De forma geral os adereços servem de caracterização, ou melhor de exteriorização dos personagens. Ou seja, as artes narrativas visuais sofrem do problema de terem de traduzir em imagem sentimentos de pessoas, ações internas, o que é por si só todo um trabalho de concepção, desenho e escrita para chegar ao melhor modo de o conseguir. Como posso mostrar que uma pessoa está impaciente ou nervosa? Mostrando-a a olhar incessantemente para o adereço “relógio”. O adereço contém em si mesmo uma carga significativa suficiente para traduzir visualmente aquilo que vai na cabeça do personagem.
Claro que fazer isto com sentimentos universais é até simples, ou quando simplesmente queremos dar conta dos objetivos externos ou das ação necessárias para os conseguir, mas quando queremos ir ao fundo da psyche do personagem, quando precisamos de traduzir complexidade interna e elaborada como o remorso, a vergonha, ou dar conta do crescimento e amadurecimento de um personagem, tudo fica mais complicado, e os adereços começam a fraquejar.
Não é por acaso que muitos dos exemplos aqui dados são do cinema de hollywood, um cinema reconhecido pela acção, pela aposta nos problemas externos dos personagens das suas histórias. "Como diz Kaneria, os adereços são objetos com que qualquer pessoa se consegue relacionar."
Mas quando queremos compreender com que se debate internamente uma criança abandonada pelos familiares, uma jovem violada por um pai, ou uma mãe que perdeu um filho, temos de recorrer ao cinema alternativo, nomeadamente independente ou europeu. E aí os adereços continuam a ter relevo, mas dada a complexidade que representam, a sua leitura é muito menos direta, deixa de existir um acesso facilitado ao mundo representado, ficando tudo muito mais dependente daquilo que o espetador consiga fazer com eles. No fundo assistimos à transformação dos adereços como objetos de representação em objectos de simbolização.
“Why Props Matter” (2015) de Rishi Kaneria
Agradeço ao Fernando Martins que teve a amabilidade de me fazer chegar este ensaio.
Sem comentários:
Enviar um comentário