dezembro 03, 2013

Entrevista com Bruno Telésforo, e a pós-produção das Aranhas Gigantes

Há duas semanas correu na rede um pequeno filme que mostrava aquilo que parecia ser uma invasão de aranhas gigantes na cidade de Lisboa. O filme fazia-se passar por um noticiário de televisão recorrendo mesmo a um pivô reconhecido da televisão nacional (João Moleira). No final os espectadores descobriam que nem as aranhas nem o noticiário eram verdadeiros, já que não passavam de elementos de uma campanha de marketing montada para anunciar o lançamento do terceiro volume de “As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça & Pizzaboy” (2013) de Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa.


Na rede, o filme foi um sucesso gigantesco conseguindo mais de 2 milhões de visualizações nos vários canais em que foi mostrado. Por outro lado nos media, o filme foi amplamente discutido pelos problemas deontológicos que levanta, nomeadamente no campo das fronteiras entre jornalismo e publicidade. Não vou entrar nessa discussão porque apesar de conceder que elas foram aqui ultrapassadas, depois de analisado bem o filme vemos que o foram mas de uma forma bastante atenuada. Nesse sentido considero toda esta discussão uma hipocrisia, já que estas fronteiras vêm sistematicamente sendo ultrapassadas no nosso país, sem nunca se ver quaisquer responsáveis ou instituições da área fazerem algo para verdadeiramente procurar pôr cobro ao "vale tudo".


Assim o que me interessa é apenas e só discutir o filme em si, nomeadamente o seu trabalho de pós-produção, dada a sua enorme qualidade. O trabalho que foi realizado pela empresa nacional Irmalucia Visual Effects teve como responsável, para as áreas de animação, modelação, composição, rotoscopia e mattepainting, o Bruno Telésforo e foi com ele que estive à conversa.

Antes das perguntas, dizer que o Bruno Telésforo (30, Cascais) adora videojogos e foi por causa destes que se inscreveu num curso de animação 2D/3D de 2 anos na ETIC, tendo depois seguido para a licenciatura em Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia da Universidade Lusófona. Este seu percurso fez então com que desviasse o seu interesse dos videojogos para o campo dos Efeitos Visuais (VFx). Este seu desvio acaba por não o ser propriamente, já que entra em sintonia com a atual convergência que se vive entre o cinema e os videojogos. Vejamos então o que nos disse o Bruno.

1 - Que software foi utilizado para modelar as aranhas, e depois para a composição? E as imagens reais foram registadas com que máquina?
:: As aranhas foram modeladas, animadas e renderizadas em Autodesk Maya, a composição foi posteriormente feita em Adobe After Effects. A cãmara usada para captar as imagens foi uma Canon C300. Trabalhamos em HD 1080p.

2 - Quanto tempo levou o trabalho de pós-produção e como é que foi realizada a comunicação com o realizador Filipe Melo?
O período de pós-produção levou pouco mais de um mês entre toda a equipa da IrmaLucia. A execução da pós-produção de imagem estendeu-se por todo esse mês, sensivelmente. Durante esse período trabalhámos sob as indicações do realizador Filipe Melo. Os visionamentos com o realizador foram regulares, permitindo "desbloquear" certos aspectos criativos avançando na direção certa.

3 - O modelo de aranhas foi baseado numa espécie real ou é uma mistura de espécies, quais? 
:: O modelo das aranhas foi baseado numa tarântula comum. Adaptámos a cor do pêlo e usámos tamanhos diferentes para criar variações dentro da espécie. Podem parecer todas iguais, mas existem diferenças. Era esse o objectivo, que nenhuma em especial chamasse à atenção mas que houvesse espaço para variações.



4 - Temos apenas um modelo clonado, ou foram feitas várias com diferenças?
:: Tínhamos uma aranha principal que usámos várias vezes ao longo dos planos do filme e com ela também criámos algumas variações a nível do pêlo e do tamanho. No último plano vemos melhor a diferença de escalas.


