outubro 08, 2011

Steve Jobs, o designer de interação

Steve Jobs (1955-2011) foi um visionário, porque viu diferente, e viu à frente de todos nós. Steve Jobs não inventou, fez antes aquilo que os melhores criativos e grandes inovadores sempre fizeram, pegou em algo e transformou, deu-lhe uma nova forma e um novo uso.

Steve Jobs Drawing, por Guillermo Contreras

No caso de Jobs a sua maior sensibilidade criativa passou pelo modo visionário como deu forma à experiência das tecnologias computacionais. Ou seja Steve Jobs foi um dos maiores génios de sempre no campo do Design de Interacção, um dos campos mais relevantes dos estudos da Interação Humano-Computador (IHC).

A primeira apresentação pública do Macintosh, 1984

O seu maior legado à humanidade tem o nome que durante décadas se confundiu com o nome da própria marca, o Macintosh, lançado em 1984. O Macintosh tecnologicamente era um bom computador pessoal e essencialmente apresentava um excelente preço para a altura. Basta pensar que o primeiro Macintosh custava 2 mil dólares, enquanto o seu antecessor, o Lisa, custava 10 mil. Esta redução de preço deve-o fundamentalmente ao co-fundador da Apple, Steve Wosniak. Wosniak é um dos mais brilhantes engenheiros de eletrónica de sempre, e claramente que sem ele não teríamos tido o Macintosh.

Steve Wosniak falando pouco depois de ter sabido da morte de Steve Jobs a 6 de Outubro de 2011. Pela Associated Press. 

Mas se o Macintosh se tornou em um dos ícones mundiais da computação, não foi por causa da sua eletrónica, embora claramente tenha impulsionado. Foi antes pelo modo como foi desenhada a relação entre o utilizador e o computador. Até aqui o utilizador de computadores tinha de ler e aprender muita coisa antes de poder começar a usar um computador. Com o Macintosh foi inaugurado o caminho das interfaces gráficas para os utilizadores (GUI) que faziam uso do rato e do teclado.


O utilizador tinha sido libertado da opressão das interfaces crípticas de comandos textuais, algo que foi metaforizado de forma brilhante numa campanha publicitária.

1984, publicidade de lançamento do Macintosh

A grande questão que muitos levantam é que este sistema de interface gráfica não terá sido inventado pela Apple nem pelo Steve Jobs como popularmente se costuma pensar. A interface gráfica do Macintosh nasceu de uma máquina anterior, a workstation Xerox Star, comercializada pela Xerox em 1981.
Xerox Alto, 1973

À primeira vista poderíamos dizer então que Jobs nada fez e que se terá limitado a usar o que já existia. O problema é que a realidade não é tão simples. O Xerox Star não foi de todo o primeiro computador com interface gráfica a fazer uso do rato. Antes deste, a Xerox na sua divisão de investigação a PARC (Palo Alto Research Center Incorporated) tinha já criado um computador com interface gráfica, o Xerox Alto, em 1973, que era utilizado internamente e nunca foi comercializado.

Mas a Xerox foi apenas um passo intermédio, a base está lá mais atrás em nome de três senhores Vannevar Bush, Ivan Sutherland e Douglas Engelbart. Assim Bush foi o primeiro grande visionário de todos estes sistemas de acesso aos dados, através de uma ideia conceptual apelidada de MEMEX e que apareceu publicada no mais importante texto dos estudos sobre Interacção Humano-Computador, As We May Think, um texto de 1945. Neste texto Bush desenvolve a ideia de que os computadores deveriam permitir um acesso à informação da mesma forma como o nosso cérebro funciona. Ou seja em Pensamento Associativo, as ideias ligadas entre si por nós, o que daria origem àquilo que viria a ser definido como Hipertexto, depois Hipermédia, mais comummente Multimédia, ou então como é hoje apelidado em termos corretos pela academia, os Media Interativos.

O MEMEX era de uma forma simplificada aquilo que hoje conhecemos como a WWW. Mas não passava de uma visão, não existia qualquer tecnologia que lhe pudesse dar corpo à altura. Assim em 1961 Sutherland criará o primeiro sistema computacional de interacção gráfica, que recebeu o nome de Sketchpad. Este sistema é assim a primeira tecnologia de sempre a permitir uma interatividade gráfica na relação Humano-Computador. Fazendo uso de uma Caneta de Luz podíamos interagir com o ecrã. E foi o Sketchpad que levaria depois em 1967 Engelbart a inventar e a patentear o primeiro rato para computador, na altura feito em caixa de madeira, mas conceptualmente o mesmo tal como o conhecemos ainda hoje.

