Ao longo do filme somos presenteados com muitos spots publicitários de cada época dos jogos que vão sendo apresentados, livros e filmes que lhes deram origem ou que eles próprios originaram, muita cultura britânica, de Margaret Thatcher a Clive Sinclair, a guerra entre ZX Spectrum e Commodore comparada com a guerra entre os Blur e os Oasis. Para além dessa camada mais comum de elementos culturais, é fascinante a utilização de conteúdos criados pelos fãs e utilizadores a propósito dos jogos e da cultura que lhes subjaz, assim como filmes do YouTube que permitem abrir uma janela para a intimidade de outras pessoas que tal como nós vibram, sentem e vivem os jogos como nós. Como é dito a certa altura, a televisão nunca quis saber, e cada vez menos quer saber desta cultura, por isso a sua documentação ficou a cargo da própria comunidade online, que se tornou criadora e gestora por direito de tudo o que diz respeito à cultura dos videojogos. De quando em quando podemos ver que um jogo salta as malhas do underground cultural, e invade os outros media, aparece nas notícias, mas na maior parte do tempo, é como se não existisse para o mainstream.
Apesar de tudo isso Brooker traz para o filme quase uma dezena de jornalistas de diferentes media - imprensa, televisão e rádio - e junta-lhes algumas vozes de artistas como Salman Rushdie, Labirinth, Felicia Day ou Rob Florence. Mas é claro que para quem está dentro da cultura o ponto alto das entrevistas, surge sempre que aparece um criador, e não foram poucos os entrevistados, desde Peter Molyneux a Jeff Minter, passando por Tim Schaffer, Neil Druckman, Ron Gilbert, John Romero e ainda Rian Pratcher, Will Wright, Nolan Buschnell e Vince Zampella. É uma delícia ouvir os designers/escritores/directores de muitos dos jogos que fizeram este medium, que lhe deram vida e o transformaram naquilo que ele é hoje.
Não posso contudo deixar de referir um dos jornalistas que venho seguindo nos últimos anos, Keith Stuart do The Guardian, e que neste filme brilha com várias intervenções de grande relevância, nomeadamente quando quase nos arranca uma lágrima, revelando que o seu filho autista passou a conseguir expressar os seus mundos interiores, a partir do momento em que começou a construir mundos em Minecraft. É um momento emocionante, e que vale a pena ver no trailer abaixo, ou reler nas suas próprias palavras de análise do documentário.
O ritmo do filme é pautado por uma contagem decrescente de um TOP 25 de videojogos, que está longe de ser banal, tanto no resultado, como na forma como é desenhado. O objectivo de Brooker era elencar os 25 jogos mais influentes da história dos videojogos, mas tinha algumas condicionantes, os jogos tinham de seguir uma lógica cronológica, já que o objectivo do filme era contar a história e evolução dos jogos. Por outro lado, podemos ler esta evolução do TOP25 como algo que Brooker já disse numa outra peça, que é o facto dos videojogos serem o único media ainda em evolução, ou seja, que desde que foram criados até agora, ainda não pararam de se transformar. E nesse sentido, posso estar totalmente de acordo com o TOP25 apresentado. De The Last of Us (2013) a Pong (1972) é toda uma viagem impressionante de tecnologia, mas acima de tudo de transformação das capacidades expressivas do medium em si.
Provavelmente nunca nenhum outro medium se transformou tanto como este.
25. Pong (1972)O documentário acaba por terminar de uma forma algo provocativa já que em número um coloca Twitter, mas percebe-se claramente o que Brooker quer dizer com isso. É a constatação última de que os videojogos verdadeiramente mudaram o mundo. Porque hoje ao contrário da vida que tínhamos há 20 anos, somos regulados em função de objetivos muito claros que as nossas redes sociais nos apresentam. Número de likes, número de amigos, número de comentários, posicionamento nos rankings, listagens em tópicos, etc. etc. O mundo real transformou-se à custa do virtual, e se o fez foi porque este usou as estratégias de envolvimento humano criadas ao longo de décadas pelo medium dos videojogos. A gamificação está aqui à nossa frente, a toda a hora, e em qualquer lugar, desde o Twitter, ao Facebook, passando pelo Foursquare ou Instagram, chegando ao GoodReads, entre muitos outros. Todos utilizam uma forma de comunicação que gere e mantém o interesse, o envolvimento das pessoas com as tecnologias, baseada nos videojogos. Os videojogos mudaram o mundo.
24. Space Invaders (1978)
23. Pac-Man (1980)
22.Manic Miner (1983)
21. Elite (1984)
20. Super Mario Bros. (1985)
19. Tetris (1989)
18. Monkey Island (1990)
17. Street Fighter II (1992)
16. Doom (1993)
15. Night Trap (1992)
14. Tomb Raider, (1996)
13. PaRappa the Rapper (1996)
12. Starcraft (1998)
11. Sims (2000)
10. Grand Theft Auto III (2001)
9. Shadow of Colossus (2005)
8. World of Warcraft (2004)
7. Wii Sports (2006)
6. Call of Duty 4 (2007)
5. Braid (2008)
4. Angry Birds (2009)
3. Minecraft (2011)
2. The Last of Us (2013)
1. Twitter (2006)
Trailer de "How Videogames Changed the World" (2013)
O filme pode ser visto no site do Channel 4, mas apenas para residentes em UK.