emocionalidade a partir daquilo que compreendermos. 

Para o leitor mais desatento pode até parecer que o autor não dá a importância devida, ou não explica, pode até parecer desprovido de sentido que não se aprofunde a tragédia, que não se dê mais explicações, e mesmo até não nos permita, enquanto leitores, “usufruir” daquele sofrimento. Mas é isto mesmo aquilo que distingue este sentir mais polar, no qual existe uma certa distância humana. Em que se sofre, em que se procura o fim de tudo, mas não se culpa ninguém, nem nenhuma situação por isso. Como se se pairasse por cima das tragédias, elas nos dissessem respeito, mas fizessem parte da realidade que vivemos, inevitáveis, mas ainda assim dolorosas, muito dolorosas...

Só descobri no final do livro aquilo que aconteceu ao autor em 1990, e ainda bem. Ajudou-me a compreender melhor parte do sentimento que trespassa o livro. Continuo sentir que existe ali muito do traço emocional emanado da polaridade geográfica, mas claro que as vidas pessoais de quem escreve têm inevitavelmente o seu impacto.

Esqueçam o título, esqueçam a capa.

junho 11, 2020

Auto-de-Fé (1935)

Mais um livro que encosto. Estive para o fazer por volta da página 60, mas insisti. Novamente na página 100, mas insisti. Perto da página 200 dei por mim a ler na diagonal, por isso achei que não valia a pena. Lê-se nalgumas recensões que a escrita é complexa, que não é, se comparado a outros clássicos é até bem acessível. Sim, existem algumas partes com fluxos de consciências mescladas, mas nada que Woolf já não nos tivesse dado a ver. Ou seja, por aí nada de novo. Nas ideias temos ainda menos, já que somos brindados com uma única ideia que se repete sem fim ao longo de todo o livro.
Sobre a escrita, não só não é complexa, como é pouco atrativa. Aliás, o caso que Canetti teve com Iris Murdoch e que tem servido para muita discussão sobre o comportamento de cada um, fez-me lembrar a beleza da escrita dela que se eleva muitos patamares acima de Canetti. Canetti além de escrever frases muito curtas para não ser perder ou não perder o leitor, está continuamente a repetir ideias e a explicar o que aconteceu uma e outra vez. É verdade que este foi o seu único romance, como tal o primeiro, por isso o meu ataque não é tanto ao autor, mas a quem diz que a escrita de Canetti estava repleta de qualidades. Não li os seus livros seguintes de não-ficção, nomeadamente "Massa e Poder" (1960) por isso não posso dizer nada sobre o Nobel.

No campo das ideias, pode-se dizer que existem ali imagens simbólicas, tenho lido relações com o pré-Grande Guerra, com o que levaria à produção dessa mesma segunda guerra em termos comportamentais. Contudo isso parece-me um exagero. O livro foi publicado em 1935, Canetti tinha 30 anos, e do que sabemos o livro baseou-se mais num acontecimento político relacionado com uma Revolta de 1927 em Viena, nomeadamente as fogueiras de livros. Aliás, diz-se mesmo que se terá baseado na reação das pessoas, percepcionada por si, como mais preocupadas com os livros que ardiam do que as pessoas que morriam.

No computo final, o texto acaba por se transformar num chorrilho de repetições que ainda por cima se limitam a dar conta de comportamentos absurdos. Tudo bem que podem servir para demonstrar o absurdo de algumas personagens das nossas sociedades e como estas conduzem a comportamentos desviantes destas sociedades. Contudo se lutamos para não ter de conviver com elas, por que havemos de suportar centenas e centenas de páginas falando sobre elas, apenas do ponto de vista delas? Mais ainda, páginas que não aprofundam a sua psicologia, mas se limitam a repetir os mesmos traços uma e outra vez, provavelmente para gáudio de alguns leitores. Confesso que o humor não é o meu género preferido, menos ainda a sátira, e isso terá contribuído para a minha impaciência.

junho 07, 2020

"A Origem" de Graça Pina de Morais

“A Origem” é considerado um dos livros mais ingratamente esquecidos da nossa literatura, escrito em 1958 pela médica cardiologista e escritora, Graça Pina de Morais, foi reeditado pela Antígona em 1991 e desde então mantido em publicação pela editora de Luis Oliveira. Nas linhas que se seguem procurarei dar conta da importância do livro e também de algumas das suas potenciais fragilidades.
Vista da casa em que Graça Pina de Morais viveu com a família e que serviu de inspiração a este romance

