setembro 11, 2012

Animações da Gobelins 2012

A Escola de Imagem Gobelins (França) acaba de lançar na rede mais um conjunto de oito filmes dos seus alunos do 3º ano de Realizador de Cinema de Animação. À semelhança de outras escolas internacionais e de renome, faz toda a diferença o nível elevado de selecção à entrada nestas escolas, que depois consegue em apenas três anos chegar a esta qualidade de trabalho, puramente profissional e ao mais alto nível.


É muito importante o facto de todas as animação agora apresentadas se situarem entre os três e os quarto minutos. Os alunos têm tendência a sonhar com filmes grandes, enormes, grandes ideias narrativas que se prolongam, mas que pouco ou nada contribuem para a experiência, antes pelo contrário. O que aqui podemos ver além do brilhantismo na arte da animação, é também a excelência na síntese da realização.

One Day (2012) tem um conceito interessantíssimo, embora se feche demasiado no final, limitando a imaginação, por outro lado em termos de ilustração e animação é o melhor desta temporada. Os cenários são de uma riqueza visual extrema, em detalhe, em cor e em luz, uma delícia. One Day foi criado por Joël Corcia, Bung Nguyen, Thomas Reteuna, Laurent Rossi, Bernard Som.


One man always on the move will have an encounter that puts into question everything he knows.

In Between (2012). Conceito interessante, mas que não é novo. O melhor está no tom do filme, divertido mas contido, capaz de passar a mensagem na perfeição. Em termos estéticos a ilustração está próxima de L'Illusioniste (2010) de Sylvain Chomet. Filme criado por Alice Bissonnet, Aloyse Desoubries Binet, Sandrine Hanji Kuang, Juliette Laurent, Sophie Markatatos.

A young woman is being followed by a crocodile who represents her shyness.

Eclipse (2012). Uma animação com um tom tipicamente francês, nomeadamente no character design e na palete circunscrita e cores. Ao nível sonoro na criação de espaço e ambiente é talvez uma das melhores do lote. Faz-nos lembrar Era uma Vez o Espaço (1982) de Albert Barillé. A curta foi criada por Théo Guignard, Nöé Lecombre e Hugo Moreno.


On a distant planet, two sientists analyzing the field for its magnetic properties are facing an extraordinary phenomen linked to the lunar eclipse.

setembro 10, 2012

música para trailers de cinema e videojogos

A Two Steps from Hell (TSFH) é uma produtora de música para trailers de cinema (Harry Potter, Star Trek, The Dark Knight, Rise of the Planet of the Apes, Tron: Legacy, X-Men, Super 8, Inception, Hugo, etc.) e videojogos (Mass Effect 2, Mass Effect 3, Killzone 3, Star Wars: The Old Republic, etc.), constituída por um norueguês, Thomas Bergersen, e um inglês, Nick Phoenix, que cresceram nos seus países de origem estudando piano clássico até se mudarem para os EUA, onde começaram a TSFH em 2006.


Em termos sonoros, passei este verão a ouvir um dos cds mais recentes, Archangel (2011) e fiquei impressionado com a estética musical porque eu diria, pelo menos neste álbum específico, que segue um padrão composicional bastante rígido. Ou seja, a música ao contrário do que eu pensava no passado de que seriam trechos sonoros retirados dos filmes ou jogos, é desenhada especificamente para trailers. Por isso torna-se inevitável que todas as músicas apresentem uma lógica de trailer, começando de forma ambígua, abrangente e lenta, entrando num crescendo que se segue até ao final fechando, ou quase fechando, em climax ou mesmo apoteose. No caso específico dos TSFH especializaram-se no uso de música orquestral e grandes coros, capaz de construir toda uma sonoridade que nos reporta para um épico barroco, carregado de paisagens de bravura, coragem, libertação e heroísmo. A formula é muito bem apresentada por Thomas Bergensen numa entrevista,
Usually they [produtoras dos trailers] are looking for music that is impactful, not too complex in nature, or too busy in arrangement. It also needs to be fairly static dynamically, as it is up against a barrage of voice overs, sound effects and busy images. The music generally glues everything together and sets the mood/tone of the trailer.
A música destes senhores tem tido tal aceitação que deixou de ser um exclusivo do cinema ou dos videojogos, tendo chegado às séries de televisão (Game of Thrones, Sherlock, Revolution, Homeland), e até aos grandes eventos internacionais. Por exemploa a música Heart of Courage do álbum Invincible (2010) foi utilizada na abertura do Euro 2012, e novamente na abertura dos Jogos Olímpicos 2012, assim como foi utilizada pela RTP para um trailer do jogo Portugal x Espanha no Europeu 2012, como se pode ver aqui abaixo.