5 - Como é que foi feito o processo de composição da iluminação? Foram feitas compensações na correção de cor para facilitar a composição, de que forma? 
:: As aranhas foram renderizadas em Autodesk Maya com "fake HDRI" extraído do plano original. Assim, simulámos a iluminação real na aranha que nos ajudou a integrá-la com o plano de imagem real. A sua iluminação é adaptada plano a plano e depois a iluminação é corrigida e “nivelada” ao longo dos planos.
Sim, houve compensações no final do filme nomeadamente na última sequência do filme: houve uma maior intervenção a nível de luz/cor para reforçar o aspecto dramático da história. Grande parte dos planos tiveram também o céu alterado para criar melhor a transição para a última sequência do filme.

6 - No plano final os helicópteros resultam muito bem, mas as colunas de fumo apesar de aproximadas na cor ao céu, parecem menos reais, alguma explicação?
:: As colunas de fumo passaram por várias fases de desenvolvimento até chegar a este ponto. Quem trabalha em 3D ou VFX sabe que integrar simulações de substâncias orgânicas é ainda uma coisa complicada de "vender" ao espectador. Isto porque dependem em grande parte de um detalhe ínfimo e uma escala gigante para parecerem realistas ao olho comum. São simplesmente coisas que fogem ao "natural", por isso são elementos difíceis de tornar credíveis com recursos limitados, sejam eles tempo ou capacidade de hardware. É algo que todos nós sabemos por instinto e experiência, e no “mundo” das imagens geradas em computador tornar algo visível e plausível é por vezes um desafio técnico e criativo.
Quando vemos, por exemplo, fumo ou água realista nos blockbusters que estamos habituados a ver, são fruto de um grande investimento em recursos técnicos e financeiros. A dificuldade está na escala que tínhamos que representar, porque quanto maior a escala do fumo, mais complexa é a simulação. Mas creio que dentro das nossas capacidades e limitações o resultado ficou bastante credível e cumpre o objectivo. Excelente trabalho do Luís Martins, residente na Irmalucia, que desenvolveu e integrou os efeitos de fumo na última sequência.


7 - Qual foi o plano mais complicado de criar, e porquê?
Pessoalmente foi o plano final. A intenção era criar destruição localizada ou que pudesse ser justificada pela ação das aranhas. Foi o plano mais elaborado de todo o filme e certamente foi o que teve mais atenção. Era preciso "encher" o plano com elementos para caracterizar a ação e a dificuldade era não "perder" tempo em coisas que não tivessem tempo para ser vistas. Foi então preciso sugerir linhas de olhar ao espectador e concentrar aí os nossos esforços de trabalho. Foi o plano que teve mais elementos conjugados e por isso mais tempo de render e “footage” para compor. Mesmo assim, pessoalmente, foi o plano que deu mais gozo por ter que destruir os prédios e sujar paredes. Idealizar e desenvolver estas situações foi algo que me deu bastante entusiasmo. O plano da queda da aranha foi também trabalhoso: foi complicado acertar a escala da aranha com as pessoas e fazer a rotoscopia das pessoas individualmente.


8 - O que te parece o desenvolvimento da área de composição 3d em Portugal?
:: Hoje conseguimos ver bons exemplos nacionais de bons profissionais na área de Visual Effects para Cinema e Televisão. Temos resultados e qualidade que já fazem frente a grande parte de produções internacionais, no entanto a produção nacional é ainda parca.  O desenvolvimento na área de composição que acontece em Portugal tem vindo a aumentar na última década, mas ainda assim, e comparando com a produção internacional, a  produção nacional é ainda diminuta. Consequentemente, as produtoras optam por recorrer a orçamentos baixos, que destabilizam o mercado para as "casas de pós-produção" já estabelecidas, no entanto exigem uma qualidade exemplar à semelhança da produção internacional.
É necessário apostar em projetos nacionais e em profissionais certificados que tenham já demonstrado capacidade evolutiva no mercado audiovisual atual, competitivo e em constante mudança.
Quanto à formação, há muito mais opções do que havia quando comecei, mas continua a ser pouca a formação especializada e de qualidade. Por outro lado, há cada vez mais autodidatas devido à quantidade de pessoas interessadas em Visual Effects e a pouca disponibilidade financeira no geral. Em Portugal é normal a formação nesta área basear-se em conhecimento técnico mais generalista nas várias ferramentas e técnicas em vez de ser especializado apenas numa área só, como acontece na produção internacional de qualidade.


Para quem quiser saber mais sobre o Bruno, aqui fica o seu portfólio
Behance / Vimeo e o LinkedIn.

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