Sketchpad (1961) de Ivan Sutherland

Dito tudo isto, e mais se poderia dizer, o que podemos ver, é que como nos diz Kevin Kelly, as invenções tecnológicas não são algo que possamos atribuir a uma pessoa apenas. Existe uma espécie de inevitabilidade tecnológica que empurra o desenvolvimento e que pode levar mesmo a que várias pessoas criem tecnologias muito próximas quase simultaneamente em diferentes partes do globo. Isto mesmo falei aqui no VI sobre as tecnologias de criação do Cinema a propósito dos Irmãos Lumière.

Como se pode ver por esta descrição entre o artigo de Bush e o primeiro Macintosh distam praticamente 40 anos. Ou seja, de todo podemos dizer que Jobs inventou a interação gráfica entre o homem e o computador. Mas o que podemos dizer é que foi ele o primeiro a conseguir juntar a tecnologia correta com a interface correta. Ou seja, Jobs consegui ao fim de 40 anos concretizar a visão de Bush.

O que isto me diz a mim, é algo sobejamente conhecido sobre a sua pessoa, é que ele era um “doer”, alguém que fazia, e não sonhava apenas em vir a fazer. Era alguém capaz de liderar várias pessoas, obter o melhor de cada uma delas, e chegar a um objeto final que respondesse de forma altamente eficiente às necessidades. O seu talento e genialidade define-se assim no campo do Design de Interação, da Interacção Humano-Computador.

Jobs não se limitou a marcar em 1984 com o Macintosh, mas voltaria a marcar novamente em 2007 com o iPhone. Mais uma vez o iPhone está longe de ter sido a primeira tecnologia do tipo, a Apple investiu nisto durante uma década num projeto chamado Newton, ainda antes dos primeiros Pocket PCs e PDAs terem surgido. Mas o iPhone tal como o Macintosh revolucionou por completo o campo dos telemóveis, dos smartphones, dos Pocket PCs, dos PDAs, no fundo de toda a computação móvel. E a sua revolução não foi a tecnologia, mas sim a forma e corpo dada à experiência dessa tecnologia.

A conceptualização do iPhone assente num único botão físico é impressionante e a concorrência demorou a encaixar esta inovação em termos de design de interface, enquanto os utilizadores se sentiram de imediato aptos a fazer uso disso mesmo. Todo aquele objecto e sistema operativo é eficiência e funcionalidade, com um grau de usabilidade que a concorrência não pôde reinventar, mas apenas copiar.

Muito mais se poderia dizer, mas serão precisos vários livros para falar de todo o impacto que esta pessoa teve no mundo das tecnologias de computação. Pelo meu lado tento seguir todos os dias muito do seu legado, na minha investigação diária no engageLab, e tento passar muito deste legado aos meus alunos do Mestrado em Tecnologia e Arte Digital e do Mestrado em Media Interativos na Universidade do Minho.


Deixo aqui apenas mais três links para que possam ver e ler mais um pouquinho sobre esta pessoa que nos deixou. Apple’s Passionate pitchman - Um histórico das apresentações mais importantes realizadas por Steve Jobs na Apple, pela CNN.
Steve Jobs’s Patents - Infografia interactiva do NYTimes onde podemos rever todas as patentes em que Steve Jobs esteve envolvido ao longo da sua vida.
Steve Jobs e o mundo dos Games - Apontamento sobre quatro legados ao mundo dos videojogos.

Expressão em pequenos jogos

Imagem panorâmica por Pedro Branco

Ontem fiz uma palestra sobre Expression and Narrative in Minigames na conferência" Microstories and other Microforms. A conferência faz parte de um projeto da FCT que estuda a cultura dos microcontos. Nesta palestra fiz questão de apresentar vários jogos que fazem da sua mensagem o mote principal, deixando o gameplay a servir apenas de forma. Desta análise resulta que existe um potencial riquissimo por explorar no mundo do design de interacção, no campo das temáticas e mensagens presentes nos videojogos.