A contrário do que possamos pensar a música não é feita para cada trailer especificamente. Os autores estão continuamente a criar novas músicas de 2 a 3 minutos que vão enchendo o seu catálogo e permitem que as editoras analisem a sua base de dados e escolham a música que querem (entre 5 a 10 mil dólares o licenciamento para uso internacional). Isto que quer dizer que a mesma música pode aparecer em mais do que um trailer ou anúncio, apesar dos estúdios poderem adquirir a exclusividade. Segundo os autores os estúdios muitas vezes optam por escolher sonoridades familiares porque toca mais facilmente nas audiências de massas.

Nick Phoenix a tocar "taiko" (tambor japonês)

Isto é algo que já duvidava há algum tempo, porque por várias vezes tinha sentido proximidades sonoras, e entretanto descobri que por exemplo a música usada The Island (2005) foi também utilizada no trailer de Avatar (2009), e que uma versão orquestral de Requiem for a Dream (2000) foi usada num teaser The Lord of the Rings: The Two Towers (2002). Aliás a música de  Requiem for a Dream já a vi ser utilizada em vários filmes, trailers e programas de TV.

Entretanto fica o reel de 2012 no qual se pode ver uma enormidade de filmes de grande orçamento que fizeram uso da música dos TSFH.

setembro 09, 2012

"Nobreza de Espírito" de Rob Riemen

O livro, Nobreza de Espírito de Rob Riemen, divide-se em três momentos distintos, começando por uma exposição introdutória explicativa da razão do livro, e do porquê do seu formato. Seguida por uma revisão do trabalho e ideias sobre o mentor de Riemen, Thomas Mann. Nestes dois primeiros capítulos ficamos a saber de onde vem, e ao que vem Riemen. Percebemos que está a cumprir um desígnio, e sabemos com o que o fundamenta. Estas duas partes do livro estão formatadas num tom documental, ligadas por conversas com a filha de Thomas Mann, Elizabeth Mann Borgese, com o atentado do 11/9 em 2001, e a composição de uma sinfonia que se perde com a morte do seu compositor.

