fevereiro 22, 2021

A resposta é: 42

Foi publicado há dias, 19 fevereiro, um artigo na Science sobre a crise ambiental ocorrida há 42 mil anos, motivada pela inversão dos polos magnéticos da Terra que produziu alterações no campo de forças que protege o planeta da influência de raios cósmicos. A equipa australiana, liderada por Alan Cooper e Chris S. M. Turney, batizaram o evento como “Adams event”, como homenagem a Douglas Adams que escreveu "The Hitchhikers Guide to the Galaxy" no qual inscreveu o nº42 como fonte da vida. Mas o mais importante são os três grandes efeitos referenciados: o desaparecimento de megafauna; a extinção dos Neandertais; e por último, e que mais me interessou, o surgimento das pinturas nas cavernas.

Imagem retirada do vídeo produzido pela Universidade Nova South-Wales, Sydney (ver abaixo)

O trabalho foi realizado com recurso a uma espécie de árvores da Nova Zelândia, as Kauri, das quais restaram sedimentos com mais 40 mil anos, e que tem estado a ser estudadas na Austrália. Este evento, da troca de polos, era já conhecido, e surgia catalogado na ciência como "Laschamp event", mas não era referenciado como tendo impactado a vida no planeta. Contudo, a diferença para com este novo estudo, é que agora não foi analisado o antes e depois, mas o durante. Ou seja, o tempo que durou a reversão dos polos, que se estima em cerca de 1000 anos. E isso foi possível graças às árvores, à análise dos níveis de radiocarbono por meio de um processo chamado "contagem de cintilação líquida de alta precisão".

Imagem retirada do vídeo produzido pela Universidade Nova South-Wales, Sydney (ver abaixo)

Mas como disse, interessavam as pinturas em cavernas, mas porquê? Simplesmente porque marcam o início das nossas competências cognitivas complexas. Produzir um desenho numa parede implica todo um trabalho de observação, interpretação, tradução, projeção e produção. Algo que para nós é um dado adquirido: fazer dois traços e dizer que é uma cara. Mas quem o fez pela primeira vez, necessitou de todo um aparelho cognitivo muito diferente daquele que um neandertal possuía. Daí, que resulte deste estudo também a extinção do Neandertal e a sobrevivência única do Sapiens Sapiens.

Interior das cavernas de Castillo, Puente Viesgo (Cantabria, España), imagens datadas com 40 mil anos

A julgar pelo que nos dizem, o Sapiens Sapiens foi suficientemente inteligente para recorrer a lama — de ocre vermelho — para proteger a pele dos raios solares. Essa lama encontra-se hoje como impressões de mãos em muitas cavernas. E terá sido dessas impressões que terá evoluído o desenho, com a sua reconfiguração a dar a ver expressões e conceitos. Isto faz sentido, quando combinado com o facto de muitos destes lugares desenhados se encontrarem em zonas profundas das cavernas, em muitos casos ausentes de luz solar, e que podemos agora dizer, podem ter sido ocupadas pela necessidade de se afastar dessa mesma luz. Mas a permanência ali poderá ter induzido naqueles, a vontade de ver o mundo lá fora, e não o podendo fazer, terão optado por pintar a natureza para a poder recordar. 

Impressões de mãos nas cavernas de Castillo (Espanha)

Em 2005, Nigel Spivey, na série da BBC "How Art Made the World" (2005), propunha a seguinte teoria: os desenhos teriam surgido por via de alucinações, dado o facto de estarem em lugares tão profundos e longe da luz, algo corroborado por alguns dos desenhos, que em certas partes se parecem aproximar dos efeitos visuais produzidos pela retina que surgem quando somos expostos à escuridão completa. Isto mesmo parece combinar com esta ideia agora exposta, de que os nossos antepassados terão tido a necessidade de se refugiar dentro das cavernas, fugindo da exposição solar para sobreviver.

A importância destas pinturas é extrema, porque até hoje nada foi encontrado anterior a este período, e porque a sua complexidade não se esgota no aspeto visual, mas dá conta de um aparelho cognitivo do qual terá nascido toda a nossa capacidade para imaginar, recriar e projetar novos mundos, por via do desenho, mas também por via do contar de histórias.

Para saberem mais, podem ler o artigo na Science ou um artigo de divulgação e dois excelentes vídeos produzidos pela própria Universidade Nova South-Wales, Sydney.

"Paleopocalypse!", 18.2.2021, narrado por Stephen Fry

"Ancient trees show turning point in Earth history 42,000yr ago", 18.2.2021


Ninguém sabe quando poderá ocorrer uma nova reversão dos polos...


3 comentários:

  1. As manifestações também eram informação que permitiu a perpetuação da espécie humana.

    Informação visual sobre as espécies de animais e outras espécies cujo objetivo seria consolidar conceitos sobre animais e ou plantas no interior de um grupo. Significava que todos percebiam as diferentes espécies e os comportamentos destas e como organizar uma estratégia de caça a um determinado animal. O mesmo sobre que tipo de plantas poderiam utilizar – As primeiras taxonomias sociais... (hierarquias)

    Depois de um conceito consolidado, este era difundido em rede ao grupo.

    Neste caso é necessário inverter a pirâmide Maslow’s...

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  2. https://www.youtube.com/watch?v=kULwsoCEd3g

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    1. Ando há anos para ver o filme, mas queria ver em VR, mas acho que vou mesmo ter de ver em versão normal.

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