Claro que se tudo isto funciona é também porque detrás de todo o desenvolvimento existe muita paixão. O criador Navid Khonsari viveu no Irão esta revolução. Pouco depois da mesma, e com 10 anos, o seu pai, médico em Teerão, resolveu emigrar para o Canada. Ou seja, muito do que podemos experienciar neste jogo surgiu a partir de memórias reais desses tempos, e do próprio criador. Por isso não surpreende ler na rede, muitos comentários de pessoas que sentem uma espécie de regresso ao passado ao jogar o jogo.
Em termos de valores de produção, outro dos problemas dos jogos não especificamente destinados ao grande domínio do entretenimento, "1979" não possui financiamento de milhões, e por isso nota-se um esforço de reflexão sobre o modo como ainda assim se poderia manter um nível de características capazes de tornar o jogo atrativo em 2016. Para tal, foram tomadas várias decisões técnicas que resultaram imensamente bem. Uma dessas é a animação toda criada com recurso a motion capture, o que evita a necessidade de equipas gigantescas de animação, e apesar de não ter a qualidade final de uma grande produção, funciona muitíssimo bem. Claro que funciona porque temos bons atores, boa direção desses mesmos atores, assim como bons diálogos e cinematografia.
Por outro lado, a jogabilidade baseada no modelo desenvolvido, ou melhor consagrado, pela Telltale Games para jogos como “The Walking Dead” (2012), reduz também imenso as necessidades de desenho e desenvolvimento de interação mais complexas no próprio ambiente de jogo. Com o cerne da jogabilidade a centrar-se nos diálogos e escolhas em texto, oferecendo-se além disso, quase como bónus, pequenas interações com eventos, pequenos mini-jogos e quicktime events, passear em espaços pequenos, ou tirar fotografias.
Sobre o jogo. Reza Shirazi, é o nosso personagem principal, tem apenas 18 anos, acabado de regressar ao Irão, depois de ter estado a estudar na Alemanha, vindo encontrar um país em ebulição. Filho de boas famílias, vai perceber que algo de estranho se passa na sociedade do Irão, desde logo a diferença tida entre os cidadãos de primeira e os de segunda. Começa a ouvir discursos de líderes no exílio, vai a manifestações, assiste a momentos chave da verdadeira revolução de 1979, e de repente damos por nós, enquanto jogadores, a fazer parte dessa revolução. Somos chamados pelo jogo a tomar em mãos o nosso destino, o de Reza, e para isso, a ter de refletir sobre que tipo de revolução queremos, ideologicamente onde nos posicionamos.
É exatamente neste ponto que o jogo vai brilhar, porque se usa toda a linguagem cinematográfica para contar a sua história, recorre à jogabilidade para nos colocar no local. Em vários momentos somos chamados a agir: devemos lutar ou pacificar uma discussão que envolve comunistas contra religiosos; devemos atirar pedras à polícia do governo ou seguir uma abordagem pacifista; devemos defender um irmão entretanto inscrito na polícia secreta, ou deixá-lo cair com o governo, etc. Ou seja, “1979” não conta apenas a história do que aconteceu no Irão, coloca-nos lá, e conduz-nos a participar nos seus eventos, torna-nos de uma certa forma responsáveis pelo que acontece(u). Ao contrário do cinema, não podemos apenas testemunhar a revolução, temos de a sentir por dentro, e assim a compreensão do sucedido deixa de ser meramente informacional passando para um plano mais experiencial.
Tecnicamente, esta experienciação tem falhas, nomeadamente de balanceamento e ritmo, e teria ganho com mais investimento em UX. Por outro lado, o jogo é bastante curto, são apenas 2 horas, o que não dá muito tempo para construir toda a imersão, mais ainda para uma cultura tão distante e complexa. Ainda assim, e como disse, estamos perante um jogo com financiamento reduzido o que torna complicado atingir a excelência a todos os níveis.
Em termos da experiência geral, adorei o confronto sentido com uma cultura muito pouco difundida no ocidente. Permite-nos conhecer um pouco mais de um país tão rico culturalmente, e perceber o quão próximos todos estamos, o quanto as ideologias se aproximam independentemente do ponto geográfico e até mesmo das religiões. Por outro lado, permite ainda compreender como já em 1979 os problemas face à influencia dos EUA se registavam. Contudo, é com muita pena que vejo o atual governo do Irão a banir um jogo que acredito servir imenso no dar a conhecer do país.
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