maio 23, 2020

O Sino (1958)

Iris Murdoch é para mim uma escritora muito particular por ser capaz de produzir uma escrita carregada de erudição e ao mesmo tempo imensamente acessível. Apresenta enorme densidade em elaboradas construções frásicas que funcionam como belos descritivos de ação e pensamento que nunca cansam. Por outro lado, consegue fazer tudo isso mantendo um fio de enredo imensamente intenso, com um sucedâneo de eventos que captam o nosso interesse, e nos levam a questionar sobre o que vai acontecer a seguir, enquanto nos deliciamos com os interiores de cada personagem.
O “Sino” não está muito distante do “O Mar, o Mar” (1978), temos uma pequena comunidade de pessoas, cada uma com as suas particularidades, mas unidas por um mesmo desejo, encontrar-se, perceber o que podem ainda fazer das suas vidas que os faça sentir melhor consigo próprios e com os outros. Temos espiritualidade pelo meio, com um convento vizinho, mas o centro é mesmo a quinta para onde se retiram na ânsia por, através do afastamento da realidade corriqueira cheia de prazeres e culpas, encontrar a transcendência que lhes permita redimir tudo o que para trás ficou.

O “Sino”, apesar de aqui apelidado de Gabriel (o anjo mensageiro de Deus), acaba por não entregar as mensagens que todos esperam, criando uma conclusão anti-climática, mas ao mesmo tempo realista, porque de acordo com os resultados destes retiros que tantos de nós prezamos e passamos tempos a imaginar que podiam por nós, pelo interior, fazer milagres. Relembre-se “Walden” (1854) de Thoreau, hino ao escape e retiro, que acaba por colocar a nu o quanto tudo não passa de mero luxo inventado pela burguesia, birra em jeito de confronto das regras instituídas para viver em sociedade.

Mas o que me fica desta leitura é muito mais o mundo criado, a densidade humana povoado pelo interior de cada personagem, as suas relações, rejeições, ânsias e medos. Murdoch enreda belissimamente o que tem para contar, e transporta-nos para o universo por si criado, fazendo-nos sentir bem no seu mundo.

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