Immortall, (2011), de Evan Miller


Coma (2010) de Thomas Brush

Videojogos como Immortal (2011) ou Coma (2010) são verdadeiros objectos de inspiração artística para quem trabalha neste meio, seja na cena indie ou mesmo na indústria. Vale a pena ver a pequena entrevista com Thomas Brush e perceber o que move estes criadores. Nos meus slides deixo mais pistas, exemplos, mas levanto apenas a ponta do véu, sigam os links e principalmente joguem e sintam.



outubro 07, 2011

Off Book: "Street Art"

Da nova série web da PBS, a Off Book, já vimos - Light Paint, Type, Visual Culture Online, Steampunk e Hacking Art. Esta semana saiu o 6º episódio sobre a Street Art.


The street is a space where art thrives, and a place where artists can shape the public aesthetic. Olek, a sculpture who knits, and Swoon, a mixed media artist, disrupt daily life with work that creates wonder, emotion, and humor. Equally at home in museums and galleries, both artists also create installations that challenge the formats of traditional art spaces. With powerful layers of meaning, beautiful aesthetics, and using unique media, these two prolific creators are pushing the boundaries of contemporary art. 

 
Episódios anteriores  1 - Light Paint
2 - Type
3 - Visual Culture Online
4 - Steampunk
5 - Hacking Art 

Filmes de Setembro 2011

Em Setembro deliciei-me com o último trabalho da equipa de animação, Blue Sky, dos estúdios Fox e com um drama de origem Norueguesa de 2008. Vi o último Scream, uma das séries mais interessantes de terror pela forma como trabalha o lado metanarrativo do horror dentro dos próprios filmes e fiquei decepcionado com Thor pois esperava mais.

xxxx Rio 2011 Carlos Saldanha USA

xxxx Troubled Water 2008 Erik Poppe Norway

xxxx Steal this Film I & II 2006/7 The League of Noble Peers Sweden

xxx Thor 2011 Keneth Branagh USA

xxx Scream 4 2011 Wes Craven USA
xxx The Losers 2010 Sylvain White USA
xxx Pandorum 2009 Christian Alvart USA

xx Hanna 2011 Joe Wright USA
xx Peacock 2010 Michael Lander USA
xx Rien à déclarer 2010 Dany Boon France
xx Repo Men 2010 Miguel Sapochnik USA
xx Resident Evil: Afterlife 2010 Paul W.S. Anderson USA
xx Man to Man 2005 Régis Wargnier USA
xx Don't Come Knocking 2005 Wim Wenders USA xx  
White Dog 1982 Samuel Fuller USA

x A-Team 2010 Joe Carnahan USA

outubro 04, 2011

Declaration of the Occupation of New York City

 
‹‹As we gather together in solidarity to express a feeling of mass injustice, we must not lose sight of what brought us together. We write so that all people who feel wronged by the corporate forces of the world can know that we are your allies.

As one people, united, we acknowledge the reality: that the future of the human race requires the cooperation of its members; that our system must protect our rights, and upon corruption of that system, it is up to the individuals to protect their own rights, and those of their neighbors; that a democratic government derives its just power from the people, but corporations do not seek consent to extract wealth from the people and the Earth; and that no true democracy is attainable when the process is determined by economic power. We come to you at a time when corporations, which place profit over people, self-interest over justice, and oppression over equality, run our governments. We have peaceably assembled here, as is our right, to let these facts be known.

  • They have taken our houses through an illegal foreclosure process, despite not having the original mortgage.
  • They have taken bailouts from taxpayers with impunity, and continue to give Executives exorbitant bonuses.
  • They have perpetuated inequality and discrimination in the workplace based on age, the color of one’s skin, sex, gender identity and sexual orientation.
  • They have poisoned the food supply through negligence, and undermined the farming system through monopolization.
  • They have profited off of the torture, confinement, and cruel treatment of countless nonhuman animals, and actively hide these practices.
  • They have continuously sought to strip employees of the right to negotiate for better pay and safer working conditions.
  • They have held students hostage with tens of thousands of dollars of debt on education, which is itself a human right.
  • They have consistently outsourced labor and used that outsourcing as leverage to cut workers’ healthcare and pay.
  • They have influenced the courts to achieve the same rights as people, with none of the culpability or responsibility.
  • They have spent millions of dollars on legal teams that look for ways to get them out of contracts in regards to health insurance.
  • They have sold our privacy as a commodity.
  • They have used the military and police force to prevent freedom of the press.
  • They have deliberately declined to recall faulty products endangering lives in pursuit of profit.
  • They determine economic policy, despite the catastrophic failures their policies have produced and continue to produce.
  • They have donated large sums of money to politicians supposed to be regulating them.
  • They continue to block alternate forms of energy to keep us dependent on oil.
  • They continue to block generic forms of medicine that could save people’s lives in order to protect investments that have already turned a substantive profit.
  • They have purposely covered up oil spills, accidents, faulty bookkeeping, and inactive ingredients in pursuit of profit.
  • They purposefully keep people misinformed and fearful through their control of the media.
  • They have accepted private contracts to murder prisoners even when presented with serious doubts about their guilt.
  • They have perpetuated colonialism at home and abroad.
  • They have participated in the torture and murder of innocent civilians overseas.
  • They continue to create weapons of mass destruction in order to receive government contracts.*
To the people of the world,