Quando se inicia a leitura na primeira página o impacto é imediato, percebemos que estamos perante um texto particularmente dotado. A escrita apresenta elevada erudição e fabrico. Denota toda uma bagagem de leituras que serve minuciosamente a elaboração discursiva que a autora procura manter sempre num registo acessível. Trabalha com grande fluidez e detalhe as descrições, usando a ação para dar conta dos espaços e das pessoas, evitando assim as imagens descritivas estáticas tão comuns noutros autores nacionais desta época. Existe um conhecimento sobre a psicologia humana que sustenta a forma como vai dando a conhecer e trazendo para a proximidade do leitor cada um dos personagens. A autora trabalha uma galeria alargada de personagens no entanto consegue ilustrar bem cada um destes, usando a especificidade dos seus comportamentos para os individualizar.
Assim, se toda a linha narrativa é apresentada num modo perfeitamente linear, próximo do romance realista do início do século, a galeria de personagens é marcada pela ausência de um protagonista evidente, o que mostra uma estrutura bem menos clássica. Ou seja, o romance linear tendia a agarrar-se ao personagem que tudo atravessa para formular o arco narrativo, dando conta do chamado coming-of-age. Aqui não temos protagonista, podemos indicar pelo menos 3 ou 4 que o poderiam ser, para Pina de Morais todos os seres parecem ter o mesmo valor, nenhum vale mais do que o outro. Fica a dúvida se isso se deve a uma vontade estrutural do romance, ou um sentir ideológico. Vejamos alguns dados.  

A edição que hoje podemos ler foi editada por Luís Oliveira a conselho de Herberto Helder, que nos conta [1] como para uma editora jovem no início dos anos 1990, tinha pouco para oferecer. Contudo a autora não colocou qualquer entrave ao interesse do editor e ofereceu-lhe mesmo o manuscrito, em 1991, não querendo qualquer compensação ou direitos. Aliás, Graça de Morais tinha já recusado um prémio nos anos 1960, por este lhe ser ofertado pelo Estado Novo [1]. Assim como durante anos ofereceu consultas médicas às pessoas da região da casa da família, onde ia de férias para escrever. Estes factos e mais algumas descrições dão conta de uma pessoa que apesar de não ter passado propriamente dificuldades, atendeu particularmente a uma vida simples e frugal [3].

A Casa das Quintans
Pequeno escritório da casa onde escrevia, sem qualquer vista para o Douro

Podemos juntar ainda a estes factos os relacionados com a casa onde decorre toda a ação. A Casa surge sempre grafada com maiúscula, sendo a primeira parte intitulada em sua homenagem, mantendo forte relevância ao longo de todo o romance. À medida que vai progredindo a narrativa, ela vai passando a fundo, mas a sua presença enquanto envolvência é permanente, transformando-se em espaço, direi mesmo em realidade alternativa, desligada das regras e leis naturais. Sente-se que a autora foge do detalhar de certos comportamentos assim como partes da casa, deixando no ar ideias, como se não houvesse palavras para descrever o não descritível. E é quando recorremos à história real da Casa das Quintãs [2] que percebemos melhor aquilo que paira na mente de Graça Morais. A casa foi comprada pelos avôs maternos de Graça Morais Pina, comerciantes de vinho, numa hasta pública. O anterior proprietário tinha perdido a casa por dívidas de jogo, tendo tentado ali, sem sucesso, suicidar-se, deixando ainda marcas na casa como salas inteiramente pintadas de preto [1]. Temos aqui o pano de fundo para “A Origem”, com a autora a usar a liberdade do romance em busca de respostas, tentando dar sentido à Casa e a quem a tinha habitado, à Origem. 

