O último volume da trilogia Terra Fraturada — The Stone Sky (2017) — é um trabalho soberbo, na continuação dos volumes anteriores, com direito a uma ampliação da história que vai muito além do esperado, com um ritmo de leitura imparável até ao final. Contudo, se até 2/3 segui Jemisin, e adorei todo o novo enquadramento proposto, perdeu-me no último terço, quando desistiu da ciência para simplesmente abraçar a fantasia. Acabou seguindo, para mim, o caminho mais fácil, fazendo com que o universo que vinha construindo até ali, sempre na fina linha entre ciência e fantasia, se perdesse de vez. Ou seja, continua sendo um grande livro no domínio da FC & Fantasia, mas acabou por se fechar no género, ao contrário do que tinha acontecido antes, especialmente com o primeiro livro.
A questão da fantasia é tanto mais frustrante quanto percebemos que Jemisin sustenta, do ponto de vista da ciência, quase 80% de tudo aquilo que montou enquanto mundo-história. Sinceramente não percebi a necessidade de extravasar, de dar consciência ao planeta, de introduzir decisões morais em eventos produzidos por aquilo que seriam forças magnéticas entre a Terra e a Lua. Até ao último terço, teria sido possível sustentar praticamente tudo, mesmo a ideia da "magia" que Jemisin coloca sempre em itálico, poderia ser uma espécie de "fluxo de vida", como algo próximo de "energia". Mas não, no final parece que abandonamos o mundo da Terra Fraturada para abraçar o mundo dos super-heróis, a génese dos seus poderes, as intrigas e as missões ocultas de sabotagem, etc.
Do mesmo modo, o surgimento da raça Niess, uma espécie de novos judeus perseguidos, depois redimidos por via da criação genética dos tuners é não só excessivo, mas desnecessário. Já tínhamos os Roga, com a orogenia e a ferrugem, para quê adicionar mais uma raça de oprimidos? Não existe suporte para tal, não se percebe o sentido, e depois acaba meramente a servir de justificativo moral, bons e maus, para a fantasia do “Pai Terra”, algo que sempre esperei vir a ser explicado como mero mito.
A minha experiência de leitura assemelhou-se bastante ao que aconteceu com a recente série de Ridley Scott, "Raised by Wolves" (2020). Se adorei experienciar, ser levado na desvelação de cada nova camada de ideias e conceitos, dedicando-me a descodificar e a significar cada elemento, à medida que o significado derradeiro do mundo se ia evidenciando o meu entusiasmo ia esmorecendo, com o espanto a dar lugar a ausência de reação...
Apesar desta minha deceção, a trilogia só dificilmente não se tornará um clássico da FC, ganhar 3 prémios Hugo seguidos não está ao alcance de qualquer um. NK Jemisin é uma autora imensamente talentosa, e alguém que precisamos de continuar a seguir. Deixo o seu discurso realizado na entrega do terceiro Hugo:
Discurso incrível! Fiquei curiosa com esta triologia. Relativamente a Raised by Wolves javardaram tudo no final, muito longe do prometido pelo início da série ☺️
ResponderEliminarEu li uma entrevista com um dos mentores da série, parece que prometem muito para desvelar, mas ele diz que precisa de 6 temporadas para chegar ao âmago LOL
EliminarAhaha muito crente. Levar a atenção das pessoas através de 6 temporadas hoje em dia exige estímulo constante e não me parece que se esteja a sair muito bem. Mas quem sabe né? 😅
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