We, the New York City General Assembly occupying Wall Street in Liberty Square, urge you to assert your power.

Exercise your right to peaceably assemble; occupy public space; create a process to address the problems we face, and generate solutions accessible to everyone.

To all communities that take action and form groups in the spirit of direct democracy, we offer support, documentation, and all of the resources at our disposal.

Join us and make your voices heard!

*These grievances are not all-inclusive.

This was unanimously voted on by all members of Occupy Wall Street last night, around 8pm, Sept 29. It is our first official document for release. We have three more underway, that will likely be released in the upcoming days: 1) A declaration of demands. 2) Principles of Solidarity 3) Documentation on how to form your own Direct Democracy Occupation Group. This is a living document. you can receive an official press copy of the latest version by emailing c2anycga@gmail.com.››

More information at site OccupyTogether, tumblr We Are the 99%, facebook OccupyWall St., OccupyTogether, and OccupyEurope.

setembro 30, 2011

entrevista sobre arte e violência nos videojogos

Depois de ontem aqui ter deixado a entrevista realizada para a revista brasileira Época, deixo agora a entrevista para o jornal Público, realizada pelo João Pedro Pereira em Agosto, a propósito da decisão do tribunal da Califórnia a respeito da proibição da violência nos videojogos. A entrevista aparece no P2 por isso só lhe pode aceder online quem tem acesso ao Público pago. Aqui poderão ler a entrevista integral, não os comentários e as outras entrevistas realizadas pelos jornalista. Falei também deste tema num artigo que publiquei entretanto na Eurogamer.


P - Consideraria os jogos (ou, pelo menos alguns) uma criação artística?

R - Poderá ver num texto no meu blog o que penso e o que sinto. Mas a realidade é que nos últimos tempos apesar de todas as tentativas de descredibilização dos videojogos, os EUA tornaram-se num dos maiores apoiantes desta forma de arte. Em Maio deste ano, o National Endowment for the Arts do governo Americano passou a reconhecer os videojogos com o estatuto de arte, e assim permitindo que estes artefactos concorressem ao apoio para as artes do governo Americano. Ao mesmo tempo o Smithsonian American Art Museum de Washington tem uma exposição a decorrer até Setembro sobre exatamente a Arte dos Videojogos. Por isso o resultado do processo que agora terminou na Califórnia era expectável, o contrário seria um escândalo.

P - E porque tem havido resistência a colocar os videojogos no mesmo patamar dos outros produtos culturais, mesmo numa altura em que os valores de produção são já muito elevados?

R - Bem a questão de definir o que é arte e o que não é, não se mede propriamente pelo valor económico da atividade. A definição sobre o que é arte e o que não é, surge após um processo longo de debate na sociedade, de análise, estudos, trabalhos e artefactos criados.
A resistência à consideração dos videojogos como Arte não foi maior do que aquela que se realizou com o Cinema, que durante anos foi considerada como mero espetáculo de entretenimento de massas, incapaz de comunicar ideias com suficiente profundidade, ou incapaz de comunicar uma visão, uma ideia de um autor sobre o mundo. Os últimos 10 anos foram muito férteis na indústria dos videojogos, produziu-se muito, e quando se produz muito é natural que surjam trabalhos que se superam, e que ultrapassam as fronteiras do media, da arte que os envolve. Julgo que é nestes momentos que as pessoas começam a perceber que podem estar perante algo que não é mais um mero produto, uma mera atividade, mas é algo capaz de nos tocar, de nos demover, e até de alterar o modo como vemos o mundo.

P - Como nos filmes, há vários tipos de violência nos videojogos. Considera a existência de violência (num enquadramento em que o consumidor tem uma postura mais ativa do que a ver um filme) um problema?

