"Hallucinating Foucault" (1996) é um romance de homenagem à obra de Michel Foucault. Patricia Duncker inventa um escritor de romances francês chamado Paul Michel e defini-o como espelho do verdadeiro Foucault. Se Foucault queria escrever romances e não escreveu, Paul Michel escreve-os e dedica-os a Foucault. Se Foucault teorizou sobre os processos de loucura e encarceramento, Paul Michel passa ele mesmo por esses processos. Se Foucault começou a sua carreira em Clermont Ferrand, é aí que Paul Michel termina a sua, internado depois de ter enlouquecido com a morte de Foucault. Se Foucault teorizou sobre a função do autor, Paul Michel centra-se na relevância do leitor. O livro leva-nos pela mão de um jovem doutorando que estuda a obra de Paul Michel e tenta compreender a pessoa por detrás da obra, apesar de defender que não lhe interessa a pessoa, o autor, apenas a obra.
Seguimos com o doutorando numa busca por Paul Michel, sempre na antecipação pelo que vamos descobrir, mais sobre Foucault do que sobre Paul Michel, mas o mistério e o enredo acabam por contribuir para elaboração da personagem de Paul Michel assim como do adorador doutorando. Do trio resulta a discussão sobre o amor homossexual, mas mais do que isso do amor entre o autor e o leitor, da importância desse leitor. Quando escrevemos não podemos deixar de falar para alguém, nem que esse alguém seja imaginado ou criado a partir de modelos de pessoas que adoramos. Apenas Foucault é real, mas a discussão entre o doutorando e Paul Michel, colocando-o no centro da discussão, quebra a ficcionalidade a ponto de nos fazer questionar se Paul Michel não terá mesmo existido.
Apesar do livro ser dos anos 1990, é interessante como a discussão sobre a posição do leitor face ao autor surge aqui antecipando muito daquilo que viria a tornar-se na chamada cultura fã dos anos 2000. Se nesta altura Patricia Duncker definia o leitor como central, mas simultaneamente impossibilitado de chegar ao autor, a internet mudaria tudo isso, permitindo hoje todo um novo mundo de interações que colocam em questão o lugar do autor e leitor.
“If you love someone, you know where they are, what has happened to them. And you put yourself at risk to save them if you can.”
Gostaria que tivesse voado um pouco mais alto, mas o livro é curto, e é uma primeira obra de Patricia Duncker. Ainda assim, a circularidade construída em torno de quem envia o doutorando para França acaba gerando uma gratificação novelesca interessante, envolvida como um doce escape académico. Faz lembrar "Possessão" de A.S.Byatt, ainda que ligeiramente menos conseguido.
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