Wolfram Eilenberger, filósofo alemão, surgiu recentemente na cena internacional como divulgador de filosofia com o livro "O Tempo dos Mágicos" (2018), dedicado a Walter Benjamin, Martin Heidegger, Ernst Cassirer e Ludwig Wittgenstein, focado no friso temporal 1919-1929. Para dar continuidade à fórmula de sucesso, avançou para o intervalo 1933-1943, mas desta vez escolheu quatro mulheres — Ayn Rand, Simone Weil, Simone de Beauvoir e Hannah Arendt —, intitulando o livro como "O Fogo da Liberdade" (2020). Eilenberger faz lembrar Sarah Bakewell, pelo modo como cruza bem história, filosofia e arte, contudo, falta-lhe alguma capacidade de síntese e visão holística, ficando-se por um tom mais jornalístico, de descrição cronológica de eventos.
Começando pelas escolhas, Ayn Rand salta à vista por ser a menos erudita, e ter uma obra com menor alcance. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que o seu pensamento se tornou central na segunda metade do século XX, nomeadamente suportando grandes pensadores económicos — ex. Milton e Greenspan — que viriam a tornar-se dominantes na cena política. Mesmo que estejamos contra às suas propostas — objetivismo, libertarianismo e egoísmo —, não podemos esquecer que todo o seu trabalho foi feito sempre em contraponto ao Estalinismo. Para Eilenberger, a sua presença neste lote deve-se à sua necessidade de fugir de um regime político, ao espírito combativo que demonstrou face ao mesmo e o modo como recorreu à arte literária para o fazer.
No outro lado, totalmente oposto, temos Simone Weil, que apesar de também se ter desiludido com o comunismo de Estaline e Trótski, defendeu até ao fim uma espécie de altruísmo extremo. Apesar de judia, converteu-se ao cristianismo seguindo de perto o espírito missionário, desafiando frentes de batalha para salvar e redimir populações da opressão. A maior parte dos seus escritos foram publicados postumamente. Das 4 filósofas, acaba sendo a de maior impacto pelo modo como se ofereceu totalmente à causa das ideias e também porque a sua morte define o fim do friso cronológico do livro.
As outras duas filósofas, Simone de Beauvoir e Hannah Arendt, são as mais célebres, dispensando grandes apresentações. A primeira reconhecida como figura principal do Feminismo, apesar de ter estado na base do Existencialismo. E Arendt, a principal figura por detrás dos estudos sobre o totalitarismo, nomeadamente a tentativa de explicar como foi possível conduzir uma nação inteira a aceitar a barbárie do Holocausto. Ambas tiveram de realizar a sua emancipação, Beauvoir de Sartre e Arendt de Heidegger, acabando por definir não só o seu caminho, mas todo um contributo original que mudaria a nossa compreensão da sociedade no seu tempo.
As 4 convocadas têm em comum a fuga de regimes políticos e a redenção pela escrita, tendo todas elas tido imensa dificuldade em ser aceites e publicar as suas obras. Não posso dizer que tenha aprendido muito de novo sobre cada uma, mas Eilenberger relata com velocidade e de forma muito bem entrosada as vidas e ideias das quatro, centrado num curto período de 10 anos, altura em que todas se aproximavam dos 30 anos e se sentiam plenas de energia, vontade de lutar e sem receio do caos criado pela 2ª Guerra Mundial.
A edição portuguesa (2023) segue o título original alemão (2020) . Já as edições inglesas (2023) e francesas (2022) optaram por traduzir a obra como "As Visionárias"
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