Capa da versão americana, e o quadro "The Goldfinch" (1654) de Carel Fabritius que serve de móbil à trama do livro.
Donna Tartt tem um estilo próprio, tem uma voz própria, escreve de forma fluída e lúcida. Fala das emoções sentidas num mundo contemporâneo carregado de deveres morais para com a sociedade. A sua primeira pessoa é instigante, mantém-nos agarrados ao pensar e sentir dos seus personagens, como se estivéssemos todo o tempo dentro das suas cabeças. Mas no final existe um certo vazio, por mais que tudo pareça rebuscar erudição. De certa forma, acontece-me exatamente o mesmo com as obras de Murakami.
Veja-se o mundo de Tartt. Em termos temáticos, temos um jovem que se procura, perdido no mundo, sozinho, tentando tornar-se adulto. Sim, também temos a arte, o quadro que está todo o tempo lá, como está a mãe, são ambos aquilo que mantém o jovem ligado ao mundo. A arte surge, ou parece surgir, como o elo que nos pode manter vivos, a beleza que torna o real suportável, e impede de marchar desta vida. Por outro lado, temos droga a rodos, é ela que acaba por verdadeiramente, em "O Pintassilgo" nos manter à tona. Em certos momentos questionei-me mesmo se Tartt não percebia mais de farmácia do que de arte. Mas é claramente o mundo particular de Tartt, em que cabe à droga funcionar como motor das pequenas tensões morais, já que simplesmente não existe sexo, como se os seus personagens fossem todos abstinentes. Como Tartt precisa do Yin e do Yang no desenho dos seus personagens, ao criar personagens puros na carne, impurifica-os pela droga. Muito anos passaram desde 1990, falta evolução no traço da escritora, algo que se agrava mais quando em muitos momentos a "voz" do personagem principal ecoa completamente o personagem principal de "A História Secreta".
Julgo que a espécie de vazio que sinto com “O Pintassilgo” advém do facto de já não me encontrar no público alvo. É um livro sobre um jovem que se torna adulto, mas é um adulto contemporâneo, como tal, o seu mundo aos 25 anos, é o típico mundo dos 17. E é para esses que Tartt escreve, mesmo pensando que não o faz. O uso das técnicas de thriller envolvem muito bem o romance psicológico, sustentam e mantêm o leitor agarrado, mas tudo o que vai sendo desvelado sabe a pouco, porque na verdade não existe muito para dar dentro da cabeça de uma criança que sofre um grande trauma e passa o resto dos seus dias a tentar sobreviver emocionalmente. É uma viagem existencial, com todos os dramas da incompreensão, da perda, do amor não correspondido, do só contra todos, que por vezes roça o puro niilismo.
Para elevar o discurso, Tartt traz para o centro da discussão três autores e suas obras — Rembrandt, Dostoiévski e Proust — e consegue desta forma levar-nos a submergir, a aceitar muito do que tem para dizer sobre o Belo, a Arte e a Vida. Mas não chega. Não chega construir uma tese e colá-la nas últimas 30 páginas do livro, quando todo o livro parece tão pouco preocupado com essa tese. Acredito que teria sido inebriante, tivesse eu outra idade, aquelas últimas páginas em que tudo parece cozer-se, tudo parece ter sentido, tudo tem um desígnio, mesmo que tudo não o tenha, nem possa ter. Acaba sendo uma fuga existencialista, capaz de criar momentos de leitura apaixonantes, em que as páginas se vão virando sozinhas, criando horas bem preenchidas, mas que no final se arruma na prateleira, para esquecer.
Esta leitura serviu-me ainda para colocar em perspetiva o prémio Pulitzer. Cada vez me convenço mais que se deveria ter ficado pela área de eleição do seu fundador, o jornalismo, onde tem servido bastante melhor a sua função.
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