Assim e começando pelas recordações, Superbia fez-me recuar mais de 15 anos no tempo, aos meus primeiros trabalhos com a interatividade, nomeadamente uma obra que realizei como trabalho de curso, denominada "Sonhar o Real, com Emoção" (1998). Nesse trabalho procurava desenvolver um ambiente tridimensional animado, com camadas de interatividade, que pudessem estimular emoções específicas nos utilizadores. O objetivo como diz o título, era estimular um impacto sensorial forte, ao ponto de fazer as pessoas sonharem acordadas. Nessa altura tive imensas dificuldades para levar o conceito até ao fim, primeiro técnicas, e depois conceptuais. O 3d que podia produzir em 1998, com a qualidade final que queria e em tempo-real, era de todo impossível, por outro lado as ideias para levar avante o objetivo foram sempre muito difíceis de conter e domesticar num âmbito encerrado de narrativa com três atos. Olhando para Superbia posso dizer que este encarna tudo aquilo que eu gostaria de ter feito para esse trabalho. A facilidade com que nos envolve por meio do movimento e estética visual, cria progressão e gera um mundo próprio sempre em total consonância com a interação e narração atmosférica, é extraordinário.
"Sonhar o Real, com Emoção" (1998) de Nelson Zagalo e Luís Mouta
Nesta busca experimental pela estimulação do belo puro, capaz de nos levar ao orgasmo estético, como nos disse Samyn em Coimbra, os Tale of Tales acabam por evocar os elementos principais e fundamentais do ser feminino. A noção de beleza que emerge da sua busca assenta totalmente na sensualidade feminina, e esta abordagem mais uma vez não me é de todo alheia. Quando andei a desenvolver o meu protótipo Emotion Wizard, no final dos estudos que fiz sobre a estimulação de emoção humana percebi porque razão a publicidade recorreu, recorre e continuará a recorrer a uma estética altamente sexualizada. Porque se queremos produzir em alguém uma forte sensação emocional, e uma sensação positiva de êxtase face ao que se está a experienciar, a forma conceptual mais concreta e por outro lado formal mais simples de o fazer, é por via da estimulação da libido. A razão é simples, a necessidade sexual está no patamar das necessidades humanas mais básicas, ao nível da alimentação, e por isso tudo o que estimule essa vertente provocará reações fortes, e assim inesquecíveis nos receptores.
Neste sentido, o uso da sexualidade per se teria pouca relevância já que a poderíamos catalogar como grau zero da estimulação estética, mas o que ganha verdadeira importância é o modo abstrato e invulgar como os Tale of Tales o conseguem fazer. O desenho do prazer feminino é feito com base numa componente visual interativa que assenta num túnel que se movimenta em profundidade e continuamente ao longo de todo o jogo, obrigando o jogador a interagir com este, simulando uma espécie de interação masturbatória feminina. Para credibilizar esta interação, uma camada de narração ou incitação atmosférica é sobreposta às nossas ações, que nos leva a agir, a manter a ação, e por sua vez ilumina o sentido da gratificação e recompensa do jogo.
Luxuria Superbia cria um espaço virtual constituído por vários pilares que simbolizam cada um dos jardins nos quais podemos entrar e completar os objetivos propostos. Completado cada jardim, a cor preenche o pilar e chão adjacente. O jogo termina quando todo o espaço virtual estiver pintado.
Superbia poderia ter sido tudo isto mantendo-se completamente experimental, mas os Tale of Tales preferiram optar por criar um enquadramento de videojogo com níveis definidos, objetivos de curto, médio e longo prazo, para assim desenvolver uma linguagem mais convencional e reconhecida pelos jogadores. Se por um lado esse enquadramento está bem executado, julgo que acaba por fazer o jogo perder em termos emocionais, e assim em termos conceptuais. Isto porque a partir do momento em que sentimos que estamos a interagir para atingir mais um objetivo proposto pelo jogo, a ligação sensorial esmorece, e a nossa emocionalidade dá lugar à racionalidade. Nesses momentos, a imersão falha e o artefacto como mero objecto digital emerge. De qualquer modo não censuro o coletivo já que criar uma experiência deste género. sem um enquadramento concreto, obrigaria a criar um objeto sem contornos definidos para o utilizador, o que contribuiria para diminuir a importância da obra como um objeto coeso e uno.
A experiência é curta, mas para quem ande à procura de novas experiências nos videojogos é mais do que recomendada. De qualquer modo aconselha-se vivamente que o façam em tablet, já que a interação está completamente desenhada para uma manipulação direta com os dedos.
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