R – Claro. Não é porque os videojogos ganharam o estatuto de arte que podem agora fazer e dizer o que quiserem. Aliás muito pelo contrário, esta medida só fará com que os criadores de videojogos tenham um maior respeito pela arte que produzem, e se sintam responsáveis pelas ideias que comunicam. É que agora fica consagrado na lei americana, não só que eles têm direito à liberdade de expressão como arte, mas também que eles são uma forma fundamental de expressão e de criação de envolvimento emocional e cognitivo com os seus jogadores.

P - E há algum caso em que se tenha deparado com violência que considerou excessiva ?

Sim, falei sobre o assunto longamente no meu blog em 2007 aquando da saída do videojogo Manhunt 2. Explico nesse texto que o fundamental está no modo como a violência é contextualizada no âmbito da obra. No fundo a ética que se assume na apresentação da violência. Até que ponto o artefacto, videojogo ou filme, mostram, defendem e exaltam a violência, ou por outro lado a assumem como algo que pode ser necessário, mas que não é necessariamente bom para as pessoas, para os espetadores e jogadores.

P - A violência nos videojogos é um tema que ocasionalmente irrompe nos media. Parece-lhe que é tratado de forma objectiva?

R - Não, de todo. Os videojogos têm sofrido ataques de todos os lados, principalmente por dois supostos grandes problemas, a violência e o vício. Em nenhum deles estas acusações fazem sentido, e a prova foi esta resolução do tribunal americano. A verdade é que qualquer meio de expressão, qualquer arte, não sendo inócua, tem efeitos sobre os seus seguidores. A sociedade e a arte transformam-se por meio de uma relação de pura simbiose, como tal é natural que existam efeitos. Mas daí a extrapolar esses efeitos para uma degeneração de comportamentos, ou destruição de funcionalidades cognitivas, vai um salto muito grande, que nenhuma arte tem poder para conseguir de modo isolado.

setembro 29, 2011

Sims Social no Facebook

A propósito do lançamento do The Sims Social em Agosto no Facebook a revista Época, editada pela Globo no Brasil, fez-me uma entrevista por e-mail e publicou um pequeno artigo com os meus comentários. Como sempre estes artigos são muito curtos e usam apenas metade daquilo que realmente dizemos, por isso aproveito para deixar aqui o que disse sobre o assunto na altura.


1 - O The Sims Social criou uma nova forma de interação no facebook, por meio de um avatar. Você acredita que isso seja uma tendência nas redes sociais?    

Sim sem dúvida. Os chamados jogos sociais ou jogos de redes sociais, tinham pouco de social até agora. A sociabilidade limitava-se a uma interação meramente material, ainda que feita de bens virtuais (falei disto aqui). The Sims Social parece apontar num novo caminho, e claramente que poderá abrir uma nova tendência nos jogos sociais.
Ainda andamos todos a tentar perceber como podemos potenciar toda a energia social presente nas redes, Sims Social não é totalmente inovador, porque o que faz é replicar a estratégia de jogo de The Sims. Ou seja criar um avatar, dar-lhe alguma autonomia, e colocá-lo à disposição do jogador. Enquanto jogador podemos controlar o avatar, mas este possui alguma liberdade de ação, aquilo que em The Sims designamos de "livre-arbítrio" dos avatares.
A inovação face a The Sims, é a ligação umbilical à nossa identidade projectada na rede social, e isso é diferente de tudo o que tínhamos até agora. Porque no antigo jogo de Sims Online podíamos criar uma identidade para o nosso avatar sem revelar quem éramos. Agora estamos condicionados pela ligação à nossa identidade no Facebook.
No futuro veremos mais jogos fazer uso deste conceito, e mesmo indo além disto. O objetivo é aumentar a ligação entre os jogadores, criar laços mais fortes, e isso faz-se pelo lado dos sentimentos, não da coisa material.


2 - O conceito do The Sims Social lembra o do Second Life, que acabou não dando certo e caindo no esquecimento. Você acredita que o The Sims possa ter o mesmo destino do Second Life? O que diferencia um do outro?