Riemen, R. (2008), Nobreza de Espírito, um ideal esquecido, E. Bizâncio, 2011

A terceira parte é depois dividida em dois capítulos - Conversas extemporâneas... e Coragem - e é aqui que está a essência do livro, numa fusão e colagem de textos, misturando realidade e ficção, de autores do passado desde Sócrates e Platão a Espinoza, Nietsche, Goethe e Whitman terminando com uma homenagem a Leone Ginzburg, o ideal encarnado do espírito da sua missão. O objectivo do livro parece ser definir o que é a Nobreza de Espírito, mas só depois de o lermos e de convivermos com este algum tempo percebemos que a definição não se fecha numa frase ou num parágrafo, e nem sequer num livro. A missão de Riemen é lembrar-nos de que o diálogo e o debate são a única via, não podemos esperar respostas prontas ao virar de esquina, ou soluções que fechem todas as nossas preocupações.
A liberdade – difícil e trágica liberdade – já não é mais o espaço de que o indivíduo necessita para praticar a aquisição da dignidade humana; é antes a perda dessa dignidade a favor da idolatria do ideal animal: tudo é permitido. O significado é desconhecido, o sentimento é substituído pelo objectivo. Experiências ‹‹divertidas›› e ‹‹saborosas›› substituem o conhecimento do bem e do mal. Porque o eterno não existe, tudo tem de ser agora, novo e rápido. Ninguém pode ser mais sábio, portanto todos têm razão. Todos são o mesmo, portanto o que é difícil é antidemocrático. A arte transforma-se em entretenimento, e a  fama das coisas ou das gentes é importante. A declaração de Gracián de que o peso material determina o valor do ouro mas o peso moral determina o valor humano é posta às avessas (..) O que é bom para o ouro, é bom para ti. Portanto comercializa-te! Adapta-te (...) é este niilismo da sociedade de massas que, como um cancro, ataca a civilização, o tecido conectivo da ordem social, e o destrói. O que resta sem esse tecido é uma quantidade ilimitada de indivíduos separados que no fim procuram destruir-se uns aos outros porque já não estão unidos por um valor universal mas seduzidos pela ideia de ‹‹eu sou livre, portanto tudo é permitido›› (Riemen, 2008, p.110)
Riemen trabalha seguindo Mann quando este nos anos 1920 dizia que só os valores do Humanismo podiam proteger a civilização da barbárie e do fundamentalismo. É este o ideal da sua missão, e foi por ele que Mann teve de fugir pouco depois para os EUA. Riemen dá os exemplos de Mann que continuou todos os dias a trabalhar na sua obra, apesar da grande guerra ou do suicídio do seu filho. De Camus que disse não aos seus amigos, quando lhe pediram para pôr de lado a moral em nome da política. Trabalha com o grande final de Sócrates, quando este optou pela morte, em vez de parar de questionar o mundo. E fecha com a recusa de Leone Ginzburg em colaborar com o Fascismo, optando por morrer sob tortura.

A Morte de Sócrates (1787) Jacques-Louis David

O último capítulo Coragem é dedicado ao fim de Ginzburg, desenvolvendo um diálogo que se terá passado entre Ginzburg e um ex-colega da universidade, convertido ao fascismo. Neste diálogo inesquecível, está muita da atualidade das elites intelectuais que vemos passar pelos palcos dos media, que optam por se subjugar ao medo em defesa do seu bem-estar social e financeiro. Segundo estes, nada é mais importante do que saber adaptar-se às circunstâncias. Um “mundo melhor” é aquele no qual nos adaptamos ao poder que nos regula, independentemente do que este ordena. Fica para trás a liberdade do pensamento individual, e qualquer defesa dos valores morais da humanidade.

Aqui se encerram os ideais para uma Nobreza de Espírito, na intransigente defesa dos valores daquilo que nos torna Humanos, a liberdade e a fidelidade de pensamento.


Nota: Interessante e estranho que tanto a edição portuguesa da Bizâncio, aqui analisada, como a inglesa pela Yale University Press estejam esgotadas e fora de impressão. Consegui uma cópia porque contactei directamente a editora que tinha lá umas sobras e teve a amabilidade de me disponibilizar um desses exemplares.

Médias de Ciências da Comunicação 2012

Em 2012 a única mudança registada nas médias de entrada em Ciências da Comunicação foi a troca de lugares entre a Universidade do Minho e a Universidade do Porto. A UM passou para terceiro lugar, ficando a oito décimas da UP, depois de ter ocupado o segundo lugar nos últimos dois anos em que fiz esta análise (2011, 2010).

A média aqui apresentada corresponde à nota do último aluno a 
entrar nas licenciaturas públicas em Ciências da Comunicação em 2012

Dentro da Universidade do Minho o curso de Ciências da Comunicação manteve mais uma vez o 4º lugar, apenas atrás de Medicina, Engenharia Biomédica e Bioquímica. A todos os que entraram em CC na UM, fica o vídeo do nosso departamento como um sinal de boa-vindas.


No campo das licenciaturas em Multimédia, e devido ao aparecimento de um número elevado de licenciaturas na área nos Politécnicos decidi apenas destacar as licenciaturas universitárias. Aqui também praticamente sem alterações.

161.5    Arte Multimédia (UL FBA)
150.5    Design Multimédia (UC)
132.0    Novas Tecnologias da Comunicação (UA)
131.5    Comunicação e Multimédia (UTAD)
130.2    Design Multimédia (UBI)
120.8    Artes Visuais - Multimédia (U.Evora)
116.4    Arte e Multimédia (UMa)

As duas licenciaturas na área dos videojogos, Barcelos e Bragança, não conseguiram preencher todas as vagas.