O interior da casa das Quintans

"O ser humano é sujeito, por vezes, a sensações de pavor e angústia que surgem momentâneas e lancinantes, não por um facto real que deveras aterrorize, mas por algo de irreal que não pode discernir, nem concretizar." A Origem, (1958:24)

Sobre a proximidade autobiográfica, a autora dizia em entrevista:

“O romance que me deu mais prazer a escrever foi A Origem. Passava noites acordada, encadeando ideias. Sentia-me uma iluminada. Contava a História da minha própria família absolutamente deformada pela imaginação.” A autora em entrevista [4]

Acrescente-se ainda que nesta mesma casa, que é parte do roteiro dos Escritores do Norte [5] viveram 4 escritores todos ligados a Graça Pina de Morais (1925 - 1992), o seu tio Domingos Monteiro (1903 – 1980), o seu pai João Pina de Morais (1889 – 1953), e a sua irmã Elisa Pina de Morais (1926 – 2001). Os homens têm obra novelística mas são claramente recordados pelo seu envolvimento político, e a irmã por obra no campo do direito. A relação com a casa parece surgir apenas nesta obra de Graça de Morais, contudo surge com tanta força e evidência que acaba por se tornar ela própria na personagem, secundarizando os reais personagens do lugar. A determinada altura, e depois de muito me ter interrogado sobre a postura do narrador, que desgostei, e já explicarei, comecei a sentir que o narrador seria a própria casa, o que explicaria muitos dos problemas desse narrador, mas serviria por outro lado para elevar ainda mais o relevo e alcance do romance.
Temos então um trabalho escrito na terceira-pessoa com um narrador clássico omnisciente, com todos os problemas que daí advém [6] e que aqui se tornam por demais evidentes. Desde a estranha sensação de que o narrador é e não é o autor, de que ele sabe, sem saber, conhece sem conhecer, sem se apresentar. Isto torna-se ainda mais problemático quando esse narrador desata a atacar todos os personagens de que nos dá conta. Não existe uma única personagem em todo o livro que seja inteligente, culta ou dotada, quando tal se diz, passadas poucas páginas é contradito. Apesar da autora ser mulher, a crítica às capacidades femininas é vil. Ao mesmo tempo, não raras vezes se redundam significados, dando a mão ao leitor, parecendo existir receio da sua fraca compreensão. Tudo serve na verdade para aumentar a sensação de grande estranheza. Deixo apenas três exemplos:

"Ana Joaquina não a entendia; a linguagem da senhora era muito elevada para os seus modestos recursos." A Origem (1958:59)

"Não era estúpida como ela própria imaginava. Tinha uma inteligência mediana. Era só excessivamente feminina e todos os assuntos do exame estavam longe dela." A Origem, (1958:149)

"João tinha um total desconhecimento da vida e das suas bases práticas. Nunca abandonara a casa, onde gente perturbada e ilógica vivia." A Origem, (1958:236)

Este dar a mão, por meio de explicações diretas de algo que a autora quer apenas deixar subentendido é particularmente estranho. Parece que a autora sentia a necessidade de reforçar o que queria dizer como se não o tivesse conseguido. Contudo essas explicações não podem deixar de ser encaradas como provindo de um outro personagem daquele mundo. Não faz sentido atribuí-las à autora, já que o comportamento destoa totalmente daquele expresso e reconhecido por muitos na sua pessoa. Por isso resta-nos interpretar o narrador como a Casa, aquela que conheceu todas aquelas pessoas, que as qualificava segundo uma ordem de inteligência, esperteza e poder, sem receios nem pudores. Aquela que determinava a particularidade daquele lugar, fazendo leis próprias que obrigavam a quem ali habitava a servir e a seguir determinados modelos e propósitos.

Não me parece que fosse intenção da autora discutir grandes ideias, propor grandes visões, existe um foco no mal, na sua origem, mas não é algo trabalhado em suficiente profundidade. Contudo vejo um mundo criado por Graça de Morais intenso e real na sua irrealidade. Não é só a boa escrita da autora que nos agarra, é também a construção do mundo-história sólido que nos alberga enquanto leitores e clama por nós sempre que fechamos o livro. Apesar de se referir que o esquecimento da obra de Graça de Morais se deve ao facto de ser mulher, não posso deixar de evocar aqui “O Sino” de Iris Murdoch escrito em Inglaterra em 1958, e “A Sibila” de Agustina Bessa-Luís de 1954. Duas obras, estruturalmente superiores a “A Origem”, mas com as quais Graça de Morais ombreia de igual para igual no domínio da erudição escrita. A autora só escreveria mais um romance, mais de 10 anos depois, “Jerónimo e Eulália” (1969), o que provavelmente impediu o seu crescimento enquanto criadora e pode ter ditado algum do esquecimento referido no início.