São diferentes. Em Second Life o nosso avatar é 100% controlado por nós, não tem qualquer autonomia. Mas mais do que isso, o nosso avatar em Second Life não é relacionável. Ou seja se eu não revelar quem sou, as pessoas não saberão qual a relação daquele avatar com o seu utilizador real. Aqui as coisas são diferentes porque o meu avatar é relacionável com a minha persona dentro do Facebook, e de seguida com a minha identidade real, uma vez que o Facebook a isso obriga.
Em Second Life o interesse inicial foi pela novidade, hoje Second Life ainda se mantém ativo, mas mais pelas pessoas que o usam como uma rede de comunicação. Um dos problemas de manutenção do interesse das pessoas em Second Life sempre foi a ausência de objectivos ou regras, ou seja de uma lógica de jogo. Deste modo o que aconteceu foi passar para uma lógica de mediador de comunicação com uma interface 3d. Isto não quer dizer que o Second Life acabou, muito pelo contrário, as pessoas que o usam amadureceram. Existem diferentes grupos, os que usam para comunicação mediada, os que usam para construção de ambientes tridimensionais, e os que investigam novas tecnologias e novos formatos sociais.
Quanto ao futuro do The Sims Social é difícil prever, mas tem tudo para dar certo. À semelhança de Second Life permite criar uma máscara (avatar) e com isso interagir mais facilmente com os outros. O que é muito interessante em Sims Social, que é jogado dentro de uma rede social, é que estamos a criar uma máscara dupla. Ou seja a nossa presença na rede social, é já em si uma máscara, se bem que mais real do que aquilo que existia antigamente nas redes, no tempo em que usávamos nicknames, porque o Facebook nos obriga a usar o nome real e os dados reais. Ainda assim construímos sempre toda uma identidade dentro do Facebook que é diferente da identidade que as pessoas veem no mundo real. Ora em Sims Social o que acontece é a reconstrução dessa identidade. Mas isto já foi explicado pelo Goffman, quando nos disse que em cada situação atuamos conforme o exigido. Ou seja temos uma capacidade inata para desempenhar múltiplos papéis, para executar performances sociais.


Deste modo o que vai acontecer é que enquanto utilizadores de redes sociais, vamos passar a ter dois papeis, a nossa persona no Facebook e a nossa persona em Sims Social. Mas estas personas estarão umbilicalmente ligadas, porque quem está do outro lado conhece ambas as personas, uma vez que o jogo fomenta essa relação. Por isso um comportamento tido em Sims Social, pode ter impactos na persona do Facebook mas mais interessante é que pode e ir além disso, ter impactos nas relações reais entre as pessoas que se conhecem fisicamente.
Diria que estamos perante um jogo que finalmente faz uso da componente social em profundidade, afetando verdadeiramente os laços da sociabilidade, para o bem ou para o mal dos mesmos. 

a arte da Dreamworks

No ano passado saiu um livro sobre o colectivo de artistas que trabalha na Dreamworks, Moonshine, editado por Christophe Lautrette e Pierre-Olivier Vincent. Agora chegou a vez de fazerem um pequeno documentário, Moonshine: Artists after dark, sobre a equipa, realizado pelo Christophe Lautrette em conjunto com o Alexis Wanneroy.


 
A Dreamworks Animation é um estúdio de animação americano criado em 1994 por Steven Spielberg, David Geffen e Jeffrey Katzenberg e desde então responsável por filmes como Antz (1998), Shrek (2001), Madagascar (2005), Bee Movie (2007), Kung Fu Panda (2008), Monsters vs. Aliens (2009), How to Trian Your Dragon (2010).


O que mais impressiona neste documentário é a diferença, o contraste que surge quando recordamos os documentários da Pixar. Os artistas da Pixar não são menos artistas que os da Dreamworks, mas o ambiente que é transmitido nos seus documentários, é tão diferente, que explica por si só porque podemos assistir a diferença claras na arte da Pixar e da Dreamworks.



É um vídeo pequeno, são apenas 5 minutos, mas está tão cheio de arte, que dá vontade de pedir por mais, e acho que concretiza o desejo dos autores, que é levar-nos a adquirir o livro editado. Já agora podem ficar com um gostinho do livro no YouTube.

Moonshine: Artists after dark (2011)

setembro 26, 2011

óleo e colagens de Drew Young

Adorei conhecer o trabalho de pintura de Drew Young que é ainda estudante de ilustração e design gráfico na Capilano University de Vancouver mas apresenta já uma lista invejável de obras produzidas e de exposições realizadas tudo entre 2010 e 2011.