[Este trabalho foi realizado com os dados provenientes do Ministério da Educação e Ciência]

setembro 08, 2012

"Pale Blue Dot" em animação

Carl Sagan era um homem dotado de um carisma extraordinário, o seu livro Cosmos (1980) e depois a série TV, deram a volta ao mundo levando a ciência a quem dela sempre duvidou. Terá sido o maior divulgador e evangelizador da curiosidade humana na forma de ciência. Mais entusiasmante é que a forma como nos levou a conhecer o mundo em que vivemos continua tão atual.


O trabalho que aqui trago é uma belíssima animação de Adam Winnik como projecto de fim de curso em Ilustração no Sheridan College (Canada). Winnik utilizou não só o texto mas a narração feita pelo próprio Sagan de um trecho do livro Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space (1994), a sequela de Cosmos.


O trabalho de ilustração não é dos meus preferidos, já o de animação é de excelência com uma enorme diversidade e capacidade rítmica, mantém os nossos olhos totalmente agarrados enquanto sorvemos as palavras de Sagan. À voz quente e amiga de Carl Sagan juntou o som de You're So Cool de Hans Zimmer, um trecho musical que nos reporta para o optimismo, boa disposição e aceitação. Desta forma o trabalho de Winnik ganha toda uma envolvência capaz de tocar qualquer um independente da sua cultura ou credo.


Super Hexagon (2012)

Terry Cavanagh conseguiu mais uma vez. Criou um pequeno indie que se tornou num clássico instantâneo. Depois dos excelentes Don’t Look Back (2009), VVVVVV (2010), At a Distance (2011) e em Dezembro ter lançado o dramático Oíche Mhaith (2011), chegou agora a vez de Super Hexagon (2012) que a Edge considera já a sua obra-prima. Mas desta vez não é Flash, nem PC, este é o seu primeiro jogo no iOS, e por apenas 79c.


Super Hexagon é mais do que um jogo, é uma experiência cognitiva profunda. O jogo só tem os modos - Hard, Harder e Hardest - e é real, muito difícil, não me lembro em toda a minha vida de jogador ter ouvido tantas vezes seguidas Game Over, provavelmente mais de 200 vezes em menos de 30 minutos, tendo em conta que cada jogada demora entre 2 a 10 segundos. Por outro lado não é um mero jogo de força dura, está desenhado com um sistema de progressão que incita verdadeiramente o jogador a continuar, nomeadamente porque a cada 10s consegue-se estar mais perto de completar o hexagono (ponto, linha, triângulo, quadrado, pentágono e hexágono).


Tudo porque o jogo nos entra pelo cérebro adentro, as nossas sinapses entram em alta rotação, o nosso sistema visual só vê linhas e hexágonos a fecharem-se, sentimos a progressão, perdemos, sofremos, mas recomeçamos, sentimos progressão, o recomeçar torna-se automático e vamos sentido que vamos entrando naquela experiência, naquela matriz visual e que a musicalidade de fundo nos empurra, e como Cavanagh nos diz,
The only ‘devious’ pleasure I got from this game is the same one I hope everyone who plays it feels; the feeling of satisfaction when things start to click, when the timing and the wave progressions start to feel right, when you get into it and the game becomes second nature. [link]

Por várias vezes enquanto jogava só me conseguia sentir como um rato fechado num labirinto e em busca da saída mais próxima, ao ponto de começar a sentir que o meu cérebro se derretia. Super Hexagon é mais do que um jogo, é uma experiência, uma total transformação da nossa percepção enquanto ali dentro "aprisionados".

O meu recorde está nos 15:05 segundos.

Actualização em 10 Setembro 2012
Super Hexagon foi desenvolvido em Flash/Stage3D e compilado para iOS com Adobe AIR 3.3.

setembro 07, 2012

montagem de emoção

Trago duas curtas, uma espanhola de Juan Rayos e uma portuguesa de Nuno Barbosa, nas quais a montagem de som e imagem é pura emoção visceral. Ambos os filmes funcionam com aquilo que denomino de montagem em staccato, em que o tempo de cada plano é encurtado para alimentar expectativa e gerar ansiedade nos espectadores.