Referências

[1] Graça Pina de Morais, a mulher que estava presa à liberdade, in Série Escritoras Esquecidas, Jornal de Negócios, 4 outubro 2019

[2] Casa Museu Quinta das Quintans, Facebook 

[3] Jesus, Isabel Henriques de. (2015). Estrangeiras: Mulheres em Jerónimo e Eulália de Graça Pina de Morais. Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, (33), 23-35. Recuperado em 07 de junho de 2020, de 


[5] Casa de Quintans, Escritores a Norte, Online

[6] "A Mecânica da Ficção" (2008) de James Wood

Descobri que a autora deu uma entrevista a Manuel Poppe mas que esta nunca passou na televisão. Entretanto Poppe terá transcrito a mesma para um livro de memórias que terá servido a muitos dos que trabalham a obra de Graça Pina de Morais.

maio 31, 2020

Design de Experiência através do “Power of Moments”

“The Power of Moments: Why Certain Experiences Have Extraordinary Impact” (2017) é o terceiro livro que leio dos irmãos Heath depois de “Made to Stick: Why Some Ideas Survive and Others Die” (2006) e “Switch: How to Change Things When Change Is Hard” (2010). Direi que este “Power of Moments” se aproxima bastante de “Made to Stick” pela estrutura, mas em termos de objetivos congrega os dois anteriores. Em “Made to Stick” tínhamos o modo como podíamos desenhar experiências que permanecessem na memória das pessoas. Em “Switch” tínhamos o modo como poderíamos contornar as dificuldades que se colocam à mudança. Em “Power of Moments” juntam-se ambos e temos então a discussão sobre o modo como o design de experiências pode contribuir para a transformação de pessoas. Percebe-se que é o mais ambicioso dos três, mas apesar de algumas boas ideias dificilmente entrega o que promete, principalmente pela dimensão da ambição. Ainda assim vale a leitura para quem trabalha na área.

maio 30, 2020

"I Will Never See the World Again" (2019)

Ahmet Altan foi preso em 2016, a seguir ao golpe de estado falhado na Turquia. Altan tinha um historial, enquanto jornalista, de escrever artigos proibidos, por serem alegadamente contra a Turquia, falando do direito à autodeterminação dos povos curdos e arménios que vivem sob a opressão da Turquia. Por isso foi listado na longa lista de intelectuais, académicos, militares e magistrados que foram presos como forma de purga do sistema turco. Várias associações internacionais, como o PEN Internacional e a Amnistia Internacional, iniciaram em 2017 um pedido de apoios e manifestos pela sua libertação juntando nomes como Neil Gaiman, Ali Smith, Salman Rushdie, Margaret Atwood e Joanne Harris que de nada valeu, já que um ano depois seria sentenciado a prisão perpétua. Dias depois dessa sentença, surgiu uma carta aberta no The Guardian assinada por 38 prémios Nobel, contando do domínio da literatura com Svetlana Alexievich, JM Coetzee, Kazuo Ishiguro, Herta Müller, VS Naipaul, Wole Soyinka e Mario Vargas Llosa. Um ano meio depois, Ahmet Altan veria a pena reduzida para 10 anos. Por ter já cumprido 3 anos, seria libertado para grande regozijo internacional, mas menos de uma semana depois, a pedido do procurador, voltaria a ser preso. Altan escreveu na semana passada um artigo sobre os efeitos do COVID-19 na prisão em que ainda se encontra para o Washinton Post.
O livro de memórias "I Will Never See the World Again" foi escrito durante os primeiros tempos de prisão, relata o momento de prisão, a espera, os julgamentos e a estadia na prisão. É um livro muito curto, focado num breve momento de vida, mas é um livro pleno de fôlego. Não existem aqui dedos em riste, acusações, existe um escritor que analisa o que sente, o que vê e como isso altera o seu interior. É uma verdadeira viagem pelo interior de alguém a quem foi retirada a liberdade, a autonomia. Altan, sem acesso a internet nem biblioteca, cita autores e frases completas de memória, dos clássicos com que vai convivendo no seu mundo interior, interagindo com autores como Dante, Homero, Tolstói ou Saramago.
Altan cita de memória Saramago — "There is no consolation, my sad friend, humans are inconsolable creatures" — a partir do livro "Jangada de Pedra" (1986:60)