Convergence, 2011

Fazendo uso de uma base em madeira, trabalha o óleo com a colagem de papel de um modo perfeitamente simbiótico. Young entra no reino da corrente de Assemblage, mas fá-lo de uma forma bastante subtil, de tal modo que à primeira vista podemos nem nos dar conta que existe qualquer adição de colagem. Aliás ele próprio se define nesta tentativa de buscar a fusão,
Spontaneous in some parts and carefully designed in others; my explorative compositions are the backbone to the figurative rendering. The result is sporadic abstraction paired with hyper-realism. My technical focus is to illuminate subjects with areas of saturated clarity, while obscuring them with textures of the known and discovered. The work blends the authentic with the abstract in order to form a relationship between the figure and the intangible — between order and chaos.

No seu blog podemos ver como algumas obras surgem desde a prancha em madeira até ao produto final. Coloco aqui apenas algumas imagens (cliquem sobre as mesmas para ver em maior detalhe) do processo de criação do quadro The Usual Lengthy Visit, mas todo o processo com explicações detalhadas dadas pelo próprio autor pode ser lido no seu blog.

Quadro final:
 The Usual Lengthy Visit, 2011


Processo de construção do quadro:








O que mais me intriga e ao mesmo tempo atrai no trabalho de Young é a irregularidade da superfície trabalhada que é oferecida pelas camadas de papel texturado, depois trabalhada e homogeneizada pela cor e traço. Por consequência fico sempre a tentar perceber onde acaba o papel e começa o desenho, onde temos textura pré-fabricada, e onde temos óleo.
Os temas em si não me apaixonam, julgo que o autor ainda está à procura de uma identidade mais definida nesse campo, muito fruto de ainda ser bastante novo. Contudo o que mais me importa aqui é a forma e aí o que vejo é um trabalho que aponta para uma grande noção da representação visual, da imposição dramática por via da luz e cor.


 Bear Claw, 2011


I Was Unaware, 2011



Para ver outros pintores no VI clique na etiqueta de Pintura.

setembro 24, 2011

a semana em que a FC deixou de o ser

Foi uma semana impressionante em termos de divulgação de dados preliminares de projetos científicos em curso. Dois anúncios lançaram um grande buzz na comunidade científica, nos media, e claro está em toda a comunidade da Ficção Científica.

 arte de Mirousensei

A julgar como verdadeiras e passíveis de melhorias e de desenvolvimentos ainda, o que foi anunciado esta semana foi nada mais do que a possibilidade de Viajar no Tempo e a possibilidade de Ler o Pensamento.

No primeiro caso, uma equipa francesa do National Institute for Nuclear and Particle Physics Research e outra italiana do Gran Sasso National Laborator dizem ter realizado uma experiência na qual um neutrino terá viajado 60 nanosegundos mais rápido que a luz. O evento é de tal forma anormal, pois coloca em causa a teoria base explicativa da equivalência massa-energia definida por Einstein em 1905, que os próprios cientistas participantes se sentem perplexos com o experimento. A maioria da comunidade está cética, em Portugal o Carlos Fiolhais alertou para a grande probabilidade de existirem de erros. Mas a ser verdade estariamos a abrir a porta para as viagens no tempo, um dos assuntos mais fascinantes de sempre da FC.

À esquerda a 1ª edição de The Time Machine de H.G. Wells publicada em 1895. À direita o cartaz do primeiro filme baseado na obra de H.G. Wells e realizado por George Pal.


O segundo caso, levanta menos questões de cepticismo, até porque foi anunciado por meio de artigo publicado na revista cientifica, Current Biology, após revisão de pares. E talvez por isso mesmo nos deva fazer refletir mais sobre o seu potencial impacto. A equipa de Nishimoto da UC Berkeley desenvolveu um modelo de análise dos padrões fMRI capaz de reproduzir em imagens visuais e materiais aquilo que o nosso cérebro está a imaginar. Os resultados impressionantes podem ser vistos num vídeo disponibilizado no YouTube.


Isto está muito próximo do conceito explorado por Douglas Trumbull em Brainstorm em 1983.



Uma máquina destas poderá ser algo verdadeiramente fantástico, é algo que pode abrir o reino do desconhecido para todos nós. Mas faz-me pensar em algo que nunca me esqueço quando reflito sobre sociedades Orwellianas, que por mais que nos façam, nos controlem, dentro do nosso pensamento seremos sempre livres. Ora a confirmar-se o potencial de desenvolvimento e melhoria desta tecnologia estamos a caminho de um enorme salto no avanço científico do conhecimento do cérebro, mas estamos também a caminho do derrube da última grande fronteira do Eu.