Stationpark (2012)

O trabalho de Juan Rayos, StationPark, realiza este aspecto mais ao nível visual em duas situações de montagem rápida, que por sua vez são alimentadas por um cenário que por si gera quase todas as necessidades atmosféricas. O cenário é depois banhado por uma luz verdadeiramente impressionante, deliciosamente bem captada pela câmara. Não é o típico filme de skaters, porque aqui Kilian Martin faz parte do todo, não é enfatizado, está ao nível do cenário, da luz, da montagem, de um toco que se completa.

Life's a Soundcheck (2012)

Por outro lado no trabalho do Nuno, Life's a Soundcheck, o staccato acontece mais no campo sonoro, até porque o filme foi produzido como promoção para a Rode, marca de microfones. No campo da fotografia, tecnicamente muito bem, não tão de encontro ao meu gosto, porque demasiado naturalista, aliás por oposição à força expressiva da luz em StationPark. Por outro lado o filme do Nuno não precisa tanto da força expressiva do espaço, porque conta com uma intensidade dramática muito conseguida por João Fino.

StationPark (2012) de Juan Rayos

Life's a Soundcheck (2012) de Nuno Barbosa

setembro 06, 2012

OffBook #26: "The Art of Animation and Motion Graphics"

A PBS resolveu agora categorizar os episódios da série web, OffBook, e assim dividir os episódios já lançados em seasons, ou temporadas, uma terminologia clássica do mundo do seriado televisivo. E até faz sentido já que a agora chamada primeira temporada, nasceu de um projecto que sempre assumiu o seriado como perfazendo um total de 13 episódios, tendo sido publicada entre Julho 2011 e Janeiro 2012. A segunda temporada apareceu apenas em Março 2012 e chega agora ao 13º episódio. Ambas as temporadas apesar de distribuídas com o selo da PBS foram ambas produzidas pela Kornhaber Brown. Todos os episódios foram referenciados aqui no VI à medida que foram saindo e podem ser vistos seguindo a etiqueta OffBook.


Neste 26º episódio temos uma discussão em redor de um movimento criativo, os Motion Graphics, que apesar de estar relacionado com a arte da animação, como é aqui explorado até no próprio título, não é obrigatoriamente emergente deste campo. Os motion graphics surgem sim com o nascimento da imagem animada, mas as suas raízes situam-se mais no campo da experimentação artística com a imagem do que propriamente com a vontade ou necessidade de contar uma história como é apanágio da animação.



Assim os Motion Graphics iniciam-se no início do século passado com o experimentalismo de autores como Oskar Fischinger e Marcel Duchamp, passando por uma fase clássica com os genéricos para cinema de Saul Bass, Pablo Ferro e Maurice Binder e desembocando na atual explosão que se espalhou por uma imensidade de media e suportes. Abunda mais na televisão, mas podemos encontrá-los nos telediscos, na infografia, nos genéricos e nos filmes, nos motion comics, nos videojogos, em apresentações de eventos, em VJing, no fundo em todos os formatos que permitem imagem em movimento.


Muito desta explosão se deve ao aparecimento de tecnologias de produção gráfica e animação, como o After Effects ou o Cinema 4d, que vieram facilitar imensamente o trabalho que subjaz à produção de um trabalho de motion.

setembro 05, 2012

Viagem a Itália com Scorsese, Rossellini e Antonioni

Neste verão, depois da Minha Viagem a Itália com Scorsese ao longo de quatro horas, não resisti a procurar ver e rever alguns dos filmes que marcaram o período mais importante da história do cinema italiano, o chamado neorealismo, fruto do final da segunda grande guerra na Europa. Vi assim os três primeiros filmes de Rossellini -  Roma, Città Aperta (1945), Paisà (1946), Germania Anno Zero (1948) - a chamada trilogia da guerra, e depois os primeiros três filmes de Antonioni - L'Avventura (1960), La Notte (1961) e L'Eclisse (1962) - definidos como a trilogia do descontentamento com o modernismo.

