Foi publicado há dias, 19 fevereiro, um artigo na Science sobre a crise ambiental ocorrida há 42 mil anos, motivada pela inversão dos polos magnéticos da Terra que produziu alterações no campo de forças que protege o planeta da influência de raios cósmicos. A equipa australiana, liderada por Alan Cooper e Chris S. M. Turney, batizaram o evento como “Adams event”, como homenagem a Douglas Adams que escreveu "The Hitchhikers Guide to the Galaxy" no qual inscreveu o nº42 como fonte da vida. Mas o mais importante são os três grandes efeitos referenciados: o desaparecimento de megafauna; a extinção dos Neandertais; e por último, e que mais me interessou, o surgimento das pinturas nas cavernas.
O trabalho foi realizado com recurso a uma espécie de árvores da Nova Zelândia, as Kauri, das quais restaram sedimentos com mais 40 mil anos, e que tem estado a ser estudadas na Austrália. Este evento, da troca de polos, era já conhecido, e surgia catalogado na ciência como "Laschamp event", mas não era referenciado como tendo impactado a vida no planeta. Contudo, a diferença para com este novo estudo, é que agora não foi analisado o antes e depois, mas o durante. Ou seja, o tempo que durou a reversão dos polos, que se estima em cerca de 1000 anos. E isso foi possível graças às árvores, à análise dos níveis de radiocarbono por meio de um processo chamado "contagem de cintilação líquida de alta precisão".
Mas como disse, interessavam as pinturas em cavernas, mas porquê? Simplesmente porque marcam o início das nossas competências cognitivas complexas. Produzir um desenho numa parede implica todo um trabalho de observação, interpretação, tradução, projeção e produção. Algo que para nós é um dado adquirido: fazer dois traços e dizer que é uma cara. Mas quem o fez pela primeira vez, necessitou de todo um aparelho cognitivo muito diferente daquele que um neandertal possuía. Daí, que resulte deste estudo também a extinção do Neandertal e a sobrevivência única do Sapiens Sapiens.
A julgar pelo que nos dizem, o Sapiens Sapiens foi suficientemente inteligente para recorrer a lama — de ocre vermelho — para proteger a pele dos raios solares. Essa lama encontra-se hoje como impressões de mãos em muitas cavernas. E terá sido dessas impressões que terá evoluído o desenho, com a sua reconfiguração a dar a ver expressões e conceitos. Isto faz sentido, quando combinado com o facto de muitos destes lugares desenhados se encontrarem em zonas profundas das cavernas, em muitos casos ausentes de luz solar, e que podemos agora dizer, podem ter sido ocupadas pela necessidade de se afastar dessa mesma luz. Mas a permanência ali poderá ter induzido naqueles, a vontade de ver o mundo lá fora, e não o podendo fazer, terão optado por pintar a natureza para a poder recordar.
Em 2005, Nigel Spivey, na série da BBC "How Art Made the World" (2005), propunha a seguinte teoria: os desenhos teriam surgido por via de alucinações, dado o facto de estarem em lugares tão profundos e longe da luz, algo corroborado por alguns dos desenhos, que em certas partes se parecem aproximar dos efeitos visuais produzidos pela retina que surgem quando somos expostos à escuridão completa. Isto mesmo parece combinar com esta ideia agora exposta, de que os nossos antepassados terão tido a necessidade de se refugiar dentro das cavernas, fugindo da exposição solar para sobreviver.
A importância destas pinturas é extrema, porque até hoje nada foi encontrado anterior a este período, e porque a sua complexidade não se esgota no aspeto visual, mas dá conta de um aparelho cognitivo do qual terá nascido toda a nossa capacidade para imaginar, recriar e projetar novos mundos, por via do desenho, mas também por via do contar de histórias.
Para saberem mais, podem ler o artigo na Science ou um artigo de divulgação e dois excelentes vídeos produzidos pela própria Universidade Nova South-Wales, Sydney.
"Paleopocalypse!", 18.2.2021, narrado por Stephen Fry
"Ancient trees show turning point in Earth history 42,000yr ago", 18.2.2021
Ninguém sabe quando poderá ocorrer uma nova reversão dos polos...
As manifestações também eram informação que permitiu a perpetuação da espécie humana.
ResponderEliminarInformação visual sobre as espécies de animais e outras espécies cujo objetivo seria consolidar conceitos sobre animais e ou plantas no interior de um grupo. Significava que todos percebiam as diferentes espécies e os comportamentos destas e como organizar uma estratégia de caça a um determinado animal. O mesmo sobre que tipo de plantas poderiam utilizar – As primeiras taxonomias sociais... (hierarquias)
Depois de um conceito consolidado, este era difundido em rede ao grupo.
Neste caso é necessário inverter a pirâmide Maslow’s...
https://www.youtube.com/watch?v=kULwsoCEd3g
ResponderEliminarAndo há anos para ver o filme, mas queria ver em VR, mas acho que vou mesmo ter de ver em versão normal.
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