julho 07, 2020

O adeus íntimo de Morricone

Já tinha partilhado esta carta no Facebook, mas depois de a traduzir para português senti a mesma com tanta mais intensidade a ponto de a querer repartilhar. É um adeus sincero e honesto, mas é um adeus profundamente pensado nos outros, naqueles que ficam. Não há espaço para glórias, feitos ou grandezas tudo isso é vão, irrelevante e secundário. Morricone trabalhou uma vida inteira para criar o Épico através da sua música, mas ao partir é apenas do Amor pelo outro que nos fala.
Imagem do momento, com a carta de Morricone, em que foi anúnciada a morte em Roma

Vêm-me à cabeça dezenas de imagens de filmes musicados por Morricone, centenas de horas passadas a ouvir os seus discos, mundos-história inteiros sintetizados em pequenos momentos capazes de nos retirar do lugar e de nos fazer viajar infinitamente. Acredito no seu sentido íntegro e único, mas questiono-me o quanto deste texto de adeus, escrito pouco antes de se ter sentido mal e pressentir que estava quase a deixar-nos, se relaciona com a maneira de estar latina? O quanto tem isto que ver com a necessidade e reconhecimento do outro humano, aquele que conosco faz a jornada, a necessidade de proximidade desse outro? Caminhamos para um mundo de total individualismo, em que o espaço é cada vez mais pequeno para a relação humana, e em que tudo se move por objetivos, metas, métricas e valores financeiros...
Ennio Morricone e Maria Travia

Tradução para português
Obituário escrito pelo Papa

Eu
ENNIO MORRICONE
Estou morto.

Por isso anuncio a todos os amigos que sempre estiveram próximos de mim e também aos que estão um pouco distantes e os saúdo com muito carinho. Impossível nomear todos eles.

Mas uma lembrança especial é para Peppuccio e Roberta, amigos fraternos muito presentes nos últimos anos da nossa vida.

Há apenas uma razão que me leva a cumprimentar todos assim e a ter um funeral de forma privada: não quero incomodar.

Saúdo calorosamente Inês, Laura, Sara, Enzo e Norbert, por terem partilhado grande parte da minha vida comigo e com a minha família.

Quero lembrar com amor as minhas irmãs Adriana, Maria, Franca e seus entes queridos e dizer a eles o quanto eu os amava.

Uma saudação completa, intensa e profunda aos meus filhos Marco, Alessandra, Andrea, Giovanni, minha nora Monica e aos meus netos Francesca, Valentina, Francesco e Luca.

Espero que eles entendam o quanto eu os amava.

Por último mas não menos importante (Maria). Renovo contigo o extraordinário amor que nos uniu e que lamento abandonar.

Para ti a despedida mais dolorosa."
Morricone com a esposa e filhos

Texto original
NECROLOGIO SCRITTO DA PAPA'

Io
ENNIO MORRICONE
sono morto.

Lo annuncio così a tutti gli amici che mi sono stati sempre vicino e anche a quelli un po’ lontani che saluto con grande affetto. Impossibile nominarli tutti. 

Ma un ricordo particolare è per Peppuccio e Roberta, amici fraterni molto presenti in questi ultimi anni della nostra vita.

C'è una sola ragione che mi spinge a salutare tutti così e ad avere un funerale in forma privata: non voglio disturbare.

Saluto con tanto affetto Ines, Laura, Sara, Enzo e Norbert, per aver condiviso con me e la mia famiglia gran parte della mia vita.

Voglio ricordare con amore le mie sorelle Adriana, Maria, Franca e i loro cari e far sapere loro quanto gli ho voluto bene. 

Un saluto pieno, intenso e profondo ai miei figli Marco, Alessandra, Andrea, Giovanni, mia nuora Monica, e ai miei nipoti Francesca, Valentina, Francesco e Luca. 

Spero che comprendano quanto li ho amati. 

Per ultima Maria (ma non ultima). A Lei rinnovo l’amore straordinario che ci ha tenuto insieme e che mi dispiace abbandonare. 

A Lei il più doloroso addio.

2 comentários:

  1. Obrigado Nelson pela partilha, pois não sabia destes pormenores. Ennio Morricone entrou na minha galeria de grandes compositores, indubitavelmente através das bandas sonoras que criou para os filmes de Sergio Leone, especialmente O Bom, o Mau e o Vilão e Aconteceu no Oeste - como é maravilhosa a partitura do assobio e da harmónica!!
    Mais tarde, os trabalhos que desenvolveu para Era uma vez na América e Cinema Paraíso são de igual modo excelentes.
    A questão da carta que deixou aos seus familiares, amigos e ao mundo, levanta-me uma questão existencial e que se prende com o que deve fazer uma pessoa que sabe que vai morrer em breve. Para onde devem ser direcionados as suas últimas ações e pensamentos. Deverá despedir-se da família e dos amigos lembrando a todos o quanto os ama, ler o livro que ainda não leu e que sabe ser de primordial importância, ver o filme que sempre lhe escapou, chamar um confessor, comer o prato gastronómico que mais gosta... ou sentar-se à secretária e escrever uma carta ou no seu blog cogitando os próprios fundamentos da sua vida, se ela possuiu algum sentido, propósito, ou valor, enfim, acertando finalmente contas com o passado.

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    1. Olá Joaquim,
      Não tinha respondido logo porque tinha acabado de ler o livro que hoje resenhei aqui para o blog, "Quando Nietzsche Chorou", e quis esperar para que pudesse ler, acho que abre algumas ideias, mas talvez aconselhe a leitura do mesmo.

      https://virtual-illusion.blogspot.com/2020/07/nietzsche-o-psicoterapeuta.html

      um abraço

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