Il Mio Viaggio in Italia (1999)

Começando por Rossellini, os seus filmes são de um realismo impressionante, não tanto na forma apesar de alguns actores não-profissionais, mas mais na escolha do tema e o seu tratamento discursivo. Roma impressiona-nos muito, mesmo passados 60 anos o filme continua imensamente atual, mas fiquei ainda mais impressionado com Germania que nunca tinha visto.

Germania Anno Zero (1948)

Se Roma é um manifesto declarativo da inocência do povo italiano contra a barbaridade fascista, Germania é um dos poucos filmes em toda a história do cinema a atrever-se a mostrar o outro lado, a ser condescendente com um país odiado por todos. E este filme só o pôde ser porque surgiu exatamente depois de Roma, de outra forma seria muito difícil aceitar tudo o que aqui é exposto sem pensar em segundas intenções por parte do autor. Paisá é por outro lado um retrato do pós-guerra, breves contos que nos transportam por entre diferentes perspectivas e sentires do pós-guerra de sul ao norte de Itália.

Roma, Città Aperta (1945)

Mas se viajar com Rossellini é sentir banhos de realidade em sofrimento visceral, já viajar com Antonioni, apesar de continuarmos sobre bandas largas de sofrimento, é vaguear pelos implícitos e sentir apenas após reflectir. Enquanto Rossellini se preocupou em pôr tudo à flor da pele, e a mostrar provas para nos levar a acreditar e a sentir, Antonioni cria todo um universo de atmosferas introspectivas que nos faz desligar da realidade diária e nos transporta para uma espécie de realidade alternativa que se agarra a nós e teima em não nos deixar muito depois de os filmes terem acabado.

L'Avventura (1960)

Depois de ter visto a trilogia de seguida, o meu sentimento à volta da especificidade antonionesca sai ainda mais reforçado. Tudo nestes filmes transpira Antonioni, sente-se na atmosfera, nos diálogos, na fotografia, no ritmo, na interpretação. Toda a estilística é tão peculiar que se torna inconfundível, é toda uma forma própria de expressar ideias, ainda que usando um mesmo meio, o cinema. Antonioni respira e expira melancolia intelectualizada, pouco se passa, e o que passa nada diz de modo explícito. Cada momento está repleto de sentidos, mas cabe ao espectador encontrá-los, é o minimalismo. Se nos deixarmos levar pelas ideias em imagens, entraremos adentro de uma forma diferente de olhar a realidade, que sem dúvida nos questiona sobre o que nos rodeia.

L'Avventura (1960)

L'avventura consegue de uma forma tão subtil e minimal dar conta de um dos maiores dramas da contemporaneidade, a diminuição do tempo de atenção. O desaparecimento de Anna rapidamente se esvanece sem qualquer resposta, e os personagens nem por ela esperam, para logo reatarem novos romances. Tudo se move muito rapidamente, tudo anda muito depressa, interessa apenas o aqui e o agora. Mas L'Aventtura faz isto de uma forma que podemos dizer narrativamente brutal, como é possível que o filme não dando resposta ao desaparecimento de um personagem os espectadores ainda assim se contentem, e consigam proceder ao fechamento da narrativa. É um olhar crítico à pós-modernidade, em que se aceita a destruturação, a fragmentação, em que tudo é efémero, flexível, re-adaptável e não-durável.

La Notte (1961)

La Notte traz-nos mais uma vez a crítica da nova modernidade representada no escritor de sucesso, na sua ascensão, e na deliberada crítica ao sistema mercantilista em detrimento da cultura. O casal deambula como uma dupla de zombies por entre a sociedade em busca de motivações que os mantenham juntos, tudo está ao alcance, mas tudo é tão desprezível.

L'Eclisse (1962) 

L'Eclisse quer seguir na mesma linha, embora dos três seja o menos forte para mim. Mais uma vez a crítica e sátira ao mercantilismo, com a bolsa de Milão como pano de fundo. Monica Vitti não encontra repostas ao seu desejo de uma relação de amor, mas no fundo será que é mesmo isso que procura. Carrega consigo a melancolia do questionamento constante, para onde vou e porque vou, o que faço aqui. Aliás toda a trilogia é de um existencialismo exacerbado, que por momentos me faz pensar em Camus, embora numa linha diferente.