"A Cura de Schopenhauer" (2000) do psicanalista-romancista Irving D. Yalom é mais uma viagem de associação de ideias entre a Filosofia e a Psicologia. Depois de "Quando Nietzsche Chorou" (1992) recuou no tempo, à maior influência de Nietzsche, para nos falar de Arthur Schopenhauer. A abordagem é distinta do primeiro livro, desta vez não temos Schopenhauer em cena, antes temos alguém que o segue religiosamente e precisa de se tratar. O tratamento segue de perto as teorias de Schopenhauer, e enquanto dura Yalom aproveita para intercalar uma breve história da vida de Schopenhauer. Se o tratamento não me surpreendeu, já que as abordagens apresentadas pouco vão além do conhecimento que já tinha da obra de Schopenhauer, a sua breve história, que desconhecia, foi o que mais me impressionou. É um livro interessante e instigante, mas ligeiro, talvez menos por culpa de Yalom e mais do próprio Schopenhauer.
Há 25 anos, enquanto passava por uma depressão causada por um coração partido, li “Dores do Mundo” de Arthur Schopenhauer. O impacto foi intenso, poderoso, não posso dizer com certeza, mas acredito que me ajudou a sair do buraco, o que está em consonância com muito do que se discute neste livro. No entanto, agora ao reler muitas dessas ideias, que na altura revolucionaram a minha noção do mundo, senti-as ultrapassadas. Schopenhauer anteviu um conjunto de ideias a que a biologia e psicologia só iriam chegar 50 ou 100 anos depois, porém parece ter-se deixado enredar por elas, não tendo nunca conseguido progredir na compreensão de si mesmo ou do mundo.
De forma sucinta, Schopenhauer apresenta algumas ideias revolucionárias para o seu tempo, nomeadamente quando trabalha o amor e a paixão como atributos biológicos que nos impelem, enquanto espécie, para a reprodução. Esta ideia antecede, muitos anos, o surgimento da Teoria da Evolução Humana de Darwin, num tempo em que ainda não existia sequer a disciplina da psicologia, quanto mais psicologia evolucionária. Deste modo, Schopenhauer retira o peso do indivíduo e coloca-o sobre a humanidade. Não somos únicos, não somos nós que desejamos, é o facto de sermos humanos que nos compele a esse desejo, à "vontade de". Para Schopenhauer somos uma espécie de máquinas biológicas com instruções pré-gravadas das quais não podemos escapar. Somos continuamente levados a querer mais e mais de tudo, a desejar ter ou conseguir, para assim que se consegue o que se desejou, nos deprimirmos até que reiniciamos um novo ciclo de querer e desejo. Schopenhauer escreveu a sua obra máxima, “O Mundo como Vontade e Representação” sobre a vontade e o desejo, e passou toda a sua vida ao redor destes conceitos, o que fez afastar o meu interesse e não chegar nunca a terminar a leitura dessa sua obra maior. Deixo um excerto da "A Cura de Schopenhauer" que trata a ideia central:
“Todos os temas principais da vida passam pela ousada análise filosófica de Schopenhauer, inclusive o desejo sexual, assunto que os filósofos anteriores evitaram. Ele iniciou a discussão com uma afirmação surpreendente sobre a força e omnipresença desse desejo.
[Schopenhauer] “Depois do amor à vida, o sexo é a maior e mais ativa força e ocupa quase todas as vontades e pensamentos da porção mais jovem da humanidade. Ele é a meta final de praticamente todos os esforços humanos. Exerce uma influência desfavorável nos assuntos mais importantes, interrompe a toda hora as ocupações mais sérias e às vezes inquieta por algum tempo as maiores mentes humanas. (...)”
(...) A resposta de Arthur (...) antecipa em um século e meio muito do que iria tratar a psicologia evolucionária e a psicanálise. Ele afirma que não somos guiados pela nossa necessidade, mas pela necessidade da nossa espécie. "Embora os dois envolvidos ignorem, o verdadeiro fim de toda história de amor é gerar uma criança", continua ele. "Portanto, o que realmente dirige o homem é um instinto dirigido para o que é melhor para a espécie, embora o homem pense que procura apenas a intensificação do próprio prazer".”
O problema de Schopenhauer foi a sua resignação à descoberta desta nossa condição. Podemos saber que a nossa biologia nos orienta e predestina, mas sabemos também que a nossa psicologia nos liberta. Somos parte natureza, parte cultura, não somos só uma, nem outra, somos fruto da mistura. Julgo que Yalom acaba dando conta dessa questão ao querer aqui curar Schopenhauer, mas fá-lo de uma forma muito indireta. Gostaria de ter visto uma maior incisão na questão, contudo compreendo que Yalom não pretendia redimir Schopenhauer, nem alterar a História do filósofo.
Como disse, na abertura do texto, a história de Schopenhauer foi algo que me impressionou, a sua origem familiar, nomeadamente a sua mãe, Johanna Schopenhauer. Pode ler-se a sua pessoa de muitas formas, mas a emancipação realizada após a morte do marido, a sua entrada em grande no mundo das letras alemãs, assumindo a sua posição de mulher, numa altura em que as mulheres não eram aceites nos círculos intelectuais, é impressionante. Aliás, fez-me pensar sobre o quanto da obstinação e lado destemido da personalidade de Schopenhauer não foi herdado da sua mãe, algo que fica patente na forma como chocaram. Por outro lado, um ponto relevante, apesar de nada de novo, é o constatar mais uma vez que a fama e o sucesso da arte nada têm que ver com o valor das obras. Johanna foi uma das mulheres mais lidas na Alemanha enquanto viveu, tendo escrito cerca de 20 livros. Porém, do que escreveu apenas um livro foi traduzido para inglês, e outro para espanhol, sendo muito difícil encontrar livros seus, com a sua obra praticamente esquecida. Já o filho, que enquanto vivo pouco ou nada vendeu, tendo vivido da pequena herança que o pai lhe deixou, tem hoje a sua obra traduzida em dezenas de línguas, continuando a ser editada, impressa e vendida por todo o mundo.
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