O livro está escrito como momentos que se dividem em capítulos, alguns dedicados ao sentimento da prisão, injustiça e esperança outros dedicados à arte e literatura. Num desses capítulos Altan disserta sobre diferença entre os escritores do século XIX — Tolstói, Balzac, Flaubert e Dostoiévski — que qualifica de centrados nos personagens e suas emoções e os escritores do século XX —Musil, Céline ou Joyce — focados apenas nas ideias. Diz algo com que concordo, os personagens dos primeiros são mais importantes do que os seus autores, enquanto para os segundos apenas lhes interessa falar de si mesmos, servindo os seus personagens apenas de veículos.

A escrita, bagagem e visão do mundo apresentada nestas poucas linhas atraíram-me a ponto de ter começado a procurar o próximo livro do autor para ler.


maio 24, 2020

“Quando Tudo se Desmorona” (1958)

“Quando Tudo se Desmorona” fala de uma tribo em África algures no passado, dando conta dos costumes, hábitos e comportamentos sociais instituídos. Para o leitor Europeu de hoje os costumes apresentados — de governo, de casamento, relações pais e filhos, doenças, etc. — parecem toscos e nalguns casos apresentam-se mesmo como hediondos. Contudo, enquanto lemos, e pela forma quase neutra como tudo vai sendo apresentado, parecemos estar perante uma sociedade com um largo conjunto de regras que formam uma civilização, tal como a nossa já terá sido. É inevitável não parar a tentar compreender porque determinada regra foi instituída, ainda que algumas tenham à mistura algumas incógnitas proporcionadas pelos oráculos, deuses e magias, mas na generalidade é possível extrair as causas e razões da instituição das regras. Os homens mais fortes com as suas tarefas e deveres, as mulheres menos fortes com as suas tarefas e obrigações, e quem não se encaixa no perfilado é ostracizado. Tudo acaba sendo menos violento porque a própria natureza consegue ser ainda mais severa ao permitir que homens e mulheres que dão à luz a uma dezena de filhos os possam perder todos. Por isso, percebe-se que a realidade ali não é a realidade que nós hoje vivemos, as condições ditam, inevitavelmente, os modos de ser da nossa espécie. É no tempo, pela aprendizagem com tudo aquilo que os que vieram antes de nós nos legam que podemos tentar enfrentar e sobreviver com menos dor. O respeito pelos mais velhos, pela experiência passada faz-se relevante e serve de lei, mesmo quando dela duvidamos.


A chegada dos missionários (não é dito, mas foram os portugueses quem primeiro contactou com as tribos Igbo e iniciou o processo de cristianização e ao mesmo tempo de rapto de escravos) abre um olhar novo sobre aquelas vivências, inevitavelmente nos vemos ali representados, compreendendo, mas não aceitando. Porque hoje compreendemos algo que os nossos próprios antepassados não compreendiam, que a cultura dos outros não é pior do que a nossa apenas por ser diferente. Se dúvidas houvesse, bastaria olhar para o que fazíamos pela frente — evangelizar — enquanto por detrás torturávamos, violentávamos, matávamos e raptávamos. Achebe não o diz, mantém sempre a neutralidade, tal como manteve no relato dos costumes mais bárbaros das tribos, com a perspetiva fixa nos personagens de cada tribo que não compreendem quem somos e porque estamos ali. Mas custa muito ler e imaginar como tanto sucedeu durante séculos.

A edição portuguesa foi publicada pela Mercado de Letras

O livro foi primeiramente escrito em inglês porque a Nigéria se tornou numa colónia britânica no século XIX, e esteve debaixo do seu domínio até 1960, sendo um livro obrigatório nas escolas britânicas e em muitos lugares de África. Contudo, considero que deveria ser obrigatório também em Portugal. Temos obrigação de ter muito mais consciência do que fizemos, é difícil pensar hoje que o nosso país chegou a deter o monopólio do transporte de escravos. Claro que tal como não devo condenar os costumes das tribos, mesmo os mais macabros, também não posso condenar um país por erros cometidos há 500 anos.

“Quando Tudo se Desmorona” é um dos maiores legados da literatura africana, mas também do nosso tempo, aproveitemos o conhecimento e experiência proporcionada por Chinua Achebe para nos conhecermos melhor a